O Hotel - Três anos atrás

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O convite partiu de Elisa, a mudança do pequeno grupo para o hotel foi aceita por quase todos os moradores do Hotel Rosarito. O grupo se instalou muito bem, ainda havia uma grande quantidade de quartos disponíveis nos vinte andares. Não havia muitos moradores, mas eles aceitavam sobreviventes e refugiados desde que fossem de bom caráter.
Nick Rogers se ofereceu para mostrar tudo a eles. Ele esperava pelo grupo na porta no saguão, as mãos uma sobre a outra em frente ao corpo, ele sorri e seus olhos brilham. Os anos longe do vício o deixaram forte, ele ganhou peso e músculos, seus cabelos agora são curtos, mas ele ainda manca a perna direita que ele injetava a heroína.
Os dois se abraçam, Nick envolve seu braço pelo pescoço de Tracie e suspira, desde que ela e os outros apareceram a três dias atrás, ele não acreditou que sua velha amiga estava viva. A seis anos ele e Madison voltaram para onde moravam, mas não encontraram nada da casa dos Crawford.
- Nick! – ela suspira. Tracie agradece mais uma vez, Nick e Noah foram os responsáveis por manter o grupo vivo. Ela não conseguiu parar de chorar quando soube o que tinha acontecido com seu pai, e tudo o que aconteceu nos anos em que Nick fez de tudo para manter sua família viva.
- Tracie! – ele a solta e cumprimenta todos os outros, Nick tenta ser simpático até com Adam, que o olha com ódio enquanto seu queixo fica rígido e tenso. – Por aqui. – ele chama com um aceno de cabeça.
Eles deixam as armas no saguão e seguem direto para os quartos. Nick mostra os vagos e aconselha ficar longe do décimo quarto e quinto andar, eram onde alguns dos hóspedes tinham ficado presos no dia da queda. Cada um dos quartos possuía banheiro e a água era racionada por exatos quinze minutos.
Joel não escuta ninguém, passa por eles e entra no primeiro quarto com uma única cama se trancando ali mesmo. A maioria das meninas e meninos dividem os quartos, Troy e Jace, e Adam fica com o ultimo vago, Tracie decide deixar suas coisas no quarto de Sarah e Trina.
Tracie acompanha Nick pela cozinha, refeitório onde serviam três refeições diariamente com horários fixos, a ala medica que Alicia e Sarah cuidavam, ela conhece o antigo campo de golfe que se tornou uma plantação e as cercas erguidas protegidas por carros antigos sem serventia que reforçavam as barreiras. A eletricidade funcionava graças ao gerador que um dos companheiros de Haymitch arrumou. Eles tinham um sistema, uma fortaleza que funcionava e que acolhia pessoas de todos os lugares.
- E a melhor parte. – Nick diz abrindo a porta de contenção para o terraço. Não havia nada ali além de sujeira, mas a vista compensava. Era de tirar o fôlego, as árvores cercavam quase todo o prédio, a vegetação cobria ate a entrada deixando difícil a localização e a chegada dele.
- Como encontraram esse lugar?
- Foi Haymitch, o grupo dele foi atacado por um cara, Phillip. Ele perdeu o filho e então recomeçou aqui. Veio Elisa e o grupo dela e então nós. – ele dá de ombros suspirando segurando na haste de metal de proteção. Nick encara o horizonte e fecha os olhos. – Sabe eu e Madison voltamos procurar por você assim que o bombardeio acabou. Estávamos com Sarah e Trina, e quando chegamos lá não havia mais nada da sua casa e nem de você.
Nick lamenta, ele se arrepende ate hoje por não tê-la procurado antes de sair com Madison, Nick acreditava que Tracie tinha ido com Sarah e quando viu sua casa bombardeada, não se perdoou ate o último momento.
- Eu acordei sozinha no meio da noite, eu vi uma dessas coisas. – Tracie fecha os olhos lembrando daquela noite à seis anos atrás. – Eu corri pedindo ajuda para vocês e então... conheci Adam. Ele salvou minha vida.
Tracie junta as mãos encarando o horizonte, lembrando da cicatriz da bala na perna direita, ou X na lombar, da cicatriz no ombro de quando conheceu Jace. Todas elas tinham tornado Tracie quem ela é em cada momento que ela passou para chegar ali.
- Posso fazer uma pergunta? – ele espera Tracie acenar com a cabeça. – Qual o lance com Adam?
- Ele salvou minha vida. De todas as formas possíveis e imaginárias. – ela diz repetindo que devia sua vida à ele. Tracie e Adam não estavam em um bom momento, mas ela não conseguia se separar dele.
- Você ama ele? – Tracie o encara com o cenho franzido. – Vocês se olham como se não pudessem se separar. – ele da de ombros e ergue as mãos em defesa. Nick não diz mais nada e Tracie não responde, o vento joga seus cabelos para trás. Eles observam as nuvens escuras de chuva se formando, um raio parte no meio do céu e a trovoada ecoa pela mata, fazendo as aves voar para longe.
A chuva não demora para começar a cair, todos se arrumam para uma última refeição no refeitório antes de apagarem as luzes e se recolheram para os quartos. Quatro voluntários de Haymitch ficaram de guarda, Tracie não se ofereceu, estava cansada demais. Ela senta na cama vazia e observa Sarah entrar no quarto, elas sorriem.
- Como esta se sentindo, querida?
- Honestamente, cansada. – ela sorri sentindo o braço de Sarah em volta de seus ombros.
- Por que não tenta dormir um pouco? – ela sugere e levanta da cama, Sarah arruma a outra cama enquanto Tracie solta um suspiro. Ela não queria deitar e dormir, ela tinha muitas coisas na cabeça e queria passar o máximo de tempo que conseguisse com Sarah.
- Não sei se consigo. – ela dá de ombros. Tracie estava cansada demais para saber como era dormir tranquilamente, ela tinha sono mas sua cabeça estava a mil por hora.
- Sei bem como é. Não consigo dormir desde o dia que começou, até... – ela encara a janela enquanto pensa. Sarah dá uma risadinha. – Até hoje. – Tracie arqueia as sobrancelhas e passa a mão pelo rosto cansado.
- Não sei, vocês parecem muito tão bem. – Tracie junta os ombros e solta um suspiro pesado.
- Queria que você tivesse nos visto à cinco anos atrás. – Sarah dá uma risadinha e dobra o casaco de Trina jogado na cama.
- Como saiu do hospital? Daquela noite, como... como escapou?
Sarah encara o canto do quarto, ainda segurando o casaco antes de colocar no lugar. Ela suspira e finalmente encara Tracie, seus olhos marejados, perdidos nas lembranças do passado.
- Eles evacuaram o hospital. Todos aqueles que não estavam infectados foram tirados, para que eles explodissem o lugar. – Sarah arqueia os ombros e senta na cama de frente para Tracie. – Acho que eles fizeram isso já pensando que iria bombardear Seattle.
Tracie imagina o cenário, lembra vagamente de passar pelas ruínas do que um dia foi o hospital. Imagina sua mãe perdida na multidão tentando voltar para a casa. Ela queria saber mais, Tracie queria saber o que aconteceu e como encontrou o resto do grupo.
- E Trina?
- Eu estava voltando para casa depois de horas, já havia perdido a noção do tempo, aquela altura. Quando estava na esquina da nossa casa, encontrei Madison e as crianças. Ela e Nick haviam ido atrás de Alicia, por sorte estavam todos juntos, tinham se trancado em uma sala com Jack.
- O que aconteceu com... – Tracie tenta dizer a palavra pai, mas sua garganta se fecha em um nó. Ela sabia que ele tinha morrido, mas não teve coragem de perguntar como, até agora.
- Trina não fala até hoje sobre isso, quem me contou foi Noah. – ela diz avisando que seriam palavras de Noah, não dela. – Eles estavam com Jack na sala dos professores, Noah queria sair dali e convenceu todos à atravessarem o campo e pegar o carro de Jack, enquanto o garoto iria distrair todos. Mas o inevitável aconteceu, os infectados cercaram Noah, Jack correu para ajuda-lo e foi pego, Trina tentava puxar ele e Noah teve que separa-los. Eles correram até o carro e saindo da escola encontraram Madison e Nick.
Tracie fica em silêncio. Ela não queria mais nada além de descobrir o final da história de Sarah.
- Foi quando voltamos para casa, não havia mais nada, nenhum sinal seu, querida. Então decidimos sair dali. – Sarah conta tentando secar a lágrima, ela sentiu seus olhos marejados enquanto lembrava do desespero por perder Jack e Tracie. – Levamos os jovens para casa, alguns tiveram sorte, Peter no entanto não. Noah encontrou com Sussanah, e eles vieram com nós. Mas eu nunca deixei de procurar e rezar para encontrar você. Sempre senti esperança até o último minuto.
Sarah funga tentando conter as lágrimas, Tracie senta ao seu lado, enquanto a abraçar pelo ombro. Ela encosta sua cabeça no ombro da mãe e tenta não chorar junto.
- Eu tentei... eu juro que tentei....
- Tá tudo bem. – ela conforta sua mãe afagando seu braço, em um abraço desajeitado. As duas ficam um tempo assim, uma segurando a outra, com medo que escapassem ou desaparecessem de novo.
- Nós encontramos pessoas, se juntamos a grupos durante esses anos, só para sobreviver. – Sarah continua contendo suas lágrimas. – Foi Nick e Noah que conheceram Haymitch e nos trouxeram para cá. Mas te digo uma coisa, não foi fácil, todos esses anos sentindo sua falta e do seu pai. Tivemos que fazer coisas da qual não se orgulhamos.
Tracie a abraça mais uma vez, antes de soltar. Sarah segura as mãos de Tracie com força e as duas se encaram nos olhos. A conexão, o amor puro e doce entre mãe e filha, no qual uma perdoaria a outra por seus pecados.
- Mãe? – Sarah encara Tracie. – Essas coisas que você diz.. – Tracie não sabia como perguntar e na verdade não queria saber, mas precisava. Ela precisava saber se foi a única que carregava coisas da qual se envergonha. – Você... já matou alguém?
Ela engole seco. Sarah solta as mãos de Tracie e tenta secar os olhos. Tracie não estava julgando, afinal quem seria ela fazer isso. Mas ela precisava saber que o fim do mundo não havia transformado apenas ela em um monstro.
- Uma vez. E me arrependo a cada minuto da minha vida. – Sarah perdia perdão todos os dias. Afinal ela havia feito um juramento anos atrás de salvar vidas, não tira-las.
Tracie concorda em silêncio. Ela não iria perguntar quem ou porquê. Não queria detalhes, conhecia muito bem sua mãe para saber que ela não havia mudado em nada. Mas agora o peso e a vergonha caiam sobre seus ombros.
- Eu não ligo, mãe. Entendo, seja lá qual tenha sido seus motivos. – Sarah sorri aliviada. Ela carregava aquilo com ela sem compartilhar com muitas pessoas e fingia todo o tempo que nunca a afetava. – Eu também fiz coisas. Das quais não sei se me arrependo, por quê sei que mantiveram Joel e Adam vivos.
Sarah solta as mãos da filha e sua expressão muda. Ela não estava furiosa ou assustada. Sarah estava mais confusa com as palavras que Tracie disse, ela conhecia sua filha e sabia que ela era incapaz de alguma maldade.
- Eu não vou te contar. Talvez um dia, mas não hoje. Porque não sei se você vai querer saber. Mas saiba que mesmo não me arrependendo, não significa que não me orgulhe.
Sarah sorri, ela abraça Tracie dizendo que estava tudo bem. Ela conforta sua filha, tentando não imaginar o que Tracie disse. Para Sarah, essa garota a sua frente já não era mais a mesma que deixou em Seattle. Ainda era sua filha, mas algo tinha mudado. Tracie estava mais sombria.
Trina abre a porta do quarto e xinga antes de fechar. Seu sorriso desaparece assim que se depara com a mãe e a irmã se abraçando.
- O que tá acontecendo? – ela franze as sobrancelhas confusa demais para tentar entender.
- Só estávamos conversando. – Sarah dá de ombros e se levanta da cama. – Como foi o passeio?
- Passeio? Com Noah? – Tracie provoca indo para a outra cama. Trina mostra o dedo médio para Tracie, mas é repreendida por Sarah.
- Por que não cuida da sua vida? – Trina retruca enquanto troca de roupa. Tracie sorri, tentando segurar o riso e deita na cama de Trina. Elas dividem a cama, enquanto se preparam para dormir.
Tracie descobriu que estava sem sono ou não conseguia dormir, quando passado de uma hora e ainda rolava na cama, ouvindo a chuva forte e as trovoadas. Não muito longe dali, Troy dormia tranquilamente com a cama ao lado vazia, em algum canto do hotel, Jace olhava pela janela enquanto bebida uísque puro tentando ficar bêbado. Era mais fácil para ele assim, ele não se lembrava com tanta frequência de April e dormia mais rápido, e também não pensava muito em Eileen apontando a arma para sua nuca no bar quando se conheceram.
Ali em outro quarto, Joel estava deitado encarando o teto. Desde que fechou a porta ele não se mexeu e talvez tenha tirado alguns cochilos, mas sempre acabava sonhando com April. Ele começou a se perguntar se ela iria gostar desse lugar, se eles compartilhariam o quarto e se explorariam o local. Joel quase cogita em levantar e procurar por Jace, ele imagina que esta bebendo em algum canto e começa a apreciar a ideia. Por sorte ele esta com raiva demais para se mexer.
Tracie desiste da cama, ela levanta e sai fechando a porta do quarto, não muito longe desse ela vai para outro, a porta encostada e uma luz fraca de vela ao lado da cama. Tracie fecha a porta e vê a coberta no chão onde o pastor-belga dorme tranquilamente, ele e Adam brigaram porque ele não iria dividir a cama com um cachorro depois de tantos anos dormindo ao lado de uma pessoa.
Tracie deita em baixo das cobertas, ajeitando a cabeça no braço direito de Adam, ele lhe da espaço e a puxa para seu peito. Nenhum dos dois estava dormindo naquela noite, e sabiam o motivo. Não conseguiriam enquanto não se acertassem novamente. Tracie pensa muito na pergunta de Nick, “você ama ele?”.
- Tá pensado em que? – ela pergunta pousando a mão no peito de Adam. Ele suspira com força e coloca sua mão sobre a dela.
- Naquela vez no lago.
Tracie não responde ou pergunta mais nada. Ela lembra muito bem daquele dia assim como Adam, já que foi o dia que ambos perceberam que se amavam mais do que tudo.

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