O rancho - Cinco anos atrás

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Demorou meia hora. Sean havia saído por uma janela depois que o grupo matou alguns dos zumbis, isso deu tempo o suficiente para Sean conseguir atrair eles para longe, sem que fosse devorado em questão de segundos. O grupo saiu pelo outro lado e teve que lutar contra alguns dos zumbis até chegarem nos carros de Troy e Luke.
Não era bem isso que Tracie queria, mas Adam a convenceu de que eles precisavam de um lugar. Para ela bastava seu grupo, Jace, Joel, April e agora o cão. Mas nada parecia bom ou seguro o suficiente para Adam.
Ele sente o vento oscilar seus cabelos curtos, ele estica seus ombros largos e mexe a cabeça alongando o pescoço. Adam estava cansado e passou a viagem inteira perguntando os nomes de Luke e seus amigos, assim como respondeu várias perguntas. Adam tinha esquecido como era conhecer pessoas, estava muito tempo com seu pequeno grupo e mais ainda só ele e Tracie.
O único que não estava gostando daquilo tudo era Troy. Ele olha pelo retrovisor toda vez que sente o olhar de Tracie em sua nuca. Troy tenta se concentrar na estrada, em tudo o que vai dizer ao seu pai, como explicar que perderam Sean e encontraram um grupo. Como ele explicaria à Gerald toda a confusão e que ele não confia nem um pouco nas pessoas que está levando para casa.
Eles passam pelos portões pesados com o letreiro Rancho Otto e a cerca de arame, mais alguns metros até finalmente atravessar outro portão menor, com duas pessoas de vigia. O rancho é localizado em área aberta com várias dimensões de terra e rodeada por montanhas.
Troy desliga o carro e Keyden o outro, todos desembarcam na estrada de terra e encaram as pessoas que ao cercam.
- Por aqui. – Luke fala mostrando o caminho e eles seguem pela estrada que divide os pedaços de plantação. As pessoas que estão plantando ou com ferramentas nas mãos param para observar os forasteiros.
A grande fazenda tem uma área habitada por tendas e barracas, além de um estacionamento de trailers que servem como casas para os sobreviventes. Também contém cabanas construídas e habitadas por famílias, que se refugiaram e trabalham ali. Além dos celeiros que estão em pleno funcionamento, assim como os poços de água potável.
Mas o que chama a atenção deles é a enorme casa construída de madeira, com dois andares, janelas e sacadas por todos os lados, que fica no alto do acampamento. Tracie observa as torres de vigia, uma mais alta que a casa principal e as outras em cada canto da cerca reforçada.
Eles passam pelo portão pequeno e sobem até a porta, entram na casa protegida por homens de meia idade e armados, que vigiam as portas e algumas janelas. A casa é grande e rústica, em tom de madeira escura feita de carvalho antigo. Do corredor vai para uma sala com sofás de couros e animais empalhados nas paredes, eles seguem Luke até outra sala.
O escritório é grande, a mesa no centro é vermelha verniz e de madeira reforçada, algumas poltronas de couro preta e animais nas paredes. O homem de meia idade encara Luke e depois os cinco jovens. A mulher parada de costas se vira para o grupo e para de falar, seus cabelos compridos estão presos em um rabo de cavalo e a blusa xadrez solta cobre o cinto em que guarda a faca.
- Depois terminamos Luciana. – o homem de meia idade dispensa a mulher que os encara de cima a baixo. Ele sai de trás da mesa, apesar dos seus cabelos grisalhos e rugas pelo rosto, era um homem alto, forte, robusto e saudável.
- Pai. – Luke o cumprimenta, ele abaixa a cabeça enquanto seu pai analisava cada um de dentro da grande sala. – Nós os encontramos na base militar, eles nos ajudaram.
- Com o que?
- Ficamos cercados, perdemos o Sean. – ele coloca os dedos pressionando o nariz, fecha os olhos e pousa a mão na cintura. Como se ele sentisse a perda.
- Que bom que voltaram! – ele coloca a mão no ombro do filho e aperta. – Gerald Otto, bem vindos ao meu rancho. Qual é o líder? – o homem se apresenta. Adam olha de canto para Tracie que abaixa a cabeça, ele funga e estende a mão na direção de Gerald.
- Adam. Esses são Tracie, Jace, Joel e April. – Gerald cumprimenta apenas os homens do grupo e pedem que sentem. Tracie não estava gostando nada daquilo, não gostava do jeito de Gerald, de Luke a olhando de canto ou da casa.
- Então Adam, como sobreviveram por tanto tempo? – Adam dá de ombros. Ele não iria contar que na maior parte do tempo, era Tracie que os manteve vivo.
- Sorte? – Gerald dá uma risada debochada. Ele acende um charuto e oferece à Adam que nega com a cabeça.
- Foi do exército? – ele pergunta apontando para as calças verde militar e a blusa por baixo do colete vermelho. Troy entra na sala e se encosta na soleira da porta, cruzando os braços.
- Sargento.
- Acho que foi assim que vocês sobreviveram. Tem um espírito de líder Major. – Gerald diz batendo a ponta do charuto no cinzeiro. Tracie observa Troy estreitar os olhos. – Meu filho comentou que ajudaram eles, é verdade.
Adam encara o filho mais velho de Gerald, ele não sabe o que exatamente responder, já que sobreviveram graças aos esforços do seu grupo. Era evidente que os garotos não sabiam se defender, eram apenas crianças mimadas com armas.
- Luke está sendo modesto. – Gerald encara Luke no canto da sala. Até seu próprio pai sabia que os filhos eram inúteis na proteção do rancho. Ele só não admitia para nenhum dos moradores. O silêncio prolongado toma conta da sala, Luke e Troy começam a sentirem desconfortável com o olhar do pai.
- O rancho era do meu bisavô que passou para meu vô, para meu pai e então para mim. Ele ainda está com suas atividades funcionando muito bem, é claro que depois do surto com a carne só paramos com a produção pecuária. Mas aqui temos poços artesanais com água doce, as hortaliças, torres de vigia e painéis solares. Tudo funciona muito bem, com a ajuda de quem se refugia aqui.
Adam assente, Tracie decora cada canto da sala e cada informação que foi lhe dada. As torres ela já tinha visto, agora só bastava estudar como o rancho funcionava.
- Podem ficar aqui, mas vão ter que trabalhar. Se acomodem em uma das cabanas, Luke mostrará a vocês. Descanse hoje e amanhã Luke delimita o serviço de cada um de vocês. – Gerald diz a Adam, sem perguntar se eles ficariam.
Adam agradece e eles saem da sala, Tracie percebe que agora não teria como eles irem embora. Ela sente como se tivesse ficado prisioneira de Gerald e que trabalharia em qualquer serviço ruim, para poder comer.
O grupo pega seus pertences e passam pelas plantações e torres que Luke mostra. Ele conta do celeiro e o galpão feito como garagem e armamento, do pequeno curral que agora abriga poucos animais, para consumo e até os cavalos. Luke mostra cada pedaço do rancho desde os poços até a cozinha onde a maioria das mulheres trabalham.
- Vocês podem ficar com uma das cabanas desocupadas. O banheiro é de vocês, mas as refeições são coletivas. É perto do celeiro na tenda, café as oito, almoço e jantar às sete. Se atrasarem ficam sem comer. – Ele dá uma risada sem graça e abre a cabana desocupada. – É pequena mais acho que dá, senão podemos colocar dois de vocês com outro grupo.
A cabana pequena era feita de madeira, não tinha muito espaço, só um banheiro com água encanada, uma mesa com quatro cadeiras, espaços para guardar pertences e dois beliches.
- Não precisa. – Adam responde engolindo à seco, jogando a mochila e arma no chão. April finalmente deixa o cachorro no chão, que parece aliviado e agradecido por usar as próprias pernas.
- Esqueci de falar, as armas ficam no galpão.
- Sério? – Jace pergunta tirando do ombro o rifle. Ele olha para Adam na esperança que ele resolva aquilo. Adam tenta argumentar mas é interrompido.
- É por segurança. – ele dá de ombros. Adam entregar a automática e a espingarda, contra a própria vontade Jace bufa ao entregar o rifle e a pistola de April. – A glock. – ele lembra olhando para Tracie, com um olhar cínico e superior, como se aqui ela não pudesse fazer nada com ele. Ela entrega na mão de Luke com força.
- Vai dizer que as facas também? – Jace pergunta irritado e se arrepende na hora. Ele não pensou na possibilidade dele obriga-los a entregar.
- Não, essa vocês podem usar pra proteção. – Luke sorri e Jace o encara feio. – Vou deixar vocês descansarem.
Assim que Luke sai fechando a porta, Tracie e Jace olham para Adam. Ele fecha os olhos com força e suspira, não queria discutir com eles, Adam também não gostou de nada mas saber que tem um teto e comida para eles, já o deixava mais aliviado.
- Eu fico com a de cima. – Joel diz subindo em uma das camas, ele está mais empolgado do que nunca e April, não para de sorrir desde que entraram na casa.
- Eu fico na de baixo. Vem garoto. – ela leva o cachorro com ela. April não largou o animal desde que saíram da base militar.
- Joel, vai tomar um banho. Você tá fedendo. – Tracie manda recebendo uma cara feia em resposta. Joel revira os olhos e desce da cama de cima. Viver em um mundo onde as pessoas não tomava banho todos os dias não era fácil, mais ainda com um pré-adolescente que estava na puberdade, era tortura.
Jace sorri enquanto coloca suas coisas na outra cama de cima, não queria falar nada mas era verdade, Joel estava fedendo a hormônios. Ele não pergunta se tudo bem ocupar a outra cama de cima, sobra apenas uma vaga.
- Se importa de dividir com April? – ele pergunta à Tracie, que nega com a cabeça. Seria o mais correto as meninas dividirem uma cama.
Tracie senta em uma das cadeiras e apoia à cabeça com as mãos enquanto suspira cansada, ela espera todos se instalarem até ficar por último a usar o chuveiro. Fazia tempo desde o último banho que Tracie tomou, a água não muito gelada escorre marrom pelo ralo. Ela fecha os olhos e passa as mãos pelos cabelos curtos, depois de algum tempo ela decidiu corta-los e agora estão chegando nos ombros.
A água passa por cada uma das suas cicatrizes, o X do ferrete, a marca do tiro na coxa que levou de Adam, o furo no ombro quando conheceu Jace. Eram muitas para contar e parecia que todos os dias elas ainda doíam, para lembrar que estava ali. Para lembrar Tracie que ela sobreviveu e que agora podia descansar um pouco. Tracie respira devagar, ela tenta se acostumar com a ideia de ter um lar. Depois de quatro anos andado por cidades destruídas, ela precisava se acostumar com o fato de terem encontrado um lugar ainda inteiro.
Tracie sai do banho e quando volta para o pequeno e único cômodo que será a casa deles, encontra Joel sentado em uma das cadeiras.
- Seu cabelo tá horrível. Precisa cortar.
- Adam pediu para te chamar. Vamos comer. – ela assente em silêncio.
- O que achou daqui? – Joel dá de ombros. Ele encara Tracie, já estava do seu tamanho, mais ainda era magro e sem nenhuma força.
Joel agora conhecia Tracie e confiava sua vida à ela, desde o dia que se conheceram ela demonstrou se importar mais com ele do que com ela própria. E Joel que tinha recém perdido o pai, encontrou alguém para se segurar.
- Acho que temos onde descansar. – ele observa Tracie. Até hoje não sabe como se sente em relação à ela, se era um sentimento de amigos, irmãos ou proteção. – Acho que você pode descansar.
Ela sorri, Tracie segura a nuca de Joel e o empurra pela porta. Ele se esquiva dela e sai correndo na direção da tenda. Para Tracie bastava Joel feliz e animado, ela gostava da ideia que ele se importava com seu estado. Ela anda pelas pessoas desconhecidas, o rancho ficava iluminado à noite com as luzes da tenda e de alguns postes espalhados.
Ela encontra seus amigos e senta ao lado de Jace, que a empurra de leve com o ombro. Jace estava com um copo na mão e um cigarro na outra, Adam conversava com Luke e Joel e April estavam de frente para Jace. Eles comiam animados enquanto conversavam, era uma refeição decente em um prato de verdade, fazia anos que eles não comiam carne e legumes. O bater no mental chama a atenção de todos.
- AMIGOS?! – Gerald estava de pé com uma caneca de metal nas mãos, ele espera o silêncio de todos. – Hoje agradecemos a mais um dia, a nossa comida e nossa segurança. – aplausos – Mas hoje em especial, agradecemos a vida. Perdemos um dos nossos, mas ganhemos cinco. – silêncio. – Sejam bem vindos Adam e seu grupo. Que se sintam acolhidos por nossa hospitalidade e que seja uma parceria de via dupla.
As canecas são erguidas e mais aplausos, Adam sente-se envergonhado ao sorrir sem jeito para Gerald. Ele agradece baixinho e volta a comer, seu olhar cruza com o de Tracie. Eles estavam em opostos nessa história de rancho, Adam ficaria porque não aguenta mais morar nas ruas, Tracie não confia em ninguém.
O grupo já estava instalado. Eles haviam comido uma refeição decente e tomado banho pela primeira vez em muito tempo. Todos estavam exaustos, Jace foi o primeiro a dormir, April não demorou muito depois que conseguiu comida e água para o animal, e Joel não via a hora de se livrar de Tracie.
- Fica quieto! – Tracie ordena empurrando a cabeça de Joel para baixo. Ele resmunga sentindo a lâmina gelada na nuca. Depois que voltaram para a cabana, Tracie finalmente conseguiu convencer Joel a cortar os cabelos.
- Aii. – ele reclama quando sente um puxão. Tracie o segura no topo da cabeça enquanto termina de cortar os fios, o mais curto que consegue.
- Terminei. – ela anuncia tirando mais alguns fios dos ombros de Joel, ele passa a mão pelo cabelo. Seus fios voltaram a ser curtos, e apesar de ter se acostumado ele agradece por tirar todo aquele peso. – Nunca mais me deixe fazer isso.
Ela diz passando a mão pela cabeça de Joel, o corte ficou torto. Em algumas partes está mais raspado que outra. Mas foi o melhor que conseguiu, Tracie já tentou convencer Adam a ensina-lo essas coisas. Ela ainda sentia uma distância de Adam com Joel, desde o dia em que o conheceram.
- Deixa eu ver isso. – Tracie pede puxando o braço do menino.
- Não foi nada demais. – ele mostra o braço. Um arranhão de unha, longo mas fino que pode passar despercebido, assim que deixar de ficar vermelho.
- Como tá se sentindo? – ela pergunta segurando seu queixo. Já tinha se passado horas do arranhão e Tracie estava mesmo contando que Joel, não fosse ficar infectado. Ele dá de ombros.
- Bem.
- Okay. Deixe isso escondido até cicatrizar bem. – ele assente. Isso significaria que Joel ficaria de blusa em baixo do calor seco do verão de Washington. – Vai dormir.
Ele agradece mentalmente por se ver livre de Tracie, ele gostava demais dela, porém era sufocante. Tracie apaga a única luz acessa da cabana, ela encara a janela, as luzes dos postes eram fracas e o silêncio toma conta da imensa escuridão além da cabana e da cerca que rodea o rancho.
Adam fecha os olhos quando a luz se apaga, seria fácil e rápido pegar no sono se não sentisse o colchão se mexer. Ele se obriga a abrir os olhos e se depara com Tracie, deitando em sua cama.
- Achei ter ouvido que dormiria com April.
- Não quero incomoda-a. Ela precisa de espaço. – Tracie sussurra e Adam sorri sentindo ironia, já que April é menor que Adam. Ele era enorme para aquela pequena cama, mas daria um jeito de caber com Tracie.
Adam tira a camisa e Tracie não consegue deixar de ver os ombros largos e a cicatriz na lombar, um X com as linhas grossas de queimadura. Ele deita se ajeitando e fica de frente para Tracie.
- Precisamos ficar aqui mesmo? – ela pergunta baixinho e ele dá um longo suspiro, pensando na resposta certa. – Só estou falando, porque a gente estava muito bem, longe de pessoas...
- E para onde iriamos? Não tem mais nada em lugar nenhum. – ele repete a mesma coisa que disse para Jace na noite anterior. Parecia que fazia uma eternidade desde a última vez que dormiu no chão duro.
- Só acho que nós cinco já bastava.
- Trie. – ele diz baixinho, era como se pedisse para ela não começar com seja lá o que for. – Eu estou cansado, de verdade. – ela assente.
Tracie sabia que Adam não falava do cansaço agora na qual, uma boa noite de sono recuperaria as forças. Ela sabia que estava cansado de lutar, de fugir e principalmente, de não ter um lugar para chamar de lar. Eles até tentaram algumas vezes, em uma época antes de Joel, e depois em Randle no restaurante com Jace e April.
- Tá bom, não vou insistir. – ela sorri e Adam agradece baixinho. Tracie e ele se encaram, a pouca luz fraca que vem do luar de fora, ilumina o meio de seus rostos.
Tracie brinca com os dedos da mão no espaço que há entre os dois, ela encara a mão de Adam e leva seus dedos até ela. Tracie coloca sua palma da mão em baixo da dele e acaricia as costas da mão do amigo com o polegar, ela brinca com seus dedos os entrelaçando.
- Mas se mudar de ideia, saiba que vou te seguir para onde for.
Ela diz baixinho sem tirar os olhos do amigo. Tracie o encara com tanta intensidade que Adam quase desiste da ideia de ficar no rancho, se Tracie saísse agora sem rumo nenhum ele iria atrás, a seguiria até no inferno. Ele odeia a influência que ela tem sobre ele.  Adam escuta seu coração bater mais forte que o normal.
- Não. Não vou. – ele responde sem jeito e se obrigando a desviar o olhar. Adam encara a cama de cima e junta as mãos sobre o peito, tenta acalmar seu coração que disparou se concentrando na respiração. Mesmo Adam odiando o efeito que Tracie tem sobre ele, odiaria mais ela não estar ao seu lado. Então eles iriam ter que encontrar um jeito de se entenderem de novo, porque ele não sairia dali e ela não daria o braço a torcer.
A sorte deles é que se amavam demais para se separarem.

Dias SombriosWhere stories live. Discover now