Cachorro - Cinco anos atrás

2 1 0
                                    

Tracie tira a faca da cintura e pressiona na carne mole e podre da cabeça do zumbi, ela segura ele com força quando crava a faca no meio da testa. Seus olhos esbranquiçados ficam abertos e o sangue escuro e forte escorre da testa pelo nariz. Seu corpo cheira a carne podre. Ela joga o zumbi longe da caixa de madeira e procura o que ele tentava pegar.
Tracie encara o saco de pulgas preto. O cachorro tem alguns meses, pequeno e as patas, orelhas e a barriga são marrons. O focinho está aparentemente machucado e ele respira rápido, seus olhos dilatados estão assustados e ela tem quase certeza, que viu um corte na pata dianteira.
Mesmo pequeno e magro, Tracie percebe que é da raça pastor-belga Malinois, um fato curioso é que cães dessa raça normalmente são usados no exército. As orelhas erguidas e o pelo ouriçado, denunciam a desnutrição e o medo. Ela suspira e pega o cão trêmulo, ela o segura por baixo das patas arqueando uma sobrancelha.
- Okay, é um garoto. – ela diz analisando sua barriga magra. Fazia dias que o cachorro não se alimentava ou bebia água, e esse pequeno detalhe lhe partia o coração. Talvez Tracie não estive tão má quanto pensava.
Ela ouve os passos vindo em sua direção e se vira para encarar um Joel, alto, magro e desengonçado de doze anos. Seu cabelo escuro estava longo, a franja nos olhos escuros atrapalhava na visão e a voz esganiçada, o deixava mais esquisito ainda.
April seguia Joel, ela estava eufórica. Animada e com um largo sorriso enquanto segura o braço do amigo. Mesmo tendo a mesma idade, Joel parecia mais velho pela altura.
- Encontrou alguma... o que é isso? – April pergunta soltando o braço de Joel e indo com as mãos no cachorro.
- Um filhote. – Tracie cruza os braços e observa o cachorro tremer nos braços de April, enquanto faz carinho. Ela olha para o cachorro com alegria e Joel tenta se aproximar.
- Podemos ficar com ele?
- É o que vamos ver – Tracie descruza os braços e pega o cachorro. – Achem Jace e Adam. – sem hesitar eles saem correndo pelo corredor de terra, Tracie encara os olhos brilhante e passa a mão na cabeça do cachorro, que lambe seus dedos em seguida seu rosto. – Tá legal. Você tem que convencer Adam, garoto – ela diz e larga o animal no chão, o cachorro deita perto dos seus pés enquanto espera eles aparecerem.
Adam respira fundo mais uma vez. A base que eles encontraram devia estar cheia de armas ou coisa assim. Ele não acredita na ideia de que os soldados estão mortos porque estariam aqui e não foram embora, sem nada. Ele encontra Jace na outra ponta da base. Ele nega decepcionado com a cabeça.
- Mas que droga! – Adam exclama chutando um tambor de óleo. Ele sabe que só poderiam ter roubado tudo ali.
- Calma cara. As vezes nos encontramos alguma coisa por aí.
- Onde, Jace? Porque parece que não tem mais nada para nós, em nenhum lugar. – ele bufa. Adam senta na primeira coisa que encontra.
- Não tem mais nada para ninguém. É o fim do mundo.
- Se a gente pelo menos encontrasse alguma comunidade. – Adam murmura baixinho para si mesmo.
- Mas parece que nem isso existe mais.
Eles estavam cansando, andando de uma cidade à outra, sem comida ou um lugar seguro para descansar. Adam encara o chão coçando a nuca. Jace acende um cigarro e oferece para Adam, que aceita sem hesitar. Ele tinha parado de fumar, mas quando se sentia nervoso ou ansioso, não conseguia evitar.
- O que vamos fazer? – Jace pergunta soltando a fumaça densa do cigarro pela narina. Eles são interrompidos por Jace e April, que correm ao encontro deles.
- Adam?! – os dois encaram Joel, que pigarreia. Sua voz rouca falhava e saí muitas vezes, fina demais.
- O que aconteceu?
- A Tracie, ela achou... pediu para chamar vocês. – April tenta dizer, mas está sufocada. Ela precisa de um tempo para se recuperar e tomar ar.
- Wow! April, sua asma. – Jace tenta ajudar a irmã que corre de volta na direção que veio. Joel tenta segui-la e Jace e Adam sem hesitar os segue.
Eles correm pelos corredores de terra ate outra antiga sala da base, indo para os fundos, na parte de fora. Adam e Jace correm segurando as armas e quando chegam, se deparam com Tracie agachada fazendo carinho na barriga de um cachorro preto com marrom.
- Mas que porra é isso?! – Jace diz exasperado segurando o cigarro entre os lábios. Ele ignora o olhar de reprovação de April, encolhendo os ombros.
- Um cachorro! – April responde pegando o animal nos braços.
- Espero que seja o nosso jantar. Se não por quê diabos estou vendo isso? – Adam diz sério. Ele encara os pares de olhos que fazem cara de nojo.
- Credo cara. – Jace diz passando a mão na cabeça do animal. Que mesmo tremendo abana o rabo. – Ele ate que é fofo. – ele diz com uma vozinha fina, de criança. Então pigarreia.
Adam o encara de canto fazendo Jace se recompor, ele solta a fumaça no ar. Ele ajeita a mochila no ombro e joga o cigarro fora. Os dois olham para o cachorro e para April e Jace, eles olham o animal com alegria. Era como se ele tivesse encontrado um tesouro.
- Podemos ficar com ele? – April pergunta olhando para Tracie e para os outros dois. Adam encara Tracie que dá de ombros. Não tinha como ele negar aquilo, todos já tinham se acostumado com o animal.
- É tanto faz. – ele dá de ombros e Tracie sorri. Mesmo se ele negasse, Tracie ficaria com o cão, só ele que não sabia.
- Vamos achar um nome para ele! – Joel sugere se afastando com April e o cachorro. Jace da um toque no braço do amigo, ele ainda iria procurar por alguma coisa útil na antiga base militar. Adam encara Tracie.
- Aposto que a ideia foi sua!
- Não, eu só o encontrei – ela dá de ombros como se não fosse nada. Tracie não iria contar para Adam que já havia alimentado o cachorro com a comida que era deles. – O que vamos fazer?
- Acho que ficamos aqui essa noite e decidimos amanhã. – os dois vão em direção a uma antiga locação de número treze, com portas reforçadas que levam ate o antigo dormitório dos militares.
Seria o acampamento deles por essa noite, ou ate encontrarem coisa melhor. O grupo estava cansado, os dois mais novo de tentar sobreviver e os três mais velhos de lutar pela sobrevivência. Os dias tinham se tornado difíceis. Cada vez mais a natureza mostrava a eles que o fim do mundo havia acontecido e que apenas os mais aptos sobreviveriam.
Tracie observa Jace e Adam, arrumando colchões para todos, ou o que sobrou. April e Joel deitam com colchões um ao lado do outro, enquanto brincam com o cachorro que toma água em uma vasilha que Jace arrumou. Ele se joga em um canto e chama o cachorro, dando um pouco da comida que lhe resta.
- É serio, Jace? – Adam diz não acreditando que Jace está mesmo dando da pouca comida deles para um cachorro.
- Que foi?! – ele pergunta se fazendo de desentendido enquanto come a outra metade que o cachorro mordeu. Adam balança a cabeça indignado, com nojo de Jace dividir sua única barra de cereal com o cachorro.
Tracie tranca as portas e encara pela janela, o sol esta se pondo. Ela senta e fica alguns minutos vendo o cachorro pousar a cabeça no joelho de Jace, que faz carinho. Joel e April conversam baixinho, até Joel pegar no sono com um ronco baixinho, enquanto April cantarola.
Ela observa Adam, ele tira o colete e a jaqueta, puxando um cobertor para perto dele. Adam cruza os braços, deixando os músculos bem evidentes e a placa de identificação visível. Ele faz sinal com a cabeça chamando Tracie, fazia três noites seguidas que ela ficava de vigia.
- Tá na minha cama! – Tracie diz largando o rifle, ao lado do colchão e senta ao lado de Adam. Ele estreita os olhos, dando um leve sorriso.
- Durma. – ordena.
- Não, estou bem. Por que você não descansa?
- Porque faz três noites que você não dorme. Eu fico de guarda. – Adam sussurra dando um leve empurrão com o braço no dela. Ela suspira e tira a jaqueta, entrando debaixo da coberta.
Tracie encara Adam, uma familiaridade. Era confortável e seguro deitar ao lado dele, os dois ainda tinham aquela sensação entre eles, que nenhum sabia explicar. Era como se cada toque ou aproximação dos dois, fossem importantes para que ambos continuassem.
Tracie vira de lado, ficando de frente para Adam. As lembranças de anos atrás, invadem sua cabeça. Houve um tempo que Adam não dormia com ela e não eram tão próximos.
- Tá pensando em que? – ela sussurra para ele. Adam passa a mão no rosto e encara o teto. Tracie pousa sua cabeça no peito de Adam, que a abraça.
- Nada. – mente. Ele pensava em muitas coisas. No que fariam em seguida, se encontrariam um lugar para ficar, o que comeriam amanhã. Não eram pensamentos bobos, perto dos de Tracie que começa a imaginar um mundo onde nada disso aconteceu, Tracie estaria na faculdade.
Será que conheceria Adam? E se conhecessem, que tipo de relação teriam? Ela estava mesmo cansada e com sono, pois a cada pensando ela se aproxima ate deitar a cabeça no peito de Adam. Ele suspira e beija o topo de seus cabelos, antes dela pegar no sono profundo.
Adam observa todos dormirem, menos um, o cachorro. Ele desembrulha o resto da sua comida que guardou e dá uma mordida. O gosto azedo e a textura seca faz ele repensar em morrer de fome ou comer aquilo. O cão ergue a cabeça e Adam joga o resto para ele, que come tão ligeiro que chega a ficar com a pequena barriga estufada. O animal se aproxima de Adam, cheirando seus dedos e lambendo, ele sorri para o pastor-belga e passa a mão no meio das suas orelhas peludas. O animal fecha os olhos e se ajeita perto de Adam, que lhe faz carinho até adormecer.

Dias SombriosWhere stories live. Discover now