CAPÍTULO 4: O Filho da Senhora G.

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Ele bateu com os pés no chão e fez um bico enorme. 

— Precisa ser mais convincente.

— Feia! — Ele berrou por cima do ombro, dando um chute exagerado no baú de brinquedos. Os blocos coloridos voaram pelos ares, ficando esparramados por todo o carpete da sala. — Você é uma feia, uma fedida cheia de furúnculos e eu odeio... Odeio...

Betty levantou as sobrancelhas diante da hesitação do filho.

— Delfin, vá em frente — disse ela, seguindo com o roteiro. Enfiou as mãos nos bolsos traseiros do jeans e realmente aguardou que o garoto fosse em frente. — Coragem. Precisa fazer isso.

As costas magras por baixo do pano da camiseta de adulto estremeceram, os ombros se encolheram como se o garoto acabasse de ser pego por uma onda de frio:

— E-eu não consigo — cochichou Delfin, saindo da personagem. Ele fechou os punhos ao lado do corpo e voltou-se para ela, desiludido. —  Eu não posso dizer que odeio você, não quero fazer isso — concluiu, raivoso. — Odeio quando você me obriga a agir feito uma criança.

Betty suspirou:

— Você não passa de uma criança, Delfin. Esse é o nosso problema.

Ele não disse mais nada. Engoliu a vontade louca de gritar, o que iria piorar a situação de ambos, e ficou de costas para ela, beliscando com força a fralda da camiseta.

— Quero que você aprenda a se comportar como uma criança normal quando não estivermos sozinhos, mesmo que isso signifique agir feito um idiota — ordenou Betty, rouca, e ele pôde ouvir o tilintar metálico das chaves no bolso frontal de sua camisa.

— O que está fazendo é injusto, Elizabeth. É você quem me faz ler todos esses livros idiotas — protestou Delfin, girando nos calcanhares para encarar Betty. Sempre se assustava com os olhos da mãe, eram grandes e transparentes. — Me fez jurar não ler na frente deles, nada de matemática e nada de me exibir. Preferiria que eu fosse um garoto burro?

— Bem, ninguém se sentiria ameaçado por um garoto burro.

— Mas do que é que você está falando? — As faces do menino ficaram vermelhas de indignação.

A única coisa que Delfin odiava mais do que ficar sozinho era o tom de voz indiferente da mãe. Quando Betty estava aborrecida, o som da suave brisa contra as paredes de casa ganhava a potência de pedras rolando por um desfiladeiro; ela falava devagar, pronunciava as palavras com rouquidão, feito uma menininha machucada.
Delfin odiava aquilo, odiava ser o homem da casa.

Estava então com nove anos e já sabia de muitas coisas que o papai só foi capaz de aprender depois de velho. Delfin sentia uma alegria imensa em ser o único a poder ajudar Betty quando o motor da picape enguiçava, quando Lucas aparecia com as compras do mês e Betty precisava de alguém extremamente forte para carregar os fardos de mantimentos para dentro de casa; se Betty precisasse de alguém era ele o único que poderia ajudá-la, como quando ela sentia dores de cabeça e passava o dia todo na cama.

Quem mais poderia levar o café da manhã para ela? Havia orgulho em ser o homem da casa e havia vergonha em gritar como um bebê.

— É difícil fazer birra, não ligo para o que aquela velha disse sobre eu ser esquisito — confessou Delfin, mordiscando o lábio inferior. — Não quero gritar com você na frente deles, não quero tratar você como se você fosse má comigo. Tenho nove anos, quase dez. Não entendo por que precisa que eu me comporte como uma criança ruim se sempre diz que sou o melhor menino que você já conheceu. Não quero fingir ser quem não sou, mãe. Não pode me aceitar como eu sou?

Delfin: A História de um Menino Golfinho no Fim do Mundo Where stories live. Discover now