A Fé no Novo Mundo

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No começo da Nova Ordem, quando a iminente transformação da sociedade e da paisagem ainda era chamada por nomes como O Fim do Mundo, ou simplesmente O Apocalipse, uma recém-inventada exigência tecnológica fizera com que grupos se abrigassem em zonas rurais, fazendas de todos os tamanhos que logo foram identificadas como sendo acampamentos (muitos tomavam a precaução de acrescentar “Cristão” ao final, para se referirem quase que exclusivamente àquela gente que não possuía qualquer poder de compra). 

Os cristãos sabiam bem como não conviver em harmonia com os outros seres humanos, seus irmãos, e por isso quase não sentiram o quão terrível seria o destino de quem não tivesse um microchip implantado sob a pele: em pouquíssimo tempo, em um tipo de habilidade ou instinto natural redescoberto em nome da necessidade de se isolarem do restante do mundo, eram uma sociedade à parte, plantando e cultivando o próprio alimento por trás de cercas de arame farpado, protegidos por uma densa floresta e vigiados por guardas armados e abrigados em guaritas. Os cristãos quase nunca eram vistos andando pela cidade — na maioria das vezes, podiam ser reconhecidos pelas roupas surradas, do Antigo Mundo, pela aparente humildade nos modos e por suas crianças maltrapilhas, ainda que excepcionalmente bem alimentadas.
Pela primeira vez na história, com apenas um rápido olhar, nos discípulos se poderia reconhecer a essência do Mestre.

Eram eles o tipo de gente má e mesquinha como contavam os mais antigos moradores de Santa Mônica? Para essa pergunta havia duas respostas e ambas estavam corretas. SIM & NÃO.

Sim, os habitantes do Acampamento Cristão seguiam acreditando que o Fim do Mundo estava próximo, cada vez mais perto agora que o Anticristo se manifestara, e que muito em breve o céu nebuloso se abriria e anjos desceriam, tocando trombetas, iluminados pela luz divina. Depois disso, Jesus Cristo desceria de pé, em cima de uma nuvem dourada e bojuda, e os faria subir lentamente no que eles chamavam de Arrebatamento, pois eram eles os escolhidos para viverem no paraíso prometido, junto de Deus. Os demais seres humanos — que pela lógica do Livro da Criação também eram os filhos de Deus —, muitos famintos e doentes, isolados por rolos de arame, seriam engolidos pela terra do pecado e da desobediência, caindo em um mar de lava que sugaria suas almas, lançando a todos num inferno de dor e agonia eterna.

E:

Não, os habitantes do Acampamento Cristão não se tratava de “gente má”, entretanto, eram sim de um tipo mesquinho, ranzinza. Para Don Paolo, que tinha visto o nascer da revolução ali mesmo, na fronteira com a Argentina, os Cristãos do Acampamento de Santa Mônica não passavam de ratinhos acuados, sobrevivendo às margens de um precipício.

— Nada mais importa para eles. Já não podem mais festejar ou sair em bandos para fazer suas compras de Natal. Eles apenas esperam, foi o que foram ensinados a fazer desde sempre, esperar e esperar — dizia ele, como que para amenizar os comentários maldosos feitos contra aquela gente inofensiva.

Afinal de contas, milhares de Cristãos ainda viviam fora dos acampamentos, e muitos possuíam poder de compra.

Delfin: A História de um Menino Golfinho no Fim do Mundo Onde as histórias ganham vida. Descobre agora