CAPÍTULO 1: A Grande Descoberta

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Todas as manhãs, ao acordar, suas mãos cerravam-se ao lado do corpo. Às vezes, segurava o lençol num gesto que poderia denunciar a falta de um homem deitado ao seu lado, e então ela ouvia.

Antes mesmo de abrir os olhos e limpar a poeira das pálpebras, lidando apenas com os sentidos despertos de um espírito que retorna dos universos mais distantes, ela escutava as folhas soltas que rolavam nas telhas, rajadas de vento que arrancavam os brotos das hortaliças. Durante a madrugada, com as costas úmidas de suor, era arrancada de um sono tranquilo por aquele mesmo arranhar sombrio, o chacoalhar dos galhos, as folhas secas que davam cambalhotas pelo telhado, o mesmo som que emitiriam as patas esqueléticas de uma barata faminta e insone. 

Mas não havia baratas na casa de Elizabeth G.; estava completamente sozinha naquele abrigo de paredes cor de musgo e carpete de beiradas desfiadas, mais antigo que os quadros retratando flores fantasmagóricas em um cesto de palha. Eram réplicas do estilo melancólico de Monet e conhecer um nome ainda mais antigo que o Novo Mundo trazia no eco dos pensamentos outros nomes ainda mais tristes.

Sempre que pensava em Monet, geralmente quando sentava-se à mesa da cozinha para tomar uma xícara de café, sendo obrigada a olhar para uma daquelas peças de arte sem vida alguma, lembrava-se também de Debussy. Sabia o que ele era, embora não relacionasse nenhum rosto ao nome. Sabia o que ele havia feito e quais os motivos que faziam com que um Debussy estivesse na memória de uma mulher “do futuro”.

Debussy, Clair de Lune, Elizabeth recitava mentalmente, de um jeito automático, é claro, porque afinal de contas não havia nada mais para se dizer. Estava sozinha, sem falar a língua dos homens, e tudo o que a conectava ao mundo real eram as memórias, os ruídos e a certeza de um futuro no qual seria lembrada com idêntica confusão. Desejava a sorte de uma existência através de vestígios.

Um vulto negro a acompanhava.

Ele aumentava gradativamente de tamanho, aproximando-se com a mentalidade de um cachorrinho.

Percebendo-o, ela se fazia de desentendida e esperava, sem expectativas, sem nada.
Se quisesse, poderia acertar o despertador com Atroz, aquele lindo Frísio de temperamento dócil que vinha dar cabeçadas em sua janela; os caixilhos apodrecidos rangiam e partículas de poeira caíam do lado de dentro, em cima da cômoda de madeira escura, cobrindo o baú de porcelana para joias com uma fina camada de pó.

A respiração de Atroz, tão pesada quanto ele mesmo, embaçava os vidros amarelados devido ao tempo.

São seis horas, acorde, Bela Adormecida. Bom dia, será um bom dia para você. Toc-toc-toc, acorde, Bela Adormecida...

— Tudo bem, já estou acordada — respondia Betty, virando-se para o outro lado apenas para provocá-lo. Gostava de como as narinas dele faziam barulho quando ele resfolegava, contrariado, e de como o cavalo acreditava ter a leveza de um ser etéreo.

Estava desperta, mas não queria abrir os olhos, não queria ter de sair de baixo do cobertor para então encontrar-se com uma rotina que fazia com que envelhecesse dez anos em um único dia.

A sensação de estar-se dissolvendo no vazio a dominava logo nas primeiras horas da manhã, quando as copas e os troncos das árvores estão coloridos em tons simples, suaves, envoltos nos matizes de uma ilustração primaveril. A solidão não era mais a simplicidade de uma casa de campo vazia, a louça empoeirada, os pratos guardados em uma cristaleira que só servia para ocupar espaço; caminhar pelas ruas de Santa Mônica era um ato solitário e complexo, do mesmo modo que não ir para lugar nenhum também o era. Falar ou não falar, ir ou não ir, ficar ou não ficar; a rotina havia se transformado em um jogo de tanto faz, um longo e cansativo jogo de tanto faz, que durava do amanhecer até o anoitecer.
Nada pelo que esperar, ninguém por quem sofrer e roer as unhas.

Delfin: A História de um Menino Golfinho no Fim do Mundo Where stories live. Discover now