O rosto dele estava da cor de um pano de prato:
— Vim o mais rápido que pude. Onde está?
— Vamos, entre. Não vai poder vê-lo se ficar parado aí fora.
O homem esfregou as mãos enluvadas uma na outra. Ele passou para dentro, soltando um gemido descansado quando sentiu o calor da sala contra as faces. O ar-condicionado ainda estava funcionando.
— Quando foi que você o encontrou? — Don Paolo sacudiu os ombros, tentando se aquecer mais rapidamente.
— Foi há três dias e vou logo avisando, aquela criança não era cinza e escorregadia quando a peguei nos braços pela primeira vez. Pensei que fosse uma lenda, um mito. Venha comigo, ele está na banheira. O banheiro fica ao final do corredor.
— Na banheira? Sozinho?
Betty dispensou o questionamento com um gesto vago de mão.
— Foi o único jeito que encontrei para fazê-lo se acalmar — disse. — Trouxe a mamadeira?
Don Paolo olhou para ela em dúvida e concordou lentamente, pousando a mãozorra em cima de um calombo que tinha no quadril. Se Elizabeth G. só agora tinha enlouquecido de vez, era a mulher enlouquecida mais atraente que os olhos do argentino conheciam.
***
O pequenino estava deitado nos fundos da banheira, de olhos abertos e indagadores, emprestando-lhe aquele ar perdido dos bebês que acabavam de nascer.
— Bem, é como eu disse — falou Betty, cruzando os braços e encostando-se na parede entre a pia e a privada. Ela indicou a banheira com um movimento de cabeça. — Acredita em mim agora?
Don Paolo abriu a boca, mas não disse nada, não de imediato. Precisou de alguns segundos para refletir.
Por fim, o bigode grisalho tremeu um pouco quando ele sorriu.— Pensei que nunca mais fosse ver um deles, ainda mais um tão jovem — admirou ele, segurando-se nas bordas da banheira para poder olhar mais de perto. Don Paolo empurrou os óculos para a ponte do nariz. — Quer dizer que ele reage muito bem quando está na água, não é? Reage tão bem ao ponto de mudar de cor.
Betty havia enchido a banheira pela metade.
Embaixo d’água, a pele daquela meiga criatura exibia um aspecto emborrachado e liso, cor cinza chumbo, perfeitamente visível graças a claridade do banheiro limpo. O semblante abobalhado e tranquilo em seu rosto fitava-os através da água cristalina.
Quando Don Paolo curvou-se para olhá-lo melhor, o bebê bocejou demoradamente, encolhendo as perninhas, fazendo com que bolhas subissem até a superfície.
O velho balançou a cabeça, admirado.— É um bebê Quimera. — Don Paolo tornou a se erguer, tirou os óculos e apertou os olhos com as pontas dos dedos, de repente sentindo-se atordoado. — Quanto quer por ele? Vejamos, diga-me o seu preço.
Sem perder a serenidade e o contato visual, Betty arregaçou as mangas da camisa xadrez que usava, desencostando-se com um leve sorriso nos lábios.
— Não estou vendendo ele. Pode me dar licença? — pediu, querendo espaço diante da banheira.
Don Paolo deu um passo para o lado, não queria perder nada.
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Delfin: A História de um Menino Golfinho no Fim do Mundo
Science FictionEm um futuro terrivelmente possível, conhecemos Elizabeth G., uma mulher solitária, que vive em uma cabana, longe do centro da pequena cidade de Santa Mônica. Reclusa e de poucos amigos, "Beth" vê a própria vida transformar-se após o abandono de uma...