As Estações

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Mesmo para um país da América do Sul, sem nenhum poder no que se diz respeito a Ordem Digital, conhecido por suas praias e mares de águas mornas, fazia um frio de congelar a paisagem e salpicar com sinais de geada a grama e as folhas das árvores, o que tornava o simples ato da respiração uma atividade dolorosa. As noites eram intensas, de uma tal escuridão cuja espessura as estrelas não conseguiam combater. Uma emulsão de fumaça, poeira, civilização e avanço. Obscuro otimismo que não amainava ao raiar do sol.

Pelas manhãs, o céu exibia aquela qualidade violenta de cinza, uma gigantesca afirmação de que os dias seguintes estavam livres de qualquer vestígio que pudesse levá-los a acreditar em um abrandamento do inverno rigoroso e seco, pois as últimas chuvas haviam espalhado lençóis de um verde escuro às margens das estradas, as ervas daninhas de sempre que avançavam, insatisfeitas com o território que já haviam dominado. A terra, porém, ao contrário que se poderia imaginar, seguia intoxicada; onde antes plantações de trigo cobriam tudo, cada nova haste que nascia era contornada pelo bronzeado prematuro do envenenamento, uma marca que levaria décadas para ser limpa do solo.

Alguns dos moradores mais velhos recordavam do desequilíbrio ambiental de duas décadas antes, quando as imensas chaminés lançavam tanta fumaça preta que as volumosas nuvens no horizonte faziam chover pingos de ácido, uma “chuva má” que não servia para nada, além de provocar furos em plantações e o envenenamento da terra. Esses dias haviam passado, assim como o espanto inicial, mas as consequências ainda eram sentidas sempre que mudavam as estações; se fazia frio, os termômetros atrás dos balcões de armazéns marcavam números tão baixos que os pingos de orvalho congelavam nos beirais das casas e em toldos listrados, lembrando pingentes de cristal ou presas afiadas; sem o devido cuidado, os dedos das mãos e pés congelavam e aquela gente que vivia nas ruas mobilizava o pessoal da prefeitura. Era sempre igual, tinham de ser arrancadas na manhã seguinte com a ajuda de pás, já que os seus traseiros grudavam nas calçadas e a rigidez dos membros tornava cansativo o trabalho de recolher os corpos.

O verão era o oposto de tal cenário, um tanto semelhante, verdade, embora o cheiro terrível que parecia dominar o mundo naqueles dias fizesse com que muitos dos habitantes de Santa Mônica preferissem congelar dentro de casa do que dar a impressão de estarem fedendo vivos. 

Delfin: A História de um Menino Golfinho no Fim do Mundo Onde as histórias ganham vida. Descobre agora