— Venha comigo. Não permitirei que vá embora assim. A Srta. Teresa soube no caminho que sua filha passou mal na escola. Mas você pode ficar com a passagem e ir comigo. O que acha?

Fiquei sem reação alguma. Nem ao menos consegui respondê-lo. Teresa sorriu, e me entregou o bilhete de sua passagem.

— E-eu... — Recebi de sua mão.

— Qualquer coisa, me ligue, Srta. Teresa.

— Pode deixar Sr. Edan.

Respirei fundo. E agora?

Coragem, Sarah!

— A filha de Teresa tem asma. Então ela sempre fica muito aflita quando é noticiada que ela passou mal. — Sua voz cortou meus pensamentos.

— Você parece se importar com ela.

— Demais. Teresa me acolheu em um momento delicado e soube... Digamos... Que lidar, comigo. — Ele suspirou e colocou novamente seus óculos escuros — Mas então, você vai? Eu sei falar mala em inglês, então não há por que se preocupar.

Ambos sorrimos.

— Sr. Edan, é que eu...

Ele ficou parado, esperando pacientemente minhas palavras.

Mas não consegui dizer nada. De repente sua presença me passou tanta segurança, que todos os meus medos pareceram correr. Como se... como se...

— Não precisa ter medo. — Ele falou, com sua voz firme, ao mesmo tempo que recheada de uma suavidade que era totalmente fora do comum.

Excêntrica.

Eu acenei com a cabeça, com o coraçãozinho dançante.

Fizemos todo o percurso juntos, dei minha documentação, meu passaporte, minha carteira de vacinas. E o Sr. Edan fez o mesmo. Fomos até a área de

embarque de passageiros e entramos no avião. Apesar de estarmos em silêncio, hora ou outra eu podia ter quase certeza de que ele estava me observando.

Ele sentou-se, e eu me sentei em seguida na poltrona vazia ao seu lado.

Edan notou meu desconforto e sorriu.

Nenhuma palavra. Nenhum som.

Só o som do meu coração desenfreado. Desenfreado porque daqui a alguns instantes eu ia encarar de frente um dos meus medos. Desenfreado porque ele estava ali comigo.

Uma aeromoça veio passar algumas instruções, inclusive como colocar o cinto de segurança. Depois que estávamos todos afivelados, o avião decolou e eu senti um forte frio na barriga.

Minha visão girou uns trezentos e sessenta graus.

Edan estava totalmente calmo. Surpreendentemente calmo. Nossos olhares se encontraram.

Nem pensar!

— Você não parece gostar muito de altura. — Ele continuou com seu olhar fixo nos meus.

— Eu sou mais o estilo pé firme na terra. — Sussurrei. — Meu pai era... piloto.

Edan continuou me observando, e timidamente, baixei meu rosto.

— Então não deveria sentir medo. — Disse. Não pude ver seu rosto, apenas ouvir sua voz. Eu não diria a ele que pai morreu.

Não era o momento.

Ele pegou seu cachecol cinza, e colocou-o sobre meus ombros, com delicadeza.

Aquele movimento me fez olhar novamente para ele; atônita.

E nossos olhares mais uma vez se tocaram, dessa vez com tanta força e intensidade, que quase não pude organizar meus pensamentos, que quase perdi a percepção do tempo e do espaço.

— Está tudo bem. — Ele permaneceu sério — Não vai acontecer nada.

— Muito obrigada. — Sussurrei.

Ele continuou com seu olhar sobre os meus. Era como se estivéssemos no meio de alguma dança envolvente, mas sem toques, sem contato.

Até que abruptamente virei meu rosto para o outro lado.

Esse simples gesto me fez ficar tonta.

E encostei minha cabeça no assento.

E minhas pálpebras começaram a pesar.

O que estava acontecendo comigo?

...

— Chegamos. — Uma doce voz sussurrou.

Levantei minha cabeça rapidamente e fui tomada por uma forte tontura. Espera, espera. Levantar a cabeça? Olhei para o ombro de Edan. Eu não estava acreditando! Como eu pude dormir novamente na frente dele? Dessa vez, em seu ombro! Que vergonha!

— Me perdoe, me perdoe e me perdoe Sr. Edan. — Me levantei em um pulo, e acabei por sentir tudo girar. Eu fiquei tonta, no mesmo instante que senti minha cabeça latejando.

— Sarah, está tudo bem?

Senti meu corpo desequilibrar, e quando pensei que ia cair, Edan me reequilibrou pela cintura, puxou o peso do meu corpo para si e não permitiu que eu caísse.

Seu rosto ficou bem próximo ao meu, foi como uma bela cena de filme de romance. Nossa respiração havia tomado um único sentido; o descompasso.

E ficamos ali, parados.

Sua mão forte estava me segurando pela cintura, seu olhar avelã claramente preocupado, arroubado.

Engoli em seco e desvencilhei meus olhos dos seus, o mais rápido que já pude.

 — Na verdade, não. — Falei.

Ele retirou sutilmente a mão de minha cintura, e desaproximou-se.

Abri a nécessaire novamente. Então percebi que eu não tinha tomado medicamento para o estômago. Eu tinha tomado o medicamento errado. Acabei tomando um medicamento para alergia! Dose tripla!

Ele continuou me observando.

Pelo menos, eu não morri.

— Eu tomei um medicamento errado. — Sussurrei — Acho que pela pressa eu nem percebi. Então talvez eu esteja só um pouquinho atordoada de sono. O senhor pode ir, eu me viro. Já chegamos em Londres, então está tudo bem. — Sorri — Muito obrigada Sr. Edan.

Ele me segurou rapidamente pelo pulso, e isso me impediu de sair.

Ele olhou no fundo dos meus olhos.

— Não vá. Não está tão bem, então permita-me que eu a deixe no hotel.

— Sr. Edan, eu não quero de maneira alguma incomodá-lo.

— Não será um incômodo.

Acenei com a cabeça.

Nós saímos do avião, e ainda ao seu lado, pude ouvir suas conversas em inglês com um dos funcionários do aeroporto.

Entramos em um carro bem espaçoso.

Apesar de já ter passado tantas horas após a medicação, eu ainda sentia meu corpo pesado e um sono fora do comum.

Ele saiu do carro, e quando entrou novamente, acordei de um cochilo.

— Srta. Sarah, não me diga que ainda estava dormindo. — Pude ver sua expressão preocupada.

— Quem? Eu? — Fechei meus olhos, e quando acordei novamente, vi sua imagem desfocada.

Por que era quase impossível lutar contra esse sono e indisposição do meu próprio corpo?

Quando o táxi parou, eu acordei ainda com dor de cabeça. Eu não vi direito a entrada do grande hotel e nem dei muita atenção para as conversas da recepção.

Eu só queria uma cama.

OLHOS DO DIA [LIVRO 1]Where stories live. Discover now