31. Ancião

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Navegamos pelos céus, sem cessar, até deslumbrarmos uma grandiosa edificação, única em sua essência, evocando a imagem de um castelo. À frente, um grupo de espíritos cruzava o caminho majestoso da construção. Ao perceberem nossa presença, sussurros entrelaçavam-se no ar, e pude captar as palavras de um espírito de cabelos azuis claros e olhos turquesa:

— O que faz essa rainha aqui? E o que é aquilo seguindo-a? Que desventuras esta mulher tramou desta vez?

"Seria 'aquilo' eu?" - Contemplei, voltando o olhar para trás.

As murmurações persistiam, uma cacofonia de vozes que Yuri parecia ignorar, mas aquilo começava a perturbar a minha paciência, evocando memórias do povo de Ettore.

Num gesto decidido, agarrei a manga do vestido de Yuri, forçando-a a inclinar-se para que minhas palavras encontrassem seu ouvido.

— Yuri, pune esses espíritos pela sua falta de respeito!

Um sorriso mais uma vez desabrochou nos lábios de Yuri, e ela afagou minha cabeça, desalinhando meus cabelos.

Descemos da nimbus etérea, adentrando o castelo de enigmas. Notei com estranheza a ausência de sentinelas, porém, naquele reino de espíritos, não eram guardiães humanos que se esperava encontrar. Percorremos majestosos corredores, desaguando em uma vastidão que tocava os céus. Era uma porta imponente, carregada de detalhes dourados, inscrita com runas em uma língua inexplorada aos meus olhos curiosos.

Contemplei o mistério da porta, imaginando como poderíamos desvendar seu segredo. Então, Yuri a tocou, e uma luminescência lilás brotou de suas mãos, serpenteando pela porta, ativando os glifos inscritos. A monumental entrada começou a ceder, revelando um salão magnífico. Vislumbrei diversos tronos menores alinhados nas extremidades e cinco tronos majestosos no centro, cada qual representando um elemento: água, luz, terra, fogo e ar. No epicentro, erguendo-se acima de todos, um trono grandioso ostentava os símbolos entrelaçados de todos os elementos.

— Yuri, não deveríamos encontrar o Ancião? Este lugar parece deserto. Não deveríamos marcar audiência? — indaguei, observando a solidão que se estendia à nossa volta.

— Não está deserto! Eles estão aqui! — Yuri respondeu, apertando com firmeza minha mão.

— O que faz esta humana aqui? — uma voz masculina ressoou pelo salão, fazendo-me estremecer e buscar abrigo atrás da Rainha Yuri.

— Como a trouxeste? Humanos não têm acesso a este domínio! — ecoou agora a voz feminina, repleta de desconfiança e questionamento.

Eu os ouvia, mas suas formas permaneciam à sombra, ocultas aos meus olhos curiosos. Suas vozes dançavam no ar, entrelaçadas em agitação e desagrado.

— Isso só poderia ser obra da Yuri, não bastava viver à margem de nós, ela firma contrato com uma criança humana e a traz para o reino etéreo! Desta vez, ultrapassaste os limites! — protestou uma voz feminina, aguda e carregada de reprovação.

Yuri permanecia em silêncio absoluto, seus olhos fixos no trono supremo, como se aguardasse um acontecimento transcendental. O tempo fluía, e as vozes sussurrantes ecoavam, entrelaçando-se em um coro de murmúrios que despejava acusações sobre Yuri. Eram tantas as vozes que mal conseguia discernir meus próprios pensamentos.

— Silêncio! — bradou uma voz grave e imponente, dissidente das anteriores, ecoando como o comando de um monarca.

Percebi uma manifestação a se plasmar no trono mais elevado. Uma figura tomou forma, a de um homem com barba e cabelos grisalhos, suas vestes vestígios de brancura divina. Seus olhos, dourados, e em mãos, um cajado com uma pedra que deslumbrava em caleidoscópio de tonalidades. Não restava dúvida, era o Ancião.

Ele assentou-se no trono e, no mesmo instante, todas as outras vozes silenciaram. Num olhar, descobri que cada assento era ocupado por um espírito, cada um ostentando cabelos ou peles que resplandeciam na cor de seu respectivo elemento.

— Por que te encontras aqui desta vez, Yuri? Qual razão de nos convocares? — questionou o Ancião. 

Yuri curvou-se, e eu segui o gesto, dando início ao seu discurso. 

— Ó grande Espírito, Ancião de sabedoria infinda, reuni-vos para apresentar a tão ansiada evidência. 

Murmúrios inundaram imediatamente o recinto. 

— SILÊNCIO! — trovejou o Ancião. — Tens certeza disto, Rainha Yuri? Desta vez, a penalização será severa caso não possas provar! 

Yuri ergueu a cabeça, seus olhos encontrando os do Ancião. 

— Tenho certeza absoluta! Finalmente posso atestar que espíritos renascem em corpos humanos! A prova está diante de nós! 

E, apontando para mim, Yuri revelou a confirmação.

Incrédula, varri com os olhos cada recanto, buscando uma presença oculta, mas o vazio se estendia ao meu redor.

— Yuri, o que estás a fazer? Poderias ter-te enganado. Olha, não há ninguém aqui atrás de mim! — sussurrei, talvez almejando dissipar o equívoco de Yuri.

Ela sorriu, amabilidade desenhada em seus lábios, enquanto o fulgor luminoso já se desvanecera. Nada em mim traía vestígios espirituais. Naquele instante, eu era apenas uma humana comum, mas para Yuri, eu era singular.

— Desde o momento em que te avistei, experimentei algo semelhante ao sentimento que me envolveu ao encontrar Ethan pela primeira vez. Contudo, julguei ser fruto de minha imaginação, afinal, passaram-se milênios desde que deixei este reino. — respondeu-me ela, com doçura e serenidade.

Em meus olhos, resplandecia uma ternura profunda, pois aquela rainha irradiava uma presença calorosa e acolhedora. O sentimento que brotava lembrava-me dos abraços maternos. Embora, em circunstâncias diferentes, eu talvez derramasse lágrimas se estivesse sozinha com ela, encontrávamo-nos em um ambiente que era tudo menos amistoso, onde a maioria dos espíritos me encarava com olhares fulminantes.

As Crônicas De Elena - e o Passado Esquecido!Where stories live. Discover now