24. Recomeço

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O mais gelado dos meses invernais dissipou, embora o frio persista. Agora, a oportunidade de retornar ao campo de treinamento e avançar se revela. 

Eu seguia pelas ruas, oculta sob meu capuz, uma sombra ambulante, sem ele, a sensação de serenidade desaparecia, mesmo com menos rumores, muitos lançavam olhares desconfiados, crianças ágeis não perdiam tempo, arremessando algo em meu caminhar. 

Ao me dirigir ao campo de treinamento, uma geada intensa se desencadeou. Testemunhei o retorno de várias pessoas, murmurando, o treinamento estava suspenso pela geada.

— A presença daquela bruxa deve estar próxima. Nunca testemunhamos uma geada como esta nesta estação. – proferiu uma jovem de cabelos laranjas para suas amigas, ao passarem por mim. 

— Isso só pode ser uma maldição dela; incapaz de avançar de nível, agora tenta nos atrasar também. – disse um rapaz ao cruzar o meu caminho.

Na penumbra do inverno, meu semblante oculto sob o capuz negro, um espectro solitário entre as sombras, envolto em um silêncio de desespero. Nenhum deles percebeu quem era eu, uma fugitiva da própria narrativa, perdida em um enredo frio e indiferente.

Alívio e frustração dançavam na minha alma, como folhas ao vento de um outono desesperado. Pensava que as palavras maldosas haviam cessado, mas, na verdade, apenas não eram pronunciadas na minha frente, como segredos congelados em lábios inquietos.

Ao baixar ainda mais meu capuz, permiti que as lágrimas rompessem as barreiras da dor, transformando-as em pérolas gélidas que deslizavam por meu rosto, um testemunho silencioso da solidão que me envolvia.

Deslocada e solitária, eu vagava pelas ruas da cidade que um dia ousei chamar de lar. Não via Gian há mais de dois meses, Yumi ausente em sua jornada. A cidade perdia sua magia, e todas as vezes que tentava abraçar o campo de treinamento, ele era suspenso, como se o destino, congelado em sua própria teia, conspirasse contra minha busca por redenção.

Entre frustrações e um coração magoado, o momento de deixar aquela terra tão repleta de memórias amargas se desenhava diante de mim. Como uma folha ao vento, eu ponderava sobre o caminho a seguir. Não para Ethel, mas para um refúgio distante, onde o sussurro dos rumores não pudesse me alcançar.

Queria um lugar desconhecido, não vinculado àquele reino de olhares julgadores, onde pudesse reinventar-me, deixando para trás o peso do passado e abraçando uma nova vida. Retornei a casa e me acomodei na cama, um santuário de reflexões. Lá, permiti que as lágrimas fluíssem, testemunhas silenciosas da frustração que me consumia.

Diante do desafio de não possuir uma profissão definida, a ideia de viajar sozinha soava como uma sentença de morte. O pouco dinheiro que possuía mal garantiria uma passagem de trem para longe, sem recursos para enfrentar os perigos do caminho. Em um sono entrecortado por pensamentos angustiantes, a madrugada me envolveu.

Foi então que a memória despertou, como uma luz na escuridão. Uma pedra vermelha, presente do Capitão em Libã, ecoou em meus pensamentos. 

"A pedra de teleporte! É isso!" - uma epifania entusiasmada ecoou, delineando a possibilidade de uma nova jornada.

Em uma corrida afobada, alcancei uma cômoda repleta de relíquias resgatadas nos confins de Libã. Ao abrir a gaveta, deparo-me com a espada materna, o anel sábio de meu pai e um cordão do tio Ri. Cada peça, um elo com o passado, uma melodia de memórias que inunda meu ser. Com ternura, sustento cada objeto, acariciando suas formas, embalada pelo peso da saudade.

Aquela experiência, tão intensamente dolorosa, ecoava em cada detalhe. No fundo da gaveta, como um tesouro escondido, repousava em uma pequena caixa com a pedra de teleporte, presente generoso do Capitão. Diante de mim, aquela pequena gema brilhava como uma promessa, um bilhete para uma nova vida além das amarras do passado.

Ali, naquele instante, na suave luz do passado, percebi que essa pequena joia seria meu bilhete para um horizonte de possibilidades, onde o peso do ontem se desvaneceria na aurora de um amanhã desconhecido.

Em uma bolsa, reuni memórias da cômoda, o santuário dos meus dias findos. Na soleira do quarto, detive-me, observando aquele espaço que foi meu abrigo por um ano inteiro.

Cada canto refletia um pouco de mim, um toque pessoal que lá deixei. Lágrimas, como pérolas da saudade, traçaram trilhas em meu rosto. Ansiava que aquele refúgio pudesse ser meu eternamente, mas as voltas do destino ditaram minha partida.

Meus olhos percorreram, mais uma vez, cada detalhe do aposento. A bolsa do Palácio, resgatada após o atentado no Bosque dos Aprendizes, repousava ali. A lembrança de Alice e Rayon emergiu em minha mente, um encontro fugaz que pesava no coração.

Caí de joelhos, onde os conheci por breves horas, e um fardo se fez sentir. Diante da bolsa, repleta de cristais não vendidos naquela cidade, surgiu a esperança de um novo começo.

Pronta para deixar aquele refúgio silente, despedidas não ecoavam. Gian, único habitante da cidade, ocupado no lugar do Capitão, permanecia fora de alcance. Num aperto firme, segurei a pequena pedra vermelha, adornada com runas mágicas, e assim, iniciei minha jornada.

As Crônicas De Elena - e o Passado Esquecido!Where stories live. Discover now