3. Tudo novamente.

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De repente, um estrondo ecoou entre os destroços, rompendo o silêncio. Olhei para trás e deparei-me com um pequeno javali demoníaco que havia sobrevivido à carnificina. Exaurida de energia e vontade de viver, sorri sarcasticamente e murmurei:

– Verdadeiramente, um belo aniversário.

Fechei os olhos, preparando-me para ser atingida pelo pequeno monstro. Ele avançava com toda sua fúria, quando uma flecha atravessou seu coração, derrubando-o diante de mim.

– Busquem sobreviventes! - bradou uma voz grave e masculina.

– Não há mais! Sou a única! - sussurrei, desfalecendo.

Ao recobrar a consciência, o crepúsculo se aproximava. Desesperada, ergui-me abruptamente, na esperança de que tudo não passasse de um pesadelo. Contudo, percebi que era real, um pesadelo cruel. 

Lágrimas voltaram a rolar pelo meu rosto quando guerreiros em armaduras reluzentes, marcadas com o brasão do império, se aproximaram. Eram soldados, numerosos demais. Se ao menos tivessem chegado um pouco mais cedo... se tivessem chegado mais cedo, talvez houvesse mais sobreviventes... talvez meus pais... Caí de joelhos, chorando novamente.

– Sei que foi difícil passar por tudo isso, mas infelizmente não encontramos nenhum sobrevivente além de você. Precisamos que nos conte o que... - começou a falar um homem de cabelos vermelhos, interrompido por outro.

– Ainda é muito cedo para que ela fale, ela é apenas uma criança! - disse o homem que interveio.

Reconheci a voz: era o capitão da guarda real, aquele que falara com meu pai.

Horas se passaram, e consegui conter as lágrimas. Sentada junto a uma fogueira, o Capitão sentou-se a meu lado.

– Está com fome? - perguntou-me, oferecendo uma tigela de comida.

Balancei a cabeça negativamente.

– Qual o seu nome?

– Elena Liz Sant! - respondi em voz baixa.

– Então você era filha do Carlos!

– Você conhecia meu pai? - indaguei surpresa ao ouvir o nome dele.

– Quem não o conhecia?! Muito famoso, apesar de ser Rank A, rivalizando em pé de igualdade com equipes de Rank S. Seu pai e sua mãe eram formidáveis!

Ficamos em silêncio por alguns segundos.

– Fico imaginando como aqueles três, junto com outros aventureiros de Rank C e B, perderam para um monstro de Classe A?! - disse ele pensativo.

Permaneci em silêncio.

– Elena, sei que é difícil para você, mas pode nos explicar o que aconteceu aqui?

– Eu não sei! - respondi, chorando.

– Você não presenciou tudo?

– Quase tudo. Primeiro, uma horda de monstros de Classe C e D apareceu. Eu me escondi no refúgio que meu pai montou com minha mãe. Depois, aquela criatura apareceu, e foi quando meu pai usou a pedra de emergência.

– E depois, você continuou escondida?

– Não, minha mãe achou melhor eu ir com a Tia Lia... - as lágrimas voltaram ao lembrar da minha mãe me colocando na carroça e dando sua última despedida, e da Tia Lia sendo cortada por um goblin.

– Tudo bem, não precisa se esforçar muito. Foi um dia exaustivo.

Ele se levantou, mas ao ir embora, segurei em sua camisa, pedindo que ficasse.

– Por favor! - implorei, com medo de ficar sozinha.

Sem proferir palavra, ele sentou-se novamente e permaneceu em silêncio.

Meu corpo tremia. Emoções intensas, tristeza, raiva, angústia, solidão, inutilidade, cortavam-me como lâminas. Doía física e emocionalmente, algo mais profundo do que a dor das feridas e do cansaço. Era uma dor que clamava por gritos e pelo desaparecimento. 

– Era para eu ter morrido! - murmurei após um longo silêncio.

– Então, essas pessoas que perderam a vida lutando teriam feito tudo isso em vão. Todo aventureiro e soldado se alegra ao saber que salvou ao menos uma vida. - respondeu o Capitão, olhando para a fogueira, enquanto uma certa solidão refletia em seu olhar.

– Eu não pude fazer nada, e no final ainda atrapalhei a Tia Lia... - as lágrimas correram novamente ao recordar dos últimos gritos da Tia Lia. 

– O que aconteceu? - ele perguntou mais uma vez.

– Vocês não viram?

– O que deveríamos ter visto?

– Quando estavam vindo, não viram os corpos pelo caminho?

– Vimos, e isso também é algo que não entendemos. O que aconteceu com eles?

– Como assim o que aconteceu com eles? Os goblins, vocês não os mataram quando estavam vindo para cá?

O Capitão levantou-se abruptamente, gritando para os soldados:

– TODOS A POSTOS! SE PREPAREM PARA LUTAR!

Meu coração disparou com seu grito. Não era possível, aquele inferno ainda não havia acabado?

Num instante, todos se mobilizaram para a batalha, e eu, incapaz de compreender, questionava se aquele pesadelo não chegaria ao fim.

– Certamente era um exército? Quando chegamos, não havia rastro de monstros. Percebemos que aquelas pessoas foram atacadas por algo, mas não sabíamos por quê!

Um medo palpável tomava conta de mim.

– Como assim? Eram mais de 500 goblins. Era uma legião tão vasta que bloqueou toda a estrada enquanto nos aproximávamos da capital. Por isso tivemos que voltar, e foi assim que retornei a este lugar.

O Capitão, atônito, chamou um soldado próximo:

– Chame os magos imediatamente. Precisamos erguer uma barreira, criar barricadas com qualquer coisa disponível, preparar as flechas e ativar a magia de detecção de inimigos. Agora!

– O que está acontecendo? Vamos lutar novamente? - indaguei apreensiva.

– Elena, peço que se acalme. Não podemos retirá-la daqui agora. Uma sucessão de hordas monstruosas e, em seguida, um exército organizado só pode ser obra do Rei Demônio.

Meu corpo gelou. Eu estava perplexa. Por que o Rei Demônio atacaria uma vila tão pequena? E, especialmente, a minha? Por que aquele inferno persistia? Eu testemunharia mais mortes. As perguntas ecoavam: por quê? Por que tudo aquilo acontecia comigo? Este era o desfecho do dia que deveria ter sido meu aniversário com as pessoas que amava. Agora, estou sozinha, todos mortos, incapaz de sequer enterrá-los, e mais vidas estavam prestes a sucumbir.

As Crônicas De Elena - e o Passado Esquecido!Tempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang