Capítulo 18: O plano mirabolante

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Sábado, 8h50.

Cristiano já havia acordado há tempos, mas quis ficar um pouco mais na cama que havia escolhido para cochilar após todos os acontecimentos da noite anterior. Era importante não ficar parado no mesmo lugar nesse ramo de "atividade". Sua mente não conseguia deixar de voltar a cada detalhe, desde a execução de Luís Roberto até ser nomeado o novo chefe local em exercício. Isso o fez lembrar de algo muito importante: o que o patrão, que estava cumprindo pena em Bangu, iria falar dessa nomeação? Levantou-se e saiu do pequeno quarto feito de improviso que nem emboço tinha. Caminhou pelo longo corredor, abriu o portão e saiu para a rua Santa Bárbara, quase na esquina com a rua Magno de Carvalho. 

— Bom dia mano, tudo tranquilo? — perguntou um dos três rapazes que estavam na calçada do lado de fora do portão. 

— Parece que passei a noite toda descarregando vários caminhões de tijolos. Mas é um novo dia e tudo vai melhorar. Fé em Deus!

Cristiano apertou as mãos dos três jovens meninos do tráfico, e juntos saíram em direção a rua Magno de Carvalho. 

— Algum de vocês sabe onde está o Dilsinho? 

— Não, chefe. A última vez que "nós" teve "notícia" dele foi quando "tava" indo lá ver o enterro dos "irmãos" na mata — respondeu um dos três rapazes.

Na esquina os quatro dobraram à direita, indo em direção a parte conhecida como "Bicão". Logo chegaram ao cruzamento da rua Magno de Carvalho com a Rua Inácio Serra, onde acontecia o tradicional baile funk da Chatuba de Mesquita. E era sábado, dia de baile.

— Tudo direitinho para o baile de hoje? — perguntou Cristiano. 

— Com certeza, chefe — respondeu o mesmo rapaz de antes. 

— E com os "canas", já deram o "papo"?

Nesse momento Cristiano percebeu uma apreensão nos três. 

— Podem falar logo. Qual o problema?

Os três ficaram olhando um para o outro esperando que alguém tivesse a iniciativa de falar primeiro. 

— Não vou perguntar de novo!

Então o mesmo rapaz que havia falado antes tomou coragem para responder. 

— Mais cedo uma viatura passou e deu o "papo" deles: querem o dobro a partir de agora.

Cristiano não acreditou no que ouviu. 

— Puta que pariu! Quem esses filhos das putas pensam que são?

O baile da Chatuba havia crescido muito no último mês, e isso só foi possível graças ao "arrego" pago pelo tráfico ao batalhão local. Mas esse já era o segundo aumento no mês, e agora querem o dobro. Com certeza estavam cientes da troca de comando e queriam se aproveitar do momento. 

— O que pretende fazer, chefe? 

— Tentar negociar, claro. Mas agora achem o Dilsinho e falem para ele vim na minha direção. Estarei no Dolores.

Então os dois rapazes que só observavam a conversa saíram para procurar o braço direito de Cristiano, e o encontraram tomando água no bar de frente à Paróquia de São Francisco de Assis, à poucos metros de onde estavam. 

— Dilsinho, o Cristiano quer falar com você.

Terminando de tomar sua água, perguntou: 

— E onde ele está? 

— Lá na porta do Dolores.

Dolores era como chamavam a Escola Municipal Maria Dolores, situada na rua Magno de Carvalho 2200, onde os "meninos do tráfico" gostavam de ficar. Mas não para estudar, e sim para terem a segurança de que a polícia não chegaria atirando neles por medo de atingirem alguma criança. 

Dilsinho não demorou a chegar ao local. 

— Olha ele aí: Dilsinho, o braço direito que pensa que é coveiro — zombou Cristiano.

Dilsinho era o típico cara que não caia em "pilha" facilmente. 

— No que posso te ajudar?

O chefe local o olhou de cima para baixo. 

— Até agora me pergunto o que o senhor Lutero viu realmente em você. 

Um sorriso pôde ser visto no canto da boca de Dilsinho. 

— E o que isso importa agora? 

— Realmente, nada. Como ele disse para eu confiar em você, e te ouvir, temos um problema sério: os "canas" querem o dobro para permitirem o baile hoje. 

— Mas esse valor não aumentou poucos dias atrás? 

— Então é isso que você tem a dizer? São os vermes, meu camarada! Eles são piores que nós todos juntos.

Dilsinho sabia que isso era um grande problema, pois já estavam apertados para pagar o valor anterior, imagina agora sendo o dobro. 

— E o que você pretende fazer? 

— Esperava que você me desse a "planta" do que fazer. Afinal, não foi colocado nessa posição para isso?

As palavras de Cristiano fizeram Dilsinho ficar apreensivo, e para pensar melhor, se sentou no meio fio. Mas não importava o quanto pensasse, não conseguia ver outra saída: o baile teria que ser cancelado. 

— Avise a todos que hoje não haverá baile e mande espalharem a notícia. 

O chefe não gostou nada do que acabara de ouvir. 

— Você só pode estar de sacanagem! Agora que o baile é um sucesso você quer acabar com ele? 

— Não disse para acabar, apenas cancelar hoje e ganhar tempo para negociar com os "canas". Ou você tem uma ideia melhor? 

Cristiano estava irredutível quanto ao cancelamento. 

— Pode esquecer, o baile irá "rolar". 

— Então eu presumo que você tenha o dinheiro para pagar.

O tom de voz de Dilsinho já não era mais amigável, pois ele sabia que muitas coisas estavam em risco com essa postura de Cristiano. 

— Eu vou negociar com eles, e eles vão aceitar. Ou a bala vai passar a comer para cima deles. 

— Você está doido!? Quer mesmo comprar briga com a polícia por causa de um baile?

Nesse momento o clima esquentou, e os três jovens que assistiam a tudo se prepararam para a qualquer momento terem que apartar a briga dos dois. 

— Está decidido: o baile rola normalmente e quando eles vierem buscar o "arrego" eu "desenrolo" com eles.

Dilsinho sabia que não ia adiantar bater de frente com ele nesse momento, então seria melhor apostar com o medo dele. 

— Você não tem receio que eles façam alguma covardia com você? Sabemos como são covardes.

No início pareceu que a ideia de Dilsinho tinha dado certo, mas depois se mostrou ter sido uma péssima ideia. 

— Você tem razão, minha cabeça seria um prêmio para eles. Vou mobilizar 10 dos nossos para renderem eles, e eu vou ficar o tempo todo com o celular gravando a conversa desde o início. 

— E isso irá fazer o batalhão inteiro vir à trás da gente, seu gênio. 

— Não enquanto eu tiver a gravação. Acho que vou filmar também. 

Ouvir isso foi demais para Dilsinho, que virou as costas para ir embora. 

— Faça como quiser, você é o chefe.

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