O Encarnado

Prólogo

Do alto de um prédio no centro da cidade do Rio de Janeiro, duas figuras imponentes conversam despercebidas aos olhos humanos. 

— Não tem mais volta, Metatron. O dia do juízo final se aproxima — falou o anjo descendo dos céus e pousando ao lado do irmão angelical.

— Não, meu nobre irmão. Recentemente estive com o pai e ainda acredito que ele tem planos maiores do que a nossa compreensão nos permite entender. Apenas confie — respondeu Metatron a Iehuiah.

O prédio onde os dois anjos conversam se situa no limite do bairro da Gamboa e o centro da cidade, e é conhecido popularmente como Central do Brasil. O local abriga a estação inicial que liga vários ramais importantes da cidade e do Estado do Rio de Janeiro, pois num total de quatro ramais, três deles dirigem-se a Japeri, Belford Roxo e Saracuruna (situado no município de Duque de Caxias), todos na Baixada Fluminense, que faz parte da região metropolitana; além de estar ao lado do Palácio Duque de Caxias, que abriga o Comando Militar do Leste, e a poucos metros do famoso Campo de Santana: uma espécie de Central Park da cidade, com vegetação nativa da Mata Atlântica e localizado na Praça da República, onde em 25 de novembro de 1889 um grupo de militares do exército brasileiro, liderados pelo Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, destituiu o imperador e assumiu o poder no país. 

— Você não estaria pensando em desobedecer à ordem de voltar para casa, Metatron?

— Claro que não. Sou leal e obediente ao pai. Mas confesso que muito me angustia partir e deixar os humanos desprotegidos.

— Sinto o mesmo, meu irmão. E é por causa desse sentimento que venho até você. Na esperança de que possa-me ajudar.

Ambos são anjos protetores e fazem da sua existência a proteção da raça humana. O arcanjo Metatron é considerado um dos mais poderosos, até mais forte que o arcanjo Miguel; é um porta-voz divino e intermediário de Deus com a humanidade. Arcanjo com grande responsabilidade, foi um dos responsáveis pela sustentação da existência do mundo. Já o anjo Iehuiah é um anjo da guarda e os nascidos sob a sua influência são capazes de realizar grandes obras divinas, como perceber quem quer o mal das pessoas e ajudar para que os seus protegidos sempre recebam o bem e a felicidade.

— Dizem que o pai se cansou da desobediência dos humanos e irá castigá-los. Sinceramente, eu não acredito nisso — Iehuiah demonstrava desconforto ao dizer tais palavras.

— Eu insisto, amado irmão: o pai celestial tudo sabe e fará o que for melhor para os homens.

— Mas você mesmo acabou de dizer que se sente desconfortável em deixar os humanos desprotegidos. O que acha que irá acontecer?

— Isso não cabe a qualquer um de nós questionar. Somos seres de luz criados para servir e obedecer ao nosso pai. Ele sabe o que é melhor para todos.

— Você tem razão, Metatron. 

— Entenda, não será como uma Sodoma ou Gomorra, estamos falando de algo muito maior. Portanto, confio no julgamento do nosso pai.

— Mas se você tivesse a oportunidade de falar com ele, não pediria para reconsiderar?

— É claro que tentaria interceder pelos humanos. Afinal, estamos há séculos perto deles e os protegendo. Não tem como não criar laços com eles.

Iehuiah baixou a cabeça. Nesse momento pode observar um menino correr por entre as pessoas na Praça Cristiano Otoni. Ele vinha da Avenida Presidente Vargas na direção do Terminal Rodoviário Américo Fontenelle. 

— Isso entristece-me muito. Cada dia que passa eles se perdem mais. 

— É o preço que pagam por escolherem essa forma de viver. Provavelmente esse menino seja morador desse morro à nossa esquerda. Provavelmente, tudo que está tentando fazer é sobreviver.