Capítulo 4

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Eu estava muito ferrada. Era isso.

Kate falava que eu estava obcecada - eu acreditava fielmente nela.

Porque não era possível que fosse outra coisa.

Na verdade eu tinha até medo que fosse outra coisa.

Eu sequer tinha tempo para dormir, imagina para a dor de cabeça que eu teria se eu realmente estivesse sentindo outra coisa.

O negócio é que quinta chegou e foi embora, e mais uma vez eu estava lá toda cansada no último vagão do trem, e o carinha simplesmente colocando o braço no encosto do banco e sorrindo para mim de canto.

Daquele bendito jeitinho!

Minha mochila nem estava tão pesada, mas ele a pegou e segurou para que eu pudesse dobrar os joelhos no banco e me recostar em seu corpo, para que eu sentisse aquele cheiro incrível dele e repousasse a cabeça em seu peito confortável e quentinho.

Eu não passei nem um minuto inteiro, eu sequer consegui ver o livro que ele estava lendo naquela noite e meus olhos já estavam fechados e minha mente inconsciente.

Na sexta foi do mesmo jeito, e enquanto anunciava a minha estação ser a próxima meus olhos se abriram para encontrar as páginas do livro Vergonha da Brittainy C. Cherry. Eu reconheceria aquele livro em qualquer lugar, sem nem mesmo olhar a capa.

Mas realmente a capa era um tanto peculiar, e eu me impressionei com o carinha sequer tentando a tampar enquanto parecia extremamente concentrado lendo a cena de Grace contando os nomes de seus bebês perdidos.

Era um baita choque de realidade aquele livro, eu já havia lido três vezes, e minha língua coçou para falar sobre ele, mas mais uma vez, olhando para cima, percebendo os olhos tão concentrados nas páginas a frente, eu não quis atrapalhar.

E olha que eu sentia que ainda sabia falar naquele momento.

Claro, eu sempre sabia falar instantes antes do outro dizer:

_ Boa noite, linda.

Ele até me deu um piscadinha junto do sorrisinho dessa vez, e eu vergonhosamente me recostei na pilastra da plataforma após o trem ir embora.

Ele não falava de uma forma maliciosa e ridícula como se estivesse tentando dar em cima de mim - que eu sequer iria reclamar. Na verdade era bem carinhoso e gentil, como um apelido. Eu sabia que ele falava aquilo porque nao sabia meu nome e eu até me questionava porque ele simplesmente não perguntava, mas eu também não dizia de livre vontade.

Eu até me via querendo que ele falasse meu nome, queria muito saber como ficava a palavra "Anastasia" na voz dele, naquele tom perfeito. Mas também tinha medo que se ele o descobrisse nunca mais me chamasse de "linda". E sabe não se dá para ter tudo ao mesmo tempo, então eu iria adiar o quanto pudesse.

Quando cheguei em casa naquela sexta, Kate ainda estava acordada como sempre, me esperando para poder ir dormir, e ela sentiu a diferença primeiro que eu.

_ Esse cara deve ter algum tipo de energia que se funde a você - ela falou assim que eu entrei.

Deixei a mochila no cabideiro ao lado da porta e segui para a cozinha, estava com fome e até me sentia acordada o suficiente para fazer um sanduíche antes de ir para o quarto revisar um pouco a matéria para o teste de segunda, o que já estava acumulado para ser estudado.

_ Energia que se funde a mim? - eu repeti as palavras da outra. - Isso é esquisito.

_ Você está esquisita - ela acusou.

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