06. DECIDINDO SOBRE RAFAEL

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SARAH ENCAROU a manhã cheia de disposição. Arrumou-se com capricho, o que fez Rafael olhá-la com redobrada admiração no almoço, enchendo-a de elogios e carinho. O rapaz teve certeza de que, naquele dia, finalmente ia provar os lábios de morango que já assombravam seus sonhos. Nunca demorara tanto tempo a conseguir um beijo de uma garota, mas aquela valia a espera! Só pensou em Sarah a tarde toda, não ouviu uma palavra do que os professores disseram e tampouco enxergou Anabel, na mesma sala que ele durante os períodos finais.

Anabel viera lindíssima na segunda, magnífica na terça e, naquela quarta, estava simplesmente deslumbrante, no estilo nem me arrumei, e olhem como acordei bem hoje! A jovem precisava de muita determinação para se manter afastada de Rafael, como se ele não tivesse a menor importância em sua vida. Em brigas anteriores, a estratégia da indiferença tivera sucesso rápido. Dessa vez, era como se ela não estivesse fazendo coisa alguma, porque Rafael não enxergava a ex-namorada e muito menos sua indiferença. Anabel, aflita, lembrou a si mesma que tinham sido só três dias. Três dias! Pareciam três meses, não três dias!

— Mas o tempo corre diferente quando a gente ama — murmurou ela para si mesma, espiando discretamente Rafael, que olhava pela janela totalmente alheio à aula. Só agora descobrira o quanto amava aquele sujeito, e sentia que ele estava escapando entre seus dedos. Seria possível que ele estivesse mesmo apaixonado pela caloura?! Anabel sentia seu coração pequenininho, como se tivesse sofrido um improvável processo de miniaturização. Era um paradoxo. Os sentimentos aumentavam, o coração diminuía. E, por tentar conter mais do que era capaz, o coração se partia e se despedaçava em lágrimas.

Firme, ela escorraçou as lágrimas do pensamento. Lágrimas eram apenas para quando estava sozinha. Não ia preocupar os pais chorando ao telefone. Não ia chorar no ombro das amigas porque nenhuma era tão amiga assim. Elas a admiravam, mas há muito tempo esperavam o dia em que Anabel ia cair do salto por causa de Rafael. Afinal, ele era O Cara. E ela era a única, em todo o campus, que tinha esnobado O Cara. Bem feito se agora tinha quebrado a cara!

— Preciso repensar o conceito de amigas — sussurrou novamente, mas, dessa vez, o professor percebeu a aluna murmurando.

— Algo que deseje partilhar com a turma, senhorita Anabel?

Apanhada de surpresa, Anabel contou com sua rapidez de raciocínio:

— Sim senhor. Acredito que sua projeção de trajetória está equivocada. Os parâmetros gravitacionais não foram considerados.

— Correto. Fico satisfeito que esteja prestando atenção em minha explanação. Agora, como a senhorita incluiria esses parâmetros?

Ao final da resposta, Anabel tinha mais alguns pontos extras, e Rafael, que costumava debater entusiasticamente aquele tipo de questão, continuava absorto na janela.

Quando o sinal de final de período tocou, Anabel foi a primeira a sair. Fazia parte da estratégia de não parecer interessada. Espantou-se ao encontrar Sarah no corredor, obviamente esperando Rafael. A caloura-desafio nunca tinha vindo procurá-lo! E agora estava ali, toda sorridente!

Com aquele olhar rápido que só o sexo feminino tem, Anabel avaliou a concorrente: botas pretas de cano alto, sem salto; as calças jeans sempre justas, mostrando que a caloura tinha pernas esculturais; um blusão soltinho, bem adequado ao dia frio, de um azul claro e alegre que combinava perfeitamente seus olhos azuis; maquiagem leve; brincos de prata; cabelos louros soltos, uma boina da mesma cor do blusão. Ou seja, a tampinha estava linda!

Anabel acelerou o passo. Não queria ver o encontro dela com Rafa. As amigas estavam esperando para um lanche no campus, e então falaria com desdém sobre a caloura que agora corria atrás de Rafa como todas as outras.

Olho do FeiticeiroOnde as histórias ganham vida. Descobre agora