CAPÍTULO 12

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Gabriel


Espero ele falar que é brincadeira, que comece a ri e diga que tudo foi uma pegadinha, mas ele não o faz. Joshua apenas continua me encarando, esperando que eu fale algo.

As batidas do meu coração estão pulsando forte nos meus ouvidos, como se quisesse pular para fora. A pressão no meu peito está quase me sufocando e começo a ver a imagem do garoto na minha frente ficar deformada.

— O quê? — pergunto, respirando fundo logo em seguida.

— Eu sinto muito. — pede. — Eu sei que você precisava dela pra entrar, mas...

Me ergo, fazendo a cadeira cair para trás e calando ele no mesmo instante. Começo a andar de um lado para o outro, encarando o chão e jogando a arma de uma mão para a outra, como se fosse um brinquedo inofensivo.

— O que você fez com ela? — pergunto, parando de costas para ele, o impedindo que veja as lágrimas nos meus olhos.

— Ela estava na praia com aquele playboy e estava dentro da água...

— Você a afogou? — minha voz sai mais alta do que eu pretendia.

— Ninguém viu. — garante, com os olhos arregalados, como se minha explosão fosse por isso. — Eu pedi ajuda a um amigo que armou uma distração.

— Acha que é por essa porra que eu estou preocupado? — grito, apontando a arma para ele.

— Foi mal, cara. — o vejo tremer. — Tenho certeza de que vão te dar outra missão.

Começo a rir.

— Você não faz ideia do que fez, não é? — pergunto, e sinto o gosto salgado das lágrimas na minha boca.

— Eu sei que fiz merda, mas porque você está...

— Ela era minha melhor amiga. — sussurro, fazendo os olhos dele se arregalarem. — E eu a amava. Acha que eu quero outra merda de missão? Acha que estou tão desesperado pra entrar nessa porra toda?

— Eu... eu não... — gagueja, se encolhendo contra a cadeira e só agora percebo que estou caminhando até ele, devagar, balançando a arma despreocupadamente.

— Você tirou uma das únicas coisas que era importante pra mim apenas pra querer que alguém te mate? — uso o cano da arma para coçar um lado da cabeça. — Por que essa enrolação toda? Por acaso, você não tinha coragem suficiente pra se matar e por isso quis levar outra pessoa inocente com você?

— Eu sinto muito. — sussurra, balançando a cabeça. — Eu não fazia ideia.

— Esse é o problema. — sussurro, me inclinando para ficar na altura dos olhos dele. — Mesmo que você soubesse, iria continuar com essa merda, não é?

Ele não responde, apenas fica em silêncio encarando um ponto qualquer da sala.

Engulo em seco, me erguendo novamente e limpando meu rosto quando ouço os portões da frente do galpão se abrirem.

— Pela demora pensei que o garoto que tinha te matado, Gabriel. — fala Thomas, se aproximando.

— Estávamos apenas conversando. — sorrio, apontando com a arma para Joshua e eu. — Empresta um cigarro.

Thomas continua a encarar Joshua preso mesmo quando tira a carteira de dentro do bolso com o isqueiro.

— Por que não o matou ainda? — pergunta, enquanto ascendo o cigarro.

— Ele só me disse o que fez agora. — respondo.

— E você fez um bom trabalho. — ele se curva para frente, observando o sangue e o inchaço no rosto do garoto. — Caramba, olha o tamanho que ficou esse aqui.

— O que você vai fazer comigo, coroa? — pergunta Joshua. — Porque ele não vai atirar.

Thomas olha para mim, enquanto tento não prestar atenção fingindo estar ocupado tragando o cigarro. Então ele caminha até mim, ficando na minha frente e pega a arma da minha mão.

— Sabe que uma hora ou outra vai ter que matar alguém. — diz.

Antes que eu tenha chance de responder, ele ergue a mão e mira a arma no peito do garoto na cadeira. Joshua cai para trás com um eco seco, enquanto o som do tiro dura por muito mais tempo dentro do galpão.

Suspiro, tentando me manter impassível até mesmo quando o sangue dele se mistura com os outros milhares já impregnados no concreto abaixo de si.

— Eu sei. — digo, soltando a fumaça do cigarro ao olhar para Thomas.

— Vamos logo, perdemos tempo demais com esse idiota. — ele começa a caminhar.

Olho mais uma vez para o corpo na cadeira, sentindo um misto de sentimentos se alastrar dentro de mim.

Apesar de nunca ter visto uma morte ocorrer tão perto assim de mim, meu coração está batendo normalmente, sem remorso, mas isso não impede que meus pensamentos joguem na minha cara o fato de que ele era apenas um menino que seguiu um caminho obscuro cedo demais.

Entro no carro com Thomas, percebendo que dois dos capangas já estão ocupando os lugares da frente.

— Não se preocupe com ele. — fala Thomas, chamando a minha atenção. — Um dos meus caras vai se livrar das provas.

— E o corpo? — pergunto.

— Vamos deixar onde está. — responde, abaixando o vidro do carro para poder fumar. — Não é mais problema nosso.

Jogo o resto do cigarro fora, sentindo a bile subir pela minha garganta.

Emily.

Caralho, vou precisar beber muito para conseguir esquecer ela e apagar de novo cima do balcão de bebidas em meio ao meu vômito.

Fecho as mãos com raiva, encostando minha boca nas dobras dos dedos e pressionando as feridas com força, esquecendo por um momento da dor mais profunda dentro de mim.

— Enfim. — fala Thomas, depois de tragar uma vez. — Não tem com o que se preocupar sobre a sua missão pra poder entrar. — ele prende o cigarro no dente e mexe nos bolsos da calça, tirando o celular. — Vou te enviar a localização do hospital para você poder acabar com isso.

— O quê? — me viro na direção dele.

— Eu não contei a Joshua, mas — ele traga novamente, soltando a fumaça lentamente, fazendo meu coração, que pensei que estivesse finalmente congelado pela perda, bater descontroladamente. — a garota não morreu.

— Como pode ter tanta certeza? — pergunto, apesar de estar segurando a vontade de sorrir ao ouvir ele dizer isso.

— O que aconteceu na praia já está no jornal. — responde. — Aquele playboyzinho, o que Jane nos contou, foi quem conseguiu salvar ela.

Respiro fundo, olhando pela paisagem através da janela.

Reprimo a vontade de comemorar ou de roubar esse carro para ir até esse maldito hospital, mesmo sabendo que Erick vai estar lá.

Sim, eu o odeio e agora odeio ainda mais por saber que deixou algo assim acontecer com Emily, mesmo no meio de uma multidão em um lugar público, mas, pelo menos, o idiota conseguiu fazer algo que recompensasse isso.

Não consigo deixar de sentir uma parte minha ficar para trás, ainda dentro daquele galpão, quando lembro de tudo que Joshua me disse. Ele morreu pensando que conseguiu tirar a vida de outra pessoa, pensando que isso finalmente o libertaria. Eu tenho certeza de que não iria conseguir atirar nele, mas por um momento, antes de me contar o que fez, pensei que havia me tornado um deles. Só espero que agora ele consiga ter a tranquilidade que tanto queria.

— Vamos parar perto do hospital pra você sair. — fala Thomas, depois de alguns minutos de viagem em silêncio. — Quando terminar, apenas volte pra casa que eu mando alguém pra te ajudar a relaxar.

Ele me lança um sorriso cafajeste, como se outra mulher conseguisse me satisfazer além de Emily.

Não posso fazer nada quando entrar naquele hospital e mesmo se pudesse daria um jeito de escondê-la. Posso tentar arranjar dinheiro e levar ela e meus irmãos para longe daqui, se eu der sorte talvez possamos até sair do país.

Conforme os minutos agonizantes e lentos passam, começamos a entrar cada vez mais na bagunça da cidade. Não lembro quando foi a última vez em que estive aqui, mas sempre soube que um lugar assim nunca seria o meu lar. Há pessoas engomadinhas demais, com vidas monótonas demais, mas isso aqui é como um paraíso para conseguir algumas carteiras de gente distraída.

Sinto o carro parar lentamente ao lado do hospital alguns minutos depois, perto do estacionamento, e respiro fundo ao perceber que não que planejei nada ainda.

— Boa sorte, garoto. — fala Thomas, quando começo a sair do carro.

Aceno com a cabeça rapidamente na direção dele, percebendo meu ódio crescer por esse homem e a certeza de que seria ótimo ele ser o primeiro a quem eu teria que matar.

O sol já está se pondo quando entro no estacionamento e começo a caminhar em meio aos carros. A temperatura que antes estava abafado e quente está caindo cada vez mais, e isso me faz pensar que eu deveria ter trazido um casaco.

Não faço ideia do que fazer em seguida e fica ainda pior quando vejo Erick parado na entrada do hospital, apoiado no pilar, segurando um cigarro acesso entre os dedos. Está usando uma blusa regata e uma bermuda azul e isso quase o faz parecer um adolescente normal. Ele está encarando algo no chão, parecendo muito focado, e nem mesmo quando me aproximo ergue a cabeça.

— Sem fotos. — resmunga, com o mesmo tom irritado de quando nos encontramos na primeira vez.

— Por que eu iria querer ter a sua cara feia no meu celular?

Ele ergue os olhos rapidamente e quase posso ver o misto de sentimentos neles: raiva, surpresa, confusão, ódio. Mas principalmente, ódio.

— O que está fazendo aqui? — pergunta, se mantendo em pé e tragando o cigarro, como se isso fosse lhe dar paciência.

— Não sabia que fumava. — digo, colocando as mãos nos bolsos da bermuda. — Um jovem tão importante como você não deveria se manter saudável?

Ele revira os olhos, passando a mão pelo cabelo.

— Só fumo quando me estresso demais, o que você quer? — fala, apressado, esperando que se agir assim vai me fazer ir embora mais rápido.

— Vim ver a Em. — respondo.

— Você não vai entrar. — fala, e o tom na sua voz faz parecer uma ordem. — Eu sei o que você precisa fazer e o que a Emily tem a ver com isso, por isso não vou deixar você chegar perto dela, entendeu?

— O que você acha que sabe?

— Que tem pessoas procurando ela e que você tem que levá-la de volta. — responde, me pegando de surpresa. Ele sorri ao perceber. — É isso, não é?

Viro meu rosto, respirando fundo.

— Eu não vou machucar ela.

— A merda toda que aconteceu foi por causa do lugar onde vocês cresceram. Ela quase morreu por causa de toda essa merda. — o tom de voz dele chama a atenção de uma mulher que está saindo do hospital. Erick se apoia de novo no pilar, sem desviar a atenção de mim. — A última coisa de que ela precisa agora é ter você aqui e se preocupar se você está sendo seguido de novo.

— Como você sabe que eu estava sendo seguido?

— Eu ouvi vocês. — responde, naturalmente. — De propósito, é claro. Não confio em você.

— Bom saber, assim não me sinto culpado por te odiar sem motivo.

Ele produz um som de estalo com a boca e joga o cigarro no chão, pisando nele para apagar o resquício das chamas.

— Como aconteceu? — pergunto, caminhando e me apoiando no outro lado do pilar.

— O quê?

— Como ela se machucou?

Erick suspira.

— Estávamos tomando um banho de mar depois de jogarmos vôlei com um pessoal e eu saí, deixando ela sozinha. — ele abaixa a cabeça, observando o resto do cigarro. — Eu acabei me distraindo com uma garota e me afastei.

— Por que? — pergunto, observando a movimentação na avenida.

— Porque eu fui um idiota.

— E qual é a novidade nisso? — sussurro, vendo ele perder ainda mais a paciência.

— Enfim. — diz, me lançando um olhar que diz por si que vai adorar arrancar minha cabeça caso eu não cale a boca. — Mesmo enquanto estava caminhando de volta até o carro com a garota, vi um homem estranho se aproximar dela na água. Eu até parei pra ver no que isso daria, e algo me dizia que não seria bom, mas tudo virou um caos quando alguém disparou uma arma. Eu perdi ela de vista quando todas aquelas pessoas começaram a correr e a fugir, e foi só quando todos já haviam saído da praia que a vi na água.

Ele sussurra as últimas palavras, encarando o chão enquanto se lembra do que aconteceu.

Sinto meu corpo todo se arrepiar ao ouvir ele contar, sabendo que eu teria entrado em pânico se tivesse visto tal cena, ou qualquer outra que Emily estivesse em perigo.

— Eu tentei reanimar ela e fazer respiração boca a boca, mas achei mesmo que tinha perdido ela. — ele ergue a cabeça, os últimos raios do por do sol iluminando o rosto branco e cansado. — Ela estava morta, sabia? Eu não senti nenhuma pulsação quando a tirei da água e nem mesmo quando a deitei na areia. — ele morde os lábios com força. — Foram os piores minutos da minha vida.

Me remexo, inquieto, percebendo que, mesmo o odiando, preciso agradecer por ele ter salvado ela. Se fosse eu naquele momento, não saberia o que fazer direito.

— Obrigado por salvá-la. — digo, mesmo odiando ouvir o tom da voz dele só em mencionar o nome de Emily ou falar dela. — Ela é uma das pessoas mais importante pra mim e eu não sei o que faria se a perdesse.

Erick me encara.

— Eu sei como se sente. — responde.

Nós dois observamos o sol se esconder e a noite chegar, trazendo o vento frio e a temperatura baixa.

— Como ela está agora? — pergunto.

— Melhor, eu acho. — ele torce o nariz, fazendo uma careta.

— E por que não está lá dentro?

— Minha mãe me expulsou. — ele ri, sem emoção. — Ela disse que eu estava atrapalhando os médicos com o meu nervosismo.

Balanço a cabeça levemente, perdido rapidamente nos meus pensamentos.

— Preciso te contar algo. — falo, fazendo ele franzir o cenho confuso. — Eu estou planejando fugir com a Emily.

Erick continua me encarando, com a boca meio aberta e os olhos focados em mim. Então ele começa a rir, uma risada de verdade e irônica, até se curva para frente colocando a mão na barriga.

— E como você pretende fazer isso, garotão? — pergunta, me fazendo suspirar fundo. — Vai precisar roubar quantas carteiras até conseguir juntar o dinheiro que precisa?

— Como você...

— Eu vi quando você roubou a carteira do meu segurança. — fala, me pegando de surpresa. — Você e seus amigos quase conseguiram roubar a minha também. Uma pena que vocês não sabiam que eu carregava uma falsa, já que sei o que acontece em bairros assim.

— E mesmo assim você não disse nada?

— Por que eu diria? — ele dá de ombros. — Só recompensei Michael pelo dinheiro perdido e os documentos, mas fora isso não vi problema nenhum no que fizeram. — acho que Erick percebe a minha expressão confusa, e logo continua a explicar. — Pessoas precisam sobreviver, principalmente em um lar como o seu e o de Emily, e a maneira como elas resolvem fazer isso não pode ser julgada por mais ninguém que não esteja passando pela mesma coisa. Meu pai tentava sobreviver roubando pessoas que ele conhecia, mesmo já sendo rico, e não sentia remorso nenhum ao fazer isso.

Desvio o olhar, abaixando a cabeça.

— Sinto muito pelo o que eu disse aquele dia no estacionamento. — falo. — Sobre ele bater em você e na sua irmã, mas eu precisava de um jeito de fazer a sua raiva parecer legítima pra quem estava me seguindo.

— Eu sei. — ele passa a mão pelo cabelo. — E não vou pedir desculpas por ter te batido. Você entende, não é?

Ele ri e sorrio.

— É, claro, eu mereço. — sussurro.

Cruzo meus braços, sentindo o frio acertar meu corpo em cheio.

— Mas eu falei sério quando disse que vou levar Emily comigo. — relembro, fazendo ele se remexer desconfortável. — Vou levar meus irmãos junto pra longe daquele bairro nojento.

— E o que seus pais acham sobre isso? — pergunta.

— Minha mãe com certeza não vai se importar. — suspiro. — Ela até vai adorar a ideia.

— E o seu pai?

— Eu pergunto o que ele acha caso um dia decida voltar pra casa.

— Sinto muito. — ele sussurra.

— Tudo bem, é melhor assim. — apoio minha cabeça no pilar. — Eu sei que você acha que não vou conseguir fazer nada por ela porque não tenho dinheiro, mas não me importo se eu tiver que lutar pra conseguir dar tudo que ela merece, exatamente como você está fazendo.

— Eu não me importo com esse seu plano, Gabriel. — esclarece Erick. — E sabe por quê? Porque eu sei que ela não vai aceitar isso.

— E o que te faz ter tanta certeza? — me mantenho em pé, sentindo a raiva me subir a cabeça conforme o ouço falar.

— Emily não vai abandonar a vida dela assim tão fácil, além do fato de que ela não parece ser o tipo de garota que simplesmente foge deixando um problema desses pra trás. — ele dá um passo à frente, e percebo que somos da mesma altura. — A única coisa que eu posso fazer pra ajudar, que não envolva te bater novamente, é manter você e os seus irmãos em segurança.

— E por que você faria isso? Duvido que seja pela bondade do seu coração.

— Vou fazer isso pra que Emily consiga dormir tranquila à noite, apenas isso. — ele desvia o olhar. — Ela se preocupa com você e eu disse que iria te levar pra morar conosco.

— Vou aceitar se você não tiver que conviver comigo no mesmo ambiente.

— Garoto, eu só aceitei isso porque Emily me contou sobre as pessoas que estão atrás dela e eu quero protegê-la. Não ligo se você vai aceitar, mas ainda posso proteger seus irmãos se quiser.

O encaro por mais alguns segundos, até que ele se apoia no pilar novamente e faço o mesmo.

— Se você tentar botar o seu plano ridículo em prática, eu vou te impedir. — resmunga, passando a mão pelo cabelo, parecendo estressado.

— Você pode mesmo proteger meus irmãos? — pergunto, pensando no que ele acabou de dizer e tentando ignorar a vontade de bater nele.

— Posso. — Erick me olha por um momento. — Eles vão estar encrencados também se você não levar a Emily de volta, não é?

Respiro fundo, sem conseguir responder.

Apesar de não conviver em um ambiente como o nosso, ele parece saber muito bem como funciona.

Se eu falhar em completar a merda do rito de iniciação, muito provavelmente eles farão a minha família pagar pelo meu erro e só depois irão me matar.

— Eu quero eles bem longe daqui. — sussurro. — Quero dar uma vida decente a eles sem essa merda toda.

— Posso arrumar alguém que cuide deles. Eu tenho algumas casas que construí pra me manter seguro caso algo acontecesse. — fala, parecendo entender pelo menos esse meu lado. — Mas e você? Vai querer ir com eles ou morar com a gente?

Abaixo a cabeça e fecho os olhos, percebendo que não há nada que possa fazer que seja minimamente decente perto das coisas que Erick consegue fazer com o dinheiro dele.

— Preciso pensar. — respondo. — E se eu chegar a aceitar, preciso dar um jeito de enrolar aqueles caras. A grande merda é que já sabem que você está metido nisso também.

— Eu sei. — fala, calmamente. — Mas nada que alguns seguranças não possam resolver.

— Eu tenho que voltar. — falo, olhando para a lua já alta no céu. — Vou inventar alguma mentira de que não consegui terminar o trabalho de novo.

Erick me espia, parecendo pensar em algo.

— Posso te fazer uma pergunta? — questiona.

Tiro algumas mechas do meu cabelo da frente dos olhos.

— O que foi?

— Desde quando você é apaixonado por ela? — agora ele parece interessado em me ouvir.

— Não sei. — penso e sorrio logo em seguida, cruzando os braços. — Talvez desde que a conheci quando era criança. — Erick continua me encarando, esperando que eu continue. — Eu estava sozinho e não tinha ninguém pra brincar comigo. Minha mãe era superprotetora na época e não queria que eu me envolvesse com ninguém, nem mesmo outras crianças. Mas um dia, vi a Emily sentada na calçada sozinha, olhando pro céu. Lembro de chegar perto dela e perguntar o que estava olhando, e ela me respondeu que estava esperando alguém voltar. — observo quando Erick engole em seco. — Sentei ao lado dela e disse que esperaria essa pessoa com ela, porque era perigoso que ficasse sozinha. Esperamos por horas, até que ela começou a chorar. No dia seguinte, ela estava lá na calçada, esperando, e eu fiquei ao lado dela de novo em silêncio. Depois de alguns meses na mesma rotina, um dia a encontrei rabiscando algo em um monte de areia. Ela sorriu quando me viu e disse "oi" e foi quando ouvi a voz dela pela primeira vez depois de muito tempo. Eu tenho quase certeza de que foi ali que me apaixonei.

Quase me sinto envergonhado ao contar isso a ele, mesmo sabendo que qualquer coisa que eu diga sobre Emily o irá irritar, mas agora ele parece perdido em seus próprios pensamentos, quase melancólico.

— Ela disse quem estava esperando? — pergunta, com uma voz baixa.

— Eu não perguntei. — respondo, o fazendo olhar para mim. — Por que?

Ele balança a cabeça levemente, como se me dispensasse a resposta.

— Mas e você? — pergunto. — Desde quando é apaixonado por ela?

Ele bufa, como se fosse uma pergunta idiota, enquanto faz uma careta e sorri nervoso em seguida.

— Eu só me importo com ela porque é minha secretária.

— Então você está apaixonado pela sua secretária. — ele não responde, e a agonia cresce no meu peito. — Desde quando?

Ele olha para mim de canto, depois para a avenida movimentada na nossa frente e abaixa a cabeça, parecendo se render a minha pergunta.

— Erick! — ouço a voz de uma mulher se aproximar.

Uma senhora por volta dos 50 anos sai do hospital, vestindo um maiô e um tecido fino amarrado ao redor da cintura. Ela tem cabelos longos e pretos e olhos de um verde intenso. A semelhança nos traços do rosto dela e de Erick são inegáveis.

Ela olha entre mim e Erick, pensando provavelmente o que um jovem distinto como eu poderia estar fazendo na presença do filho dela.

— Aconteceu algo, mãe? — pergunta Erick rapidamente, caminhando até ficar de frente para a mulher.

— Emily acordou.

A notícia faz meu corpo relaxar imediatamente e um suspiro baixo e longo escapa dos meus lábios.

Vejo Erick sorrir, mas logo em seguida parece se lembrar de que ainda estou aqui e se vira na minha direção.

— Eu já subo. — avisa ele à mulher.

A senhora balança a cabeça e se vira para mim.

— Posso perguntar quem é você? — diz, se aproximando cautelosamente, como se eu fosse um animal perigoso que fosse atacá-la.

— Eu sou amigo da Emily. — respondo, estendendo uma das mãos a ela. — Sou Gabriel.

Vejo os olhos dela se arregalarem e ela retribui meu aperto de uma forma robótica, enquanto me escaneia de cima a baixo.

— Você é bonito mesmo, que nem ela me contou. — sussurra, me fazendo ficar confuso.

— Mãe! — chama Erick, e isso parece tirar ela do seu transe.

— Ah, me desculpe. — ela sorri, e usa suas mãos para cobrir a minha que ainda está segurando. — Você não quer subir pra ver ela? Imagino que tenha visto no noticiário o que aconteceu.

— É, eu vi. — minto. — Estava preocupado de que algo ruim tivesse acontecido.

— Ela está melhor agora, não tem mais com o que se preocupar. — ela sorri e começa a me puxar. — Vem, vamos ver ela.

Recebo um olhar de ódio de Erick quando percebe que sua mãe continua segurando minha mão.

— Eu sinto muito, senhorita...? — paro no lobby de entrada, me distanciando dela.

— Eva, Eva Prior. — responde sorrindo.

— Sinto muito, Sra. Prior, mas eu não posso subir. — respondo, e vejo a expressão no rosto dela murchar.

— Por que?

— Não é um bom momento agora. — respondo, sentindo raiva de mim, mesmo sabendo que não daria certo eu ver Emily. — Mas pretendo vê-la em breve.

Isso chama a atenção de Erick e ele se aproxima, ficando ao lado de Eva.

— Deixe ele ir, mãe. — fala, ainda me encarando. — Quem sabe outro dia os dois não se encontram de novo.

— É, quem sabe. — concorda, decepcionada. — Foi um prazer te conhecer, Gabriel.

— Igualmente, Eva. — respondo, arrancando mais um sorriso do rosto dela.

— Vamos ver a Emily. — fala Erick, tentando chamar a atenção da mãe de novo, e depois se vira para mim. — A gente se vê por aí.

Aceno com a cabeça na direção dele e recebo um aceno de Eva antes de entrarem no hospital. Quando os vejo sumir lá dentro, fecho meus olhos e suspiro, deixando um sorriso se alastrar pelo meu rosto.

Ela está bem, penso comigo mesmo, fazendo meu coração se acalmar.

Pelo menos uma notícia boa em um dia de merda.

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