CAPÍTULO 4

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O resto do caminho até chegarmos na empresa do Sr. Prior é percorrida em silêncio, somente há uma música suave ao fundo tocando no carro.

Quando paramos na frente da empresa, observo ela através do vidro do teto solar. O prédio é realmente alto, talvez 30 ou 40 andares. Na frente dele, há pessoas paradas conversando ou entrando no prédio. Todas elas estão muito bem vestidas, os homens de ternos e as mulheres de calça boca de sino e blazer.

É nesse nível que terei que começar a me vestir. Preciso parecer decente e capaz na frente de todas essas pessoas.

Erick abre a porta do carro para sair, mas para por um momento e olha para mim.

— Vamos nos encontrar no fim da tarde. — avisa, e balanço a cabeça.

Depois ele sai e vejo quando as pessoas, paradas na frente dos prédios, se aproximam dele para cumprimentá-lo sorrindo. Erick retribui com um pequeno sorriso também e conversa um pouco com eles, para depois entrar no prédio.

Michael dá a partida no carro e começamos a nos deslocar.

Ficar sozinha com ele é ainda mais assustador do que pensei. Tenho quase certeza de que ele não vai fazer nada, a não ser o que lhe foi mandado, mas aquela dúvida me corrói o caminho inteiro até o nosso destino. Ele não diz muita coisa até lá, apenas firma suas mãos no volante e foca seus olhos na estrada e no trânsito, e também não ouso puxar assunto.

Mas queria poder saber sobre Gabriel, se ele está mesmo bem depois que Michael correu atrás dele. Assim como quero saber agora se ele está bem depois de ver que fui embora.

— O Sr. Prior me mandou te dar isso. — fala Michael, me assustando, ao tirar um celular de dentro do porta-luvas do carro. Ele liga o aparelho e me entrega. — O número dele já está aí, caso haja alguma emergência. Ele também disse que pode servir de distração enquanto você estiver no salão, o Sr. Prior disse que acha que você vai morrer de tédio se ficar lá. — Michael sorri. — Acho que ele está certo.

Salão? Salão de quê?

Observo enquanto o celular liga, um aparelho fino e de tela grande, do tamanho da minha mão. Ele parece tão frágil que tenho medo de acabar segurando de um jeito errado e quebrá-lo. Na tela, uma foto de um cachorro deitado na grama com uma borboleta pousando em seu nariz surge com um monte de aplicativos espalhados. Enquanto descubro as funções, e também que deslizar o dedo para o lado faz aparecer outros aplicativos, um número de um contato aparece em uma chamada para mim.

— É o Sr. Prior. — fala Michael ao perceber que estou encarando a tela sem saber o que fazer. — É só deslizar pra esquerda para atender.

Faço o que ele diz, puxando o botão verde para a esquerda, e aproximo o celular do ouvido logo em seguida.

— Alô? — pergunto, relutante.

— Pelo menos você conseguiu atender. — fala a voz do Sr. Prior do outro lado. — Michael te ensinou?

— Sim.

— Ótimo, ele vai te mostrar mais algumas coisas que você vai precisar saber pra mexer nele. Você nunca teve um celular, não é?

— Não.

— Esse é por cortesia da empresa. Não tem que me pagar por ele que nem as roupas, ok?

— Ok. — sussurro, sentindo meu rosto esquentar de novo.

— Sempre que eu te ligar, atenda, porque vai ser urgente, entendido?

— Sim, senhor.

— É só isso. — fala, e logo em seguida a ligação é encerrada.

Nem tive tempo de agradecer pelo aparelho novo.

Seguro o celular no colo com carinho, olhando para o contato do meu chefe.

— Ele só é fechado quando você o conhece no começo. — fala Michael, e o encaro meio surpresa, pois minha expressão deve ter sido óbvia demais. — Depois de um tempo, o comportamento dele melhora.

Dou um pequeno sorriso.

— Você trabalha há muito tempo pra ele? — pergunto.

— Por quase cinco anos. — responde, parecendo orgulhoso. — É o emprego dos sonhos de qualquer um, pensando bem. Só dirigir e se livrar de algumas bagagens. — o vejo sorrir pelo retrovisor.

E uma dessas bagagens foi o meu padrasto.

— Se livrar de pessoas é o emprego dos sonhos? — pergunto baixo, esperando que ele não confunda meu tom com deboche.

Michael sorri ainda mais.

— Depois de viver alguns anos na rua, é a coisa mais normal que eu fiz nos meus últimos anos de trabalho.

— Você viveu na rua? — pergunto, surpresa.

— Um dia o Sr. Prior foi dar uma volta pelo meu bairro em busca de alguns imóveis bons e eu tentei roubar dele. Ao invés de me bater ou me mandar pra cadeia, ele me contratou.

— Sério?

— Sim, até eu fiquei chocado na época. Sempre pensei que havia me contrato porque fui audacioso ao tentar roubar dele. Mas no fim, fui perceber que ele fez o que fez, porque eu tinha batido no motorista e segurança dele na época. — Michael ri, parecendo se relembrar do ocorrido.

— Ele parece ser um homem bom. — digo, baixinho.

— O Sr. Prior é. O pai dele não foi tão bom assim, mas o filho é quem fez o nome da empresa decolar. — o ouço quando ele resmunga ainda mais baixo. — Ainda bem que aquele velho morreu.

Desvio o olhar, sem saber direito o que falar.

Passamos mais alguns minutos em silêncio, até Michael se lembrar de que foi instruído a me ensinar a mexer no celular. Ele fala algumas coisas básicas sobre as funções e aplicativos, enquanto tento entender sozinha ainda mexendo no aparelho. Depois de mais alguns minutos ouvindo ele me explicar tudo de novo, porque eu realmente não estava entendendo nada, começo a compreender as coisas mais básicas, como a câmera, aplicativo de conversa e como fazer uma chamada, caso precise.

— E também tem o site de pesquisas e de vídeo, que o Sr. Prior disse pra eu te explicar melhor, já que você vai usá-los com mais frequência.

— De vídeos? Que tipos de vídeos? — pergunto.

— De qualquer coisa. — ele me olha pelo retrovisor. — Literalmente qualquer coisa.

Não entendo o que ele diz, mas entro no aplicativo. No início dele, aparecem sugestões de filmes, séries e desenhos que talvez eu possa gostar. Clico na playlist de desenhos e observo a quantidade enorme que aparece.

— Legal. — sussurro, sorrindo.

Nunca mais consegui ver desenhos depois que a senhora que cuidava de mim e das crianças do bairro morreu. Ela nos chamava todos os dias às 14:00 da tarde e nos juntava para tomarmos café. Muitas casas não tinham TV e apesar de haver uma na minha, Philip não era sensível ao me deixar assistir. Os únicos momentos em que tirei proveito, era quando ele assistia ao jornal e aos noticiários. Sempre consegui anotar meus números e dados porque era a primeira matéria que passava no jornal e Philip sempre tinha que esperar passar por ela para conseguir assistir o resto. Agora, saber que posso assistir ao que quiser, me dá vontade de voltar correndo até aquela época e poder dar um celular a cada criança naquela sala.

Essa lembrança faz meu coração se apertar de dor e me controlo para não chorar.

— Michael — chamo, tentando me distrair. —, o que é esse salão?

Ele me olha, confuso.

— Você vai ver. — responde, depois de alguns segundos.

Michael olha mais algumas vezes ao redor e no retrovisor, para em seguida entrar em um estacionamento grande. A maioria das vagas está ocupada e, uma parte ainda maior dela, por carros caros. Isso só me faz pensar que para viver na cidade grande, você precisar ter muito dinheiro e, realmente, ser alguém importante.

Depois que Michael estaciona ao lado de uma caminhonete, ele e eu saímos do carro.

— Onde estamos? — pergunto, vendo o grande estabelecimento a minha frente.

O lugar é enorme, com um grande jardim bem cuidado e um estacionamento amplo. As paredes são pintadas de branca com detalhes em dourado, assim como o slogan: Dream Spa.

— Spa? — sussurro, e sigo Michael quando ele começa a caminhar até a porta da frente.

Ele empurra a porta de vidro e a segura para que eu entre, vindo logo em seguida.

Por dentro do lugar, o ambiente é calmo, tranquilizante e muito silencioso. Um balcão de mármore está bem à nossa frente e algumas poltronas espalhadas ao nosso redor, assim como uma dúzia de vasos de flor.

A moça atrás do balcão sorri na nossa direção, ela é jovem e muito bonita, está usando um jaleco branco, o cabelo está amarrado em um rabo de cavalo e a maquiagem é leve, quase imperceptível.

— Olá, sejam bem-vindos ao Dream Spa. — cumprimenta ela com um sorriso simpático. — Vocês têm hora marcada?

— Está em nome de Erick Prior. — responde Michael, fazendo a mulher sorrir ainda mais.

— Ah, sim, o Sr. Prior. — vejo quando ela fica vermelha, mas logo em seguida esconde o rosto ao se abaixar um pouco para ver a tela do computador. A mulher mexe nele por alguns segundos e depois olha para mim. — É só a senhorita?

— Sim. — responde Michael, novamente.

— O pacote que o Sr. Prior pagou incluem massagens com óleos, banhos medicinais, sauna, drenagem linfática, hidratação de pés e mãos, limpeza de pele, banho de lua, peeling, cuidados para o rosto e massagem esfoliante facial e corporal. Gostaria de acrescentar algo mais?

Michael e eu nos entreolhamos, sem entendermos, enquanto ele coloca as mãos dentro do bolso da calça, remexo o celular distraidamente nas mãos.

Não conheço metade do que ela acabou de falar e, pela cara dele, duvido que também saiba.

— É só isso. — confirma ele.

— Muito bem. — fala ela, mexendo em mais algumas coisas no computador para depois olhar para Michael. — Sinto muito, mas o senhor não vai poder entrar com ela.

— Está tudo bem, eu espero. — fala, tirando um celular do bolso. — Vou estar aqui fora quando todas essas coisas acabarem, tá?

Balanço a cabeça e ele se senta em uma das poltronas.

— Me siga, senhorita. — pede a mulher, abrindo uma porta ao lado do balcão e a mantendo aberta para que eu passe. — Qual é o seu nome?

— Emily. — respondo, a seguindo pelo corredor branco.

— Muito prazer, sou Amélia. — ela diz, parando para se virar na minha direção, pouco antes de abrir outra porta. — Aproveite nossos serviços e relaxe um pouco. Estarei à sua disposição se precisar de algo.

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