CAPÍTULO 9

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Olho de Eva para Erick, em seguida para Berta e depois para a panela fervendo no fogão.

— O que você está fazendo aqui? — pergunta Erick, ainda olhando para a mãe dele, e deixo escapar um sorriso quando vejo Pandora se aproximar e parar ao lado dele.

— O que foi, querido, não está feliz em me ver aqui? — Eva caminha até ele e o abraça.

— É, é claro que sim. — responde a abraçando, e me olhando por um momento. — Só fiquei surpreso que você não me avisou que vinha.

— É por isso que se chama visita surpresa. — ela se agacha para fazer carinho em Pandora e depois em Thor, que surge segundos depois, provavelmente curioso.

— A senhora sabe que eu não gosto de visitas e muito menos se elas forem surpresas.

— E você sabe que eu não gosto que me chame de senhora, mocinho. — Eva se levanta, o abraça de novo e beija a bochecha dele, uma de cada lado.

— Mãe, por favor. — protesta Erick, fazendo Berta rir.

Eva se vira para mim, sorrindo.

— Ele não gosta de mostrar aos outros que a mãe dele o ama. — comenta.

— Então, vocês já se conheceram? — pergunta Erick, observando entre mim e Eva.

— Eu estava dizendo o quanto ela é ainda mais linda do que você me falou quando era...

— Mãe, posso ter uma palavrinha com você? — Erick se aproxima e agarra a mão de Eva, a puxando para ir até o escritório dele.

— Mas o que foi que eu fiz agora? — pergunta ela, piscando para mim antes de seguir ele, com Pandora logo atrás.

Sorrio com esse gesto e Berta volta a mexer o chocolate no fogão.

— Foi estranho, não foi? — sussurro, me posicionando ao lado dela e Thor para aos meus pés, observando o que a governanta está fazendo.

— O quê? — ela parece concentrada.

— A mãe do Erick falou como se me conhecesse, mas eu tenho certeza de que nunca vi ela antes.

— Tenho certeza que sim, querida. — ela se vira para mim, mas enquanto me encara não parece estar realmente focada. — As memórias às vezes pregam peças na gente.

Mordo a minha boca, tentando me convencer de que Berta está certa.

— Deixa que eu ajudo. — falo, pegando a panela das mãos dela.

Berta segura o pote com a pipoca, enquanto despejo o chocolate. Nós vamos para o sofá e voltamos a ver o filme, dessa vez com Thor, esperando que Erick e Eva voltem do escritório.

— Mas eu só disse que ela era bonita. — ouço a voz de Eva se aproximar, junto de Erick.

— Eu sei, mãe, mas ela é tímida e você vai deixar ela envergonhada com esse seu jeito. — ele para no meio da sala, enquanto Eva se senta ao meu lado no sofá.

— Ele é tão chato. — sussurra para mim, me fazendo rir.

— Eu ouvi isso. — fala Erick, com as mãos no bolso da calça, e ouço as patinhas de Pandora voltarem.

— Querido, seja bonzinho e traga um vinho pra nós. — ela pega um pouco de pipoca, enquanto presta atenção no filme.

— Desculpa, Sra. Prior, mas eu não bebo. — digo.

Ela me encara como se eu acabasse de xingá-la, mas a verdade é que nunca fiquei bêbada e a única vez em que experimentei bebida alcoólica foi com Erick ontem, então não consigo confiar em mim perto de qualquer tipo de bebida que me faça passar vergonha na frente da mãe do meu chefe. Prefiro manter meu emprego e o resto da minha dignidade, mesmo que pouca.

— Você não sabe o que está perdendo, meu bem. — fala, enquanto vejo Erick procurar algo em um dos armários de baixo e a Pandora ficar deitada no chão ao lado de Thor. — Mas você já tomou, não é?

— Uma vez só. — respondo, voltando a prestar atenção no filme quando vejo Erick olhar para mim.

— Então nós temos que sair um dia e ficar de porre. — ela sorri. — E Berta também.

— Eva, você sabe que eu não me dou bem com bebida. — fala a governanta, sorrindo.

— Não foi isso que eu vi aquele dia. — Eva volta a olhar para a TV, enquanto percebo Berta tentar esconder o rosto vermelho.

O que quer que tenha acontecido entre as duas, só me faz perceber o quanto elas são amigas íntimas e que ver Berta feliz também me faz feliz.

Nós três chegamos um pouco mais para o lado quando Erick se aproxima com as taças e se senta ao lado de Eva, e depois entrega as outras duas a cada uma ao meu lado e pousa a garrafa aberta na mesinha.

Ofereço a pipoca doce a ele, mas Erick recusa e começo a assistir ao filme, tentando não pensar que a mãe do meu chefe, que quase me beijou, está ao meu lado e que, aparentemente, ela me conhece, e que se soubesse dos problemas em que estou trazendo ao filho dela muito provavelmente me odiaria.

Minha vida já esteve pior antes, mas, desta vez, estou cercada por pessoas que gostam de mim.



                       
Eva toma o restante do vinho que veio da terceira garrafa que Erick trouxe e isso só me faz questionar como ela ainda está aguentando ficar acordada.

Terminamos a pipoca e o filmes e agora estamos apenas sentados no sofá, rindo e conversando. Eva e Berta principalmente.

— Você deveria ter visto ele quando era pequeno. — fala Eva, rindo, enquanto está segurando a minha mão. Berta ao meu lado também está sorrindo e Erick está jogado contra o braço do sofá, com a mão no rosto, parecendo muito envergonhado. — Ele era tãããããããão gordinho.

— Mãe, por favor, já é a quarta história sobre mim. — fala Erick.

— Então pode haver uma quinta. — ela sorri e aperta a bochecha dele.

Tento não rir, demonstrando respeito ao meu chefe sentado bem ao meu lado, parecendo querer estar em qualquer outro lugar que aqui. Em contrapartida, Berta não esconde o quanto está se divertindo com toda essa situação.

— Teve uma vez, quando era pequeno, que ele foi arremessar uma bola de beisebol... — ela começa a rir, fazendo todos ficarem ansiosos pela continuação. — Ele foi arremessar a bola e eu rebati, e ela acertou ele bem na testa.

Vejo Erick esconder o rosto e respirar fundo, enquanto Berta e Eva se curvam para a frente, rindo.

— Ficou com um galo por uma semana inteira, tinha vezes que eu até o ouvia cantar de manhã.

Erick repara que ainda estou olhando para ele e vejo suas bochechas de um intenso vermelho, enquanto estou mordendo a boca tentando não rir.

— Agora acabou, não é? — o ouço perguntar, quando Eva volta a se recostar no sofá.

— Ele era tão fofo e gordinho, querida, você tem que ver. — ela dá batidinhas na minha mão. — Ah, eu tenho as fotos! — Eva vasculha o bolso da calça.

— Fotos, não. — resmunga Erick.

— Aqui. — Eva posiciona o celular na frente do meu rosto.

Eu vejo a foto de um pequeno garotinho, talvez com 12 anos, de pé em frente a uma fonte. Ele está sorrindo, enquanto mantém as mãos na frente do corpo. Está usando uma camisa azul, bermuda e um boné. Parece ser um dia ensolarado e, mesmo nessa idade, a roupa dele era social e sempre muito bem apresentável.

— Esse é ele? — pergunto, enquanto sorrio pela dose de fofura.

— Não era lindo?

— "Era"? — o ouço perguntar, ao nosso lado, fazendo Eva rir.

— Ele era mesmo gordinho. — digo, vendo o rosto de Erick ficar vermelho, enquanto desvia o olhar para a TV desligada. — Mas era tão fofo.

— Conquistava o coração de qualquer um que o visse. — ela suspira, melancólica.

— Ele tem os seus olhos.

— E graças a Deus também herdou o resto. — comenta, fazendo Erick revirar os olhos. — Que tal pedirmos algo pra comer? Estou morrendo de fome.

— Eu posso fazer algo pra gente. — fala Berta, se voluntariando.

— Pode deixar comigo, eu quero apenas que você relaxe hoje. — ela começa a mexer no celular novamente. — Então, o que vão querer?

— Pra mim tanto faz. — diz a governanta e balanço a cabeça, concordando.

— Eu sei que o meu bebê aqui vai querer pizza, não é? — Eva se vira para Erick, que a está encarando.

Eu não sei mais quanto tempo ele consegue permanecer aqui sem que suas bochechas pareçam explodir a cada palavra de sua mãe, ou a cada risada que Berta e eu tentamos segurar para não envergonhá-lo ainda mais.

— É, pode ser. — fala Erick, cutucando o tecido do sofá.

— De calabresa?

— Com cebola. — completa ele, sussurrando timidamente.

Veja Eva sorrir.

Enquanto esperamos os pedidos de comida que Eva encomendou, e de que não temos ideia do que vai chegar, ela e Berta conversam um pouco mais, enquanto eu, ainda sentada no meio das duas, ouço e assisto de camarote as aventuras de baladas que as duas já tiveram. Erick parece entediado, mas permanece conosco, também ouvindo as histórias.

Definitivamente, Eva está melhor depois que o marido morreu. Mesmo depois do que soube que aconteceu com ela, e sobre a Evelyn, essa senhora carrega uma energia alegre e um sorriso radiante que consegue animar qualquer um. Ela fez com que me sentisse confortável na sua companhia em menos de duas horas, coisa que jamais aconteceria há uma semana. Mesmo sem me conhecer direito, Eva me trata com carinho e simpatia, do mesmo jeito que Berta quando cheguei aqui alguns dias atrás, e isso me faz relembrar de como era estar na presença das pessoas do meu bairro, que mesmo me conhecendo sequer mostravam respeito a mim.

Eva continua segurando uma das minhas mãos, já que deixou sua taça vazia em cima da mesinha de centro, e acaricia meus dedos algumas vezes. Tento não deixar esse gesto me pegar de surpresa ou aquecer meu coração por vê-la tão confortável perto de mim, mesmo que tenhamos nos conhecido há poucas horas. Apesar disso, não consigo deixar de pensar o que ela teria dito se Erick não a tivesse puxado aquela hora.

Quando Eva ouviu o meu nome, ela me reconheceu, me reconheceu como se já tivesse me conhecido ou ouvido falar de mim antes, coisa que tenho certeza de nunca ter acontecido. Além disso, não houve nenhum questionamento por parte dela me perguntado o que estou fazendo no apartamento do seu filho. Será que Erick explicou a minha situação a ela? Será que ele disse todos os meus problemas e da onde venho? É por isso que ela sendo tão amigável comigo, por pena?

Calma, Emily, penso comigo mesma. Você não pode pensar isso sem nem mesmo fazer algumas perguntas a ela. Não é certo sair julgando e inventando teorias com base em nada.

Ouvimos a campainha e Eva se levanta em um pulo, quase saltitante, e Berta a acompanha até a porta.

Troco olhares tímidos de constrangimento com Erick, que suspira e sorri. Faço o mesmo, esperando que alguma das duas senhoras chame por mim e me resgate dessa situação.

— Está na mesa, pessoal. — anuncia Eva.

Erick e eu nos levantamos.

Espero meu chefe ir, mas ele para e indica o caminho, pedindo que eu vá na frente. Quando passo por ele, controlo meu coração e minha respiração, percebendo que me olha.

Tento não ficar boquiaberta quando chego perto da mesa.

— Mãe, quem você acha que vai alimentar com toda essa comida? Um batalhão? — Erick para ao meu lado, tão chocado quanto eu.

Sobre o mármore branco há duas caixas de pizza, caixinhas com logotipos que tem palitinhos de madeira do lado, algumas embalagens abertas com cachorro-quente e lanches e até uma caixa grande de brigadeiros, que Eva já está atacando. Duas garrafas de refrigerante estão logo ao lado.

— Eu disse que estava com fome. — fala, com a boca cheia de brigadeiro.

Nós sentamos e dividimos a comida, cada um comendo um pouco de tudo que Eva trouxe. Com isso, descubro que amo cachorro-quente e brigadeiro e que, com certeza, pizza é a comida favorita de Erick. Apesar de beliscar um pouco as outras opções da mesa, ele devora quase que sozinho uma caixa inteira de pizza.

— Depois dessa, nada melhor que dormir. — comenta Eva, comendo outro brigadeiro.

Termino a última mordida do cachorro-quente e pego uma das caixinhas com palitinhos, curiosa com o que tem dentro.

— É comida chinesa. — fala Erick, sentado à ponta da mesa, me vendo encarar a embalagem fechada.

— Você nunca comeu comida chinesa? — pergunta Eva, também pegando uma caixinha.

— Não. — balanço a cabeça.

— Então não vai saber usar os hashis.

— “Os” o quê? — pergunto, fazendo ela sorrir.

— Esses palitinhos. — ela balança os que está segurando. — Eu te ensino como comer com isso.

— Por que eles não usam garfos? — questiono, vendo que os dois pedacinhos de gravetos estão colados uns nos outros.

— Eu não faço ideia, querida. — vejo Eva puxar os pauzinhos e separá-los, fazendo com que virem dois.

— Os chineses consideravam uma ação bárbara servir pedaços grandes de comida e fazer os convidados cortarem as refeições, por isso eles começaram a cozinhar em pequenas porções e a comer com o hashi, pois era uma economia de recursos e conseguiam pegar uma grande quantidade de comida com eles.

Berta, Eva e eu viramos as nossas cabeças para Erick, que está devorando o outro pedaço de pizza depois de ter dado essa explicação muito bem detalhada e inteligente. Ele para de comer quando vê que o encaramos.

— O quê? — pergunta, parando de mastigar.

— Esse é o meu garoto. — Eva sorri e se estica para dar um beijo no rosto dele.

— Como você sabe disso? — questiono.

— Eu lia muito quando era pequeno. — responde, desviando o olhar, envergonhado.

— Legal. — comento, sorrindo.

Isso o deixa ainda mais envergonhado e ele se ocupa, voltando a comer.

— Erick fazia um monte de coisas quando era pequeno, ele não gostava de ficar parado. — conta Eva.

— Ele me contou que fez esgrima quando era pequeno. — fala Berta.

— E era o melhor. — sorri, orgulhosa. — Assim como no Jiu Jitsu e Box.

Não consigo deixar de ficar surpresa ao ouvir Eva falar assim de Erick, e só me faz perceber o quanto nossas infâncias e vidas foram diferentes até agora.

Quando eu era criança já me usavam como isca e distração para roubar a carteira dos outros ou para entrar em lugares pequenos para roubar coisas, apesar de nunca ter gostado disso.

Eva se levanta e fica ao meu lado, enquanto continuo encarando os hashis sem entender como funciona. Ela me explica como posicionar eles nos dedos e de como fechar e abrir para poder pegar a comida. Depois de muitas tentativas fracassadas, Eva me entrega um garfo.

— Eu tive uma ótima ideia. — fala ela, sorrindo. — Que tal irmos à praia amanhã?

— Faz tanto tempo que não vou à praia. — comenta Berta, fazendo o sorriso de Eva se alargar.

— Então, está combinado. — ela olha para Erick. — Você vem também, não é?

— Preciso trabalhar amanhã. — ele termina o pedaço de pizza e limpa as mãos no guardanapo.

— Em pleno domingo?

— Se eu quiser que tudo saia corretamente, sim.

— Só um dia, filho. — Eva faz uma expressão carente de cachorro abandonado. — Por favor.

— Sinto muito, mãe. — ele pega um brigadeiro.

Ela revira os olhos e olha para mim.

— E você, querida? Você vai, certo?

— Eu... — desvio minha atenção para Erick, que está me encarando, esperando pela minha resposta, assim como Berta e Eva. — Eu também não posso, sinto muito.

Não posso arriscar sair e alguém me reconhecer, ainda mais se eles vão estar comigo. Se eu também colocá-los em perigo não vou conseguir me perdoar, já que sei muito bem que não vão pegar leve, ainda mais pelo fato de que já sabem que Erick está no meio de toda essa bagunça.

— O quê? — Berta larga o lanche em cima do mármore. — Você tem que vir com a gente, não pode ficar presa sozinha em casa.

— Não vamos ir sem você. — completa Eva. — Nem que a gente te arraste pra fora desse apartamento.

Sorrio, triste.

— Eu não posso. — digo. — Desculpa.

— Nós vamos. — anuncia Erick, e mais uma vez todas nós encaramos ele.

— Jura? — pergunta Eva, animada, enquanto eu ainda estou encarando Erick.

— É, você me convenceu. — diz, se levantando e levando o copo sujo de refrigerante até a pia. Na volta, ele acaricia o ombro de Eva. — Que horas vamos sair amanhã?

— Que tal às 9:00?

— Vou me certificar de resolver todos os assuntos da empresa hoje. — fala, se retirando para o escritório logo em seguida, e Pandora, como sempre, o segue.

— Esse menino vive enfurnado naquele escritório. — conta Berta, balançando a cabeça em decepção.

— Ainda continua assim? — pergunta Eva, baixinho.

— Sim, senhora.

Eva larga os palitinhos dentro da caixinha de comida chinesa e suspira, encarando o mármore.

— Esse menino não vive mais. — sussurra, para ninguém em particular. — É assim desde que o pai dele foi morto.

— Ele era pior, Sra. Prior, mas está melhor esta semana. — fala Berta, cobrindo a mão de Eva com a sua.

— Você acha, querida? — ela suspira e depois se vira para mim. — O que você acha, Emily? Você já mora aqui há algum tempo.

Tento pensar em algo, enquanto os olhos esperançosos de Eva continuam a me encarar.

— Eu não sei muito sobre o Sr. Prior ou sobre a rotina dele — começo. —, mas ele é bem dedicado pelo que parece e quase sempre está trabalhando no escritório.

— Então, vocês são próximos?

Berta se levanta e começa a limpar a mesa e decido fazer o mesmo, enquanto tento arrumar tempo para responder às perguntas que, muito provavelmente, serão constrangedoras.

— Não muito. — respondo, pegando o resto das embalagens em cima da mesa e jogando no lixo.

— Erick me disse que você é a secretária e estatística dele. — comenta, enquanto tento me focar em colocar os copos sujos dentro da pia.

— É, eu sou. — tento sorrir.

— Quer dizer que você conheceu a Jessy. — ouço o tom rancoroso e venenoso em sua voz.

— Ela não gostou muito de mim. — falo.

— Ela não gosta de ninguém que chegue a menos de 2 metros do meu filho.

— Eu sei que você já a odeia, Eva, por isso nem queira saber o que ela fez. — comenta Berta, lavando a louça.

— Sabe que não pode falar isso pra mim, Berta. — a senhora se levanta e passa um pano limpo na mesa. — Só me deixa ainda mais curiosa.

— Posso perguntar porque ninguém gosta da Jessy? — me sento de volta.

— Porque ela é gananciosa. — fala Berta.

— Invejosa. — completa Eva.

— Mimada.

— Tem uma voz irritante.

— Tem um jeito irritante.

— Ela é irritante.

— Mas gosta do seu filho. — sussurro, chamando a atenção dela.

— E mesmo que ele retribuísse esse sentimento, não deixaria Erick ficar com alguém como ela, com os interesses que ela tem. — Eva se ajeita na cadeira e se curva um pouco para frente. — Ela ama o dinheiro do Erick, assim como os pais dela e toda aquela família escrota.

Tento não me surpreender com o palavrão e de como é estranho ao ouvi-lo ser pronunciado por alguém como Eva.

— Berta me disse isso também. — falo, apoiando minha cabeça em uma das mãos.

— Erick só vai se casar com a garota que realmente ver quem ele é de verdade e não só pelo dinheiro. — e sorri. — E quando passar pela minha aprovação, é claro.

— Acho que isso vai demorar pra acontecer. — Berta ri, e me olha rapidamente.

— Talvez, nunca se sabe. — e Eva repete o mesmo gesto da governanta. — Posso te perguntar algo pessoal, Emily?

— Ahn... sim. — resmungo, sem saber ao certo se quero manter essa resposta.

— Você já namorou alguém?

Me surpreendo com a pergunta.

Eu estava preparada para tentar inventar ou mentir sobre como Erick me contratou para trabalhar na empresa, ou de como nos conhecemos ou se eu fiz faculdade de estatística para ter um bom currículo, assim como Jessy havia me questionado. Eva não mentiu quando disse que era uma pergunta pessoal.

— Não, ainda não. — entrelaço as minhas mãos, esperando que meu nervosismo não fique óbvio.

— Mas você já deve ter ficado com alguém, não é? — a senhora se levanta e caminha até o fogão, pegando um chaleira e a enchendo de água enquanto continua com o questionamento. — Aposto que alguém já deve ter gostado de você.

— Também acho. — concorda Berta, enquanto Eva esquenta a água. — Você é muito bonita, inteligente e gentil. Alguém já deve ter tido pelo menos uma quedinha.

— E você também já deve ter tido uma quedinha por alguém. — completa Eva, parada ao lado do fogão, esperando pela água quente.

— Já, mas só uma vez. — sussurro, envergonhada.

As duas mulheres olham para mim na hora, com os olhos arregalados de surpresa, e quase posso ver as perguntas que estão por vir.

— Quem era ele?

— Ele é bonito?

— Quantos anos tem?

— Vocês já se beijaram?

— Ele também gostava de você?

— Por favor, se acalmem. — peço, rindo.

— Desculpa, querida, mas isso é importante.

— Importante? — questiono, confusa. — Por que?

— Quer dizer que foi o seu primeiro amor, não é?

— Acho que sim.

Eva bate palminhas, animada, enquanto Berta termina de lavar a louça sorrindo.

— Isso é tão mágico e lindo. — a mãe de Erick parece perdida em pensamentos enquanto sussurra essas palavras.

— E quem foi o seu primeiro amor? — pergunto, esperando que isso tire a atenção de mim.

— Isso não vai funcionar, mocinha. — fala, apertando os olhos. — Pode começar a contar tudo sobre ele.

Suspiro.

— Não tem o que falar, eu acho. — brinco com meus próprios dedos, sentindo minhas bochechas esquentaram.

Lembrar da época em que eu era apaixonada por Gabriel é doloroso e difícil, simplesmente pelo fato de que nós nunca ficaríamos juntos e de que, para ele, sou apenas a sua irmãzinha, sou parte da família. Tentei mudar por anos meus sentimentos por ele, sempre me convencendo de que isso nunca daria certo e de que o melhor é me conformar o mais cedo possível. Mas ter que encarar ele todos os dias desde os meus 12 anos não ficou mais fácil, só me lembrava do que estava fazendo comigo mesma e do que estava abrindo mão.

— Bom... — começo, respirando fundo, enquanto a atenção das duas senhoras ainda estão em mim. Decido responder apenas o que elas me perguntaram. — Ele é um amigo meu de infância. Ele é muito bonito, ainda mais quando deixa a barba crescer. Ele tem 18 anos e sim, nos beijamos uma vez. Na época em que eu gostava dele, acho que não me via dessa maneira, mas há algo de diferente agora.

Berta e Eva estão sorrindo e rindo e trocando olhares, empolgadas. A animação delas me faz sorrir também.

— Nós temos que conhecer ele. — fala Eva.

— Temos que ver se ele é bom o suficiente pra você. — completa Berta.

— Vocês não têm com o que se preocupar, porque é uma relação que não vão dar certo. — respondo, desviando o olhar, sentindo essas palavras me machucarem ainda.

— Por que?

Espero Eva desligar a chaleira quente e despejar água em três canecas, enquanto escolhe alguns sachês de chá.

— De onde eu vim, uma relação assim não aguentaria. — pego uma das canecas que Eva me entrega. — Somos muito diferentes e convivemos em ambientes diferentes, sem falar que as pessoas não nos aprovariam.

— Onde você mora precisa da aprovação de outras pessoas? — pergunta Eva, curiosa.

Balanço a cabeça.

— Infelizmente.

— Mas isso não impediria vocês te terem uma amizade colorida.

— O que é isso? — pergunto, enquanto tomo um pouco de chá.

— É quando duas pessoas se relacionam sexualmente e ainda conseguem manter um relacionamento de amizade, sem compromisso um com o outro. — explica, entregando outra caneca a Berta, e depois as duas se sentam ao meu lado.

— Eu não sei se conseguiria fazer isso. — aperto a caneca em minhas mãos, fazendo meus dedos ficarem quentinhos. — Acho que nenhum de nós dois.

— Talvez seja um daqueles amores que sirva apenas para ser uma memória preciosa e não parte da sua vida. — fala Berta ao meu lado, acariciando meu cabelo.

— Todos devem ter pelo menos um desses em sua vida, na minha opinião. — concorda Eva, tomando o chá.

— Vocês já tiveram? — pergunto.

Elas concordam com a cabeça.

— O meu foi um sócio da empresa do meu filho, mas ele era casado. — Eva encara a caneca entre seus dedos enquanto fala. — Não tínhamos coragem pra manchar o nome de nenhuma das duas empresas, mesmo que tivéssemos os mesmos sentimentos. Escolhemos deixar de lado e continuar nossas vidas, mesmo que seja um longe do outro.

— Eu sinto muito. — digo, vendo que isso com certeza é doloroso para Eva.

— Obrigado, querida. — ela sorri e se vira para a mulher ao meu lado. — E qual é o seu?

— Foi um caso bobo, vocês não precisam saber. — fala, ficando vermelha.

— Nós duas contamos os nossos, não vale você só sentir pena da gente e não sentirmos de você. — Eva ri, fazendo Berta dar um sorriso.

— Acho que você está certa. — sussurra, e depois suspira. — Ele era pai do amigo do meu filho e sempre nos encontrávamos nos jogos de futebol dos dois. Depois de tantos jogos, começamos a ter conversas mais íntimas. Eu contei a ele sobre meu marido que nunca parava em casa e ele me contou sobre a esposa mal-humorada. Ambos éramos infelizes, mas estávamos naquelas relações pelos nossos filhos, e sabíamos o que aconteceria se um relacionamento nosso um dia chegasse a ser real. Meu marido faleceu alguns anos depois, enquanto o meu primeiro amor já havia se mudado para outro estado com a esposa.

— Berta, eu sinto muito por isso. — fala Eva.

Aperto a mão da governanta, recebendo um sorriso triste em troca.

— Está tudo bem, isso foi há muito tempo.

Eva suspira alto, com uma expressão melancólica.

— O amor nem sempre é fácil e nem sempre é só corações e arco-íris, mas quando você encontra a pessoa certa é mais fácil passar por essas dificuldades.

Penso a respeito, me sentindo triste, sabendo que não importa qual seja o rumo que eu escolhesse na minha relação com Gabriel, o fim seria o mesmo.

— Nossa conversa decaiu um pouco o nível. — sussurra Berta, fazendo nós três rirmos.

— Não podemos ficar tristes quando temos um dia maravilhoso pra passar amanhã.

— Certíssima. — concorda Berta.

Eva olha para o horário do micro-ondas.

— Já está ficando tarde, preciso achar um hotel pra me hospedar.

— Não tem quartos disponíveis nesse? — pergunto.

— Estão esgotados. — fala, fazendo bico.

— Não vamos te deixar sair sozinha a uma hora dessas. — diz Berta. — Você vai dormir aqui com a gente.

— Aí podemos sair todo mundo junto. — sorrio, me sentindo animada pela primeira vez. — Você pode dormir no meu quarto.

— Isso é muito gentil, mas não quero te expulsar do seu próprio quarto.

— Eu não me importo de dormir no sofá. — olho para trás, para o móvel grande e aconchegante. — Além disso, ele é bem confortável. Deve ser ótimo para dormir.

— Você tem mesmo certeza? — balanço a cabeça. — Então eu vou concordar, mas só se você nos apresentar esse tal de Gabriel um dia.

Sorrio.

— Ok, eu prometo. — digo, fazendo a senhora sorrir ainda mais. — Eu só preciso tomar um banho antes, se não se importar.

— Capaz, querida, pode ir.

Tomo um último gole do chá e me levanto.

— Com licença.

Caminho até o meu quarto e procuro um pijama confortável, para depois entrar no chuveiro.

Pensamentos conflituosos me atormentam durante o banho, enquanto reflito se essa escolha foi sábia ou não. Por um lado, a praia vai estar lotada de gente aproveitando o clima bom e o sol quente, então talvez não tentem nada. Mas, por outro lado, também seja por esse mesmo motivo que tentem alguma coisa, pois o lugar vai estar cheio e as pessoas mal irão notar algo fora do comum, dependendo do que eles estiverem planejando.

Tento deixar isso de lado, porque sei que vou acabar desistindo. Não me preocupo em me machucar, me preocupo em trazer consequências para a família de Erick. Berta e Eva se tornaram amigas para mim, ainda mais depois dessa conversa sobre amores que não se tornaram reais. Berta é como uma mãe para mim e desde que cheguei ela não me mostrou outra coisa além de gentileza, e tudo que quero é retribuir da mesma maneira. Eva é uma mulher simpática e animada e que me aceitou como sou mais rápido do que pensei possível e que mostra carinho e respeito, duas coisas que raramente recebi em toda a minha vida. E apesar dos sentimentos confusos por Erick, ele ainda é meu chefe e não quero trazer problemas a sua empresa quando eu sei o quão dedicado ele é.

Saio do chuveiro e me seco rapidamente, me vestindo logo em seguida, esperando que eu não esteja fazendo Eva esperar muito.

Pego um travesseiro em cima da cama e um cobertor no guarda-roupa e saio do quarto. Quando chego na cozinha, Eva está sentada sozinha.

— Onde está Berta? — pergunto, largando o travesseiro no sofá e esticando o cobertor no chão para Thor, que se levanta rapidamente e se deita sobre o tecido quentinho. Acaricio seu pelo macio.

— Ela foi tomar banho. — Eva se levanta e fica ao meu lado, observando o cachorro. — Me impressiona que tenha conquistado esses dois ladinos, sempre foram rabugentos. Pandora não desgruda de Erick e Thor sempre é o protetor.

Sorrio.

— Também não faço ideia de como isso aconteceu.

— Fico feliz que esteja aqui. — fala Eva e, antes que eu tente entender o que isso significa, ela me abraça. — Fico feliz que Erick não esteja mais sozinho.

Ela se afasta, segurando carinhosamente minhas mãos e sorrindo. Antes que eu consiga falar qualquer coisa, Berta surge no corredor.

— Sra. Prior, arranjei um cobertor pra você.

— Berta, já disse que pode me chamar de Eva. — a senhora aperta meus dedos, me lançando um último sorriso e segue Berta até o meu quarto. — Estou louca pra tomar um banho e me livrar do cheiro do avião.

Ouço a voz dela sumir quando entra no meu quarto e Berta me deseja boa noite, antes de se recolher para descansar também.

Me deito no sofá e estico meu braço, fazendo carinho em Thor deitado no chão.

— Elas já foram dormir?

Ergo a cabeça e vejo Erick parado no corredor. Não o ouvi chegar, ele é quase tão silencioso quanto um ninja.

— Já sim. — respondo.

— Quer um cobertor? — pergunta, se aproximando.

— Eu já tenho. — falo e aponto para a manta no chão.

Erick sorri.

— Que folgado. — ele se agacha ao lado do sofá, fazendo carinho nas orelhas de Thor. — Bem que dizem que quando não se parece com o dono é roubado.

Sorrio e Erick olha para mim. Ele não fala nada e eu também não, não há o que falar quando o que quero fazer é me manter o mais distante possível dele.

— Você quer ir amanhã? — pergunta ele quando não falo mais nada.

— Acho que sim. — recolho minhas pernas e as abraço. — Mas não quero que ninguém se machuque.

— Ninguém vai se machucar, não tem com o que preocupar. — ele suspira. — Amanhã as praias vão estar lotadas por conta do fim de semana, não tem como eles fazerem algo contra você sem que alguém não veja. Mas se for fazer você se sentir melhor, posso contratar alguns seguranças pra nos acompanhar.

— Não precisa disso tudo, não quero incomodar. — desvio o olhar. — Não precisa fazer isso tudo por mim.

— Eu não me importo. — fala, ainda me encarando.

Engulo em seco, tentando me concentrar nos movimentos dos meus dedos inquietos.

— Mesmo assim, obrigado pela oferta. — digo.

— Sem problemas. — concorda, se levantando. — Vou deixar você dormir.

— Ok. — sussurro.

— Boa noite.

— Boa noite.

Ele se retira de volta para o seu quarto, enquanto me deito no sofá e pego no sono não muito tempo depois, pensando, e torcendo, que minhas preocupações para amanhã talvez sejam um exagero.

Uma Nova Chance Where stories live. Discover now