CAPÍTULO 3

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Devo estar em um pesadelo, mas se eu tiver sorte talvez seja um sonho. Ou posso ter morrido, talvez o chute de Philip tenha sido mais forte do que imaginei.

Encaro o Sr. Prior na minha frente, com uma das mãos estendida para mim e a outra no bolso. O terno está tão perfeito em seu corpo que parece ter sido feito especialmente para ele. Os olhos verdes dele ainda me encaram, esperando que eu diga ou faça algo.

A primeira coisa que eu deveria fazer é duvidar da sua identidade ou da existência dessa empresa, mas sei que ela é real. Dados e estatísticas do crescimento dela e das vendas estão anotadas nas folhas que estou segurando. Diversas vezes eu filmagens de Erick Prior na TV, sempre de terno e óculos escuros e acompanhado por guarda-costas. Seria difícil reconhecê-lo agora na minha frente se ele não tivesse me dito seu nome.

Um emprego na Empresa Prior. Uma multinacional que investe em imobiliárias e em outros prédios e lança seus próprios imóveis. Uma empresa que desde o ano passado seria dificilmente reconhecida, mas que hoje em dia é a número 1. A grande multimilionária.

E esse jovem à minha frente é o diretor.

E ele está me dando um emprego.

Mas por quê? Por que ele acabou de me salvar e ver o estado em que minha vida se encontra? Ao ver as minhas anotações e pensar que sou boa no que faço só porque copio informações da TV? Talvez tenha sido por causa de Philip, ele deve ter tornado isso tudo possível quando Erick viu o grande porco em que ele era.

— Eu... eu não... — gaguejo, sem saber direito o que falar.

Erick ergue uma sobrancelha na minha direção e abaixa a mão que ainda está estendida.

— Você não quer o emprego? — pergunta, quase que inclinando totalmente a cabeça para o lado, curioso.

O gesto é fofo a meu ver e me pego corando.

— Por que você me contrataria? — questiono finalmente.

— Suas anotações.

— Elas são só cópias.

— Até a que diz que daqui a um mês as minhas ações irão despencar 2%? — ele ainda não desviou o olhar, e não ergo meus olhos para ver seu rosto. Estou observando os dados dos quais ele está falando que estão na primeira página; faço algumas anotações depois de marcar as da TV e lembro de ter feito essa. Ele leu mesmo tudo. — Os noticiários apenas incentivam as outras empresas a negociaram com a minha, eles nunca dão notícias ruins.

— Talvez eles façam. — resmungo.

— Eu os pago para que me ajudem a trazer novas chances de acordos, fazer o contrário os fariam perder muito dinheiro da minha parte. — ele suspira. — A anotação é sua.

— Por causa de uma anotação você quer me contratar?

— Eu vi as outras. Você sempre escreve se minhas ações vão cair ou vão subir de acordo com os números que você vê na TV. — ele tira a primeira página das minhas mãos, deixando a de baixo a mostra. — Mês passado houve um aumento de 67% nas vendas e uma queda pequena de 0,5% nas ações.

Olho para os números nas folhas, precisamente para os números 67 e 0,5 que ele acabou de falar em que anotei mês passado. Quando ergo o olhar para vê-lo, Erick está colocando os óculos escuros de volta.

— Você é boa, acertou quase todos desde que começou a fazer as anotações. Não só os da minha empresa, como de todas as outras que você anota. — ele dá a volta na mesinha e para na minha frente. Posso ver meu reflexo nos seus óculos, há medo e insegurança sob os meus ombros. — Eu quero você como minha empregada porque você é boa e apenas isso. Agora, você pode fazer as suas malas e vir comigo ou pode ficar aqui e esperar que outra chance como essa apareça de novo.

Olho de novo para os papéis na minha mão e para o que Sr. Prior largou em cima da mesinha de centro.

Sem nem mesmo conhecer essa área direito, não era difícil para eu assimilar aqueles números ou deduzir a chance de ganhos e de perca. E era divertido, sempre foi divertido, porque havia algo em que eu gostava que ninguém podia tirar de mim.

Devo ter demorado demais para responder, porque o Sr. Prior vira as costas e caminha em direção à porta.

— Espera. — sussurro, ainda olhando para baixo.

Quando ele para, tento ser firme, ser confiante de que essa é a escolha que devo fazer.

Sei que ele está certo, algo assim jamais vai aparecer na minha porta novamente. É a minha chance, minha chance de mudar de vida.

— Eu vou com você.

— Ótimo. — diz, sem sorrir. — Vou esperar no carro enquanto faz as malas.

— Eu não vou levar nada. — digo, fazendo com que me encara de novo.

— Tem certeza? — pergunta, e balanço a cabeça. — E suas roupas?

— Eu dou um jeito.

Ele acena de leve com a cabeça, parecendo pensativo.

— Então, vamos. — fala.

O sigo sem mais rodeios, apenas pego a outra folha em cima da mesa e a arrumo com o resto no meu colo. É a única coisa que preciso levar.

Quando saímos de casa, as pessoas ainda estão na porta nos observando. Parecem ainda mais chocadas quando percebem que estou seguindo os dois homens de terno até o carro preto do outro lado da rua.

Erick caminha até o outro lado do carro, enquanto Michael abre a porta para que eu entre.

— Obrigado. — agradeço a ele.

Quando me acomodo no banco traseiro, algumas batidas no porta-malas me fazem pular de susto. Philip já deve estar enlouquecido de raiva e sua vontade de me matar deve ser enorme agora.

— Perdoe-me, senhor. — pede Michael, através da minha janela aberta, em direção a Erick. — Vou fazer algo a respeito do barulho.

Não me viro para ver, mas ouço quando o porta-malas é aberto. Demora apenas alguns segundos para Michael voltar e se sentar no banco do motorista. Ele larga um frasco de um líquido estranho e um pano branco no banco do carona e depois liga o carro.

Antes de desaparecermos daquela rua, olho para trás, mesmo que todo meu corpo diga para não fazer isso, e vejo quando um grupo de pessoas começam a entrar na minha antiga casa. Eles nem esperaram eu desaparecer por completo para que começassem o saque. Ainda de longe, consigo distinguir uma silhueta familiar correr até o meio da rua e olhar o carro preto partir.

— Gabriel... — sussurro, sentindo meus olhos se encheram de lágrimas.

Não sinto falta daquela casa. Não sinto falta da vizinhança ou das pessoas. Só sinto falta dos meus irmãos.

Quando a silhueta dele some, depois de virarmos mais umas ruas, me sento de volta para frente, percebendo quando Michael olha para mim pelo pequeno espelho dentro do carro. Enxugo meu rosto rapidamente e seguro firme meus papéis.

Seria inevitável. Uma hora ou outra, todos nós iríamos nos separar. Gabriel primeiro, depois eu e em seguida Lian. Paulo é o que sofreria mais. Ele é tão apegado ao Lian que tenho medo de qual rumo esse garoto poderia tomar depois de se afastar do seu irmão. Minha família de sangue não foi o que eu queria, não me amou como uma família deveria, mas eles sim. Principalmente Gabriel.

Tento me distrair e pensar em qualquer outra coisa que não seja eles e observo com mais atenção o carro em que estou. O carro é menor em tamanho do que a caminhonete branca de antes, mas o interior é incrivelmente espaçoso e confortável. Os bancos são da cor preta e alguns detalhes na porta e no painel da frente são em marrom-claro. Na frente, há um painel com uma pequena TV instalada, onde há algumas pastas em colorido que Michael toca e se abrem em mais pastas. Quando ele clica em uma delas, uma música começa a tocar. Olho para cima, para o teto solar, vendo a ponta dos altos prédios passarem por nós rapidamente.

— Você nunca andou de carro? — pergunta Erick, me assustando por um momento.

Desvio a atenção dos prédios para olhar para ele, sem deixar de me sentir envergonhada.

Devo parecer completamente estranha e desengonçada.

— Não.

Ele se inclina para frente e aperta um botão perto do teto. Em seguida, o painel de vidro começa a se abrir, fazendo o vento agradável acertar meu rosto.

— Uau. — sussurro.

Observo quando Erick volta a olhar pela janela, escondendo de novo o rosto e um sorriso junto.

Através dessa abertura, posso ver melhor quando o número de prédios começa a aumentar ao nosso redor, conforme nos aproximamos da bagunça da cidade. Observo quando os pássaros voa em direção contrária a nossa, sumindo rapidamente, e um helicóptero logo em seguida, carregando uma faixa com algo escrito nela.

Me viro em direção à janela, vendo o aglomerado de pessoas caminhando pelas ruas. Pessoas muito bem vestidas, carregando malas ou bolsas e falando no celular.

Um pensamento me ocorre e sorrio ao imaginar Gabriel dizendo que esse seria nosso paraíso.

Sorrio quando uma mulher passa carregando um filhote de cachorro em seus braços e quando outra está passeando com um cachorro maior na coleira. No nosso bairro era proibido animais, em casos mais graves eles acabavam virando comida.

Lembro quando tentei trazer um gatinho de rua que estava doente e o alimentei com o arroz de casa, Philip ficou tão brabo que se livrou do gato no dia seguinte. Não sei se ele o matou ou apenas o jogou de volta na rua, e prefiro continuar sem saber.

Nós viramos a esquerda, entrando em um estacionamento no subsolo.

Observo, enquanto Michael estaciona em frente a um elevador, a quantidade de carro e a qualidade de cada um. Cada carro desse deve custar milhões.

Assim que paramos, Michael sai do carro e abre a porta para Erick. Saio logo em seguida, observando ao meu redor.

— Livre-se da bagagem que está no porta-malas. — diz o Sr. Prior quando paro ao seu lado, sem saber direito o que fazer.

— Sim, senhor. — Michael entra de novo no carro e parte logo em seguida.

Olho para o porta-malas do carro enquanto ele se afasta, percebendo que eu nunca mais, se tiver sorte, verei Philip para o resto da minha vida. Um peso que eu não sabia que estava dentro de mim parece ficar mais leve e um alívio de compreensão me acerta em cheio.

Sorrio sozinha, sabendo que isso já é um ótimo começo da minha vida nova.

— Ei. — chama Erick.

Quando me viro para observá-lo ao meu lado, percebo que ele não está mais lá. Eu o vejo dentro do elevador, segurando as portas e me encarando. Corro até lá e me acomodo ao seu lado. Ele recolhe as mãos e as portas se fecham.

Observo o painel na minha frente iluminar os botões conforme subimos e parar no 15°, até que, enfim, as portas se abrem e sigo Erick de novo.

Um longo corredor de estende a nossa frente dando em duas portas, uma de frente para outra. À minha esquerda uma escada continua subindo e à direita a escada desce. Paramos em frente à porta do lado esquerdo e Erick a abre.

Respiro fundo antes de segui-lo, segurando firme minhas anotações.

O apartamento é enorme. Só a área em que a sala e a cozinha estão caberia duas, ou até três vezes, da minha casa aqui dentro.

Paro no centro do apartamento, observando a cozinha em que me encontro. Uma linda pia com duas torneiras e uma grande quantidade de armários se estende como um L e, no meio, uma grande ilha de granito na cor branca, assim como os armários. Banquetas de cores neutras estão dos dois lados dela e um vaso grande de flores está no centro. Uma geladeira larga fica ao lado da porta de entrada e um fogão de seis bocas ocupa um espaço no meio, enquanto o forno é embutido a ilha. Duas lâmpadas em forma de cubo, também da cor branca, mas com detalhes em dourado, estão iluminando o local da cozinha. Comparada a cozinha da minha antiga casa, que mal cabia uma pessoa, aqui mais de cinco pessoas podem cozinhar facilmente.

A sala é a mais espaçosa. Um grande sofá cinza-claro ocupa a maior parte do lugar. Penso, comigo mesma, que isso poderia ser usado como cama também. Uma mesinha retangular de cor clara está no meio da sala e, de frente para o sofá, uma enorme TV. Nos cantos da sala, três vasos de flores enormes estão decorando o espaço, com os tapetes que mesmo de longe parecem muito macios. A vista da sala é simplesmente linda. Com uma grande porta de vidro que leva a sacada, o grande mar azul e infinito parece mais bonito daqui. Também percebo que dá para ver uma grande parte da cidade. A cozinha e a sala são pintadas de uma cor mais escura, enquanto os móveis em contraste são mais claros.

Um corredor do lado esquerdo e direito se estende até o fim e em cada um deles há quatro portas. De uma delas, uma mulher baixinha e com um vestido de cor neutra sai e me encara.

Olho para mim mesma, imaginando o que ela estaria pensando.

— Ah, Berta. — fala Erick, saindo também de um dos quartos, dessa vez do lado esquerdo. Os dois se encontram no mesmo lugar que eu, me olhando. — Essa aqui é a nossa nova inquilina.

Ela me olha de cima a baixo, literalmente de cima a baixo, enquanto seguro com força meus papéis.

Berta é uma mulher baixinha e magra, que não parece passar dos 40. Ela está com os cabelos morenos amarrados em um rabo de cavalo e usa uma roupa leve e tênis de cor caramelo. Apesar de me encarar, seu olhar não mostra julgamento, apenas curiosidade.

— Você nunca trouxe ninguém pra morar aqui. — ela diz, se aproximando de mim. Fico parada, esperando. — Querida, você está horrível. Por onde você andou?

— Preciso que dê um banho e a alimente, irei levá-la a alguns lugares depois.

Olho para Erick, esperando que diga mais alguma informação, mas ele não continua.

Erick me olha de volta, provavelmente vendo meu medo e fala:

— Eu só preciso que você fique apresentável pra amanhã.

— O que tem amanhã? — pergunta Berta.

— Ela vai ser minha nova secretária.

— E a Jessy?

— Acho que vou demiti-la.

— O quê? Por que? — a notícia parece chocar a mulher. — Ela já é sua secretária há tanto tempo.

— Eu sei. — Erick para de falar e me olha, percebendo que estou encarando os dois sem falar nada, mas ouvindo tudo. Ele pigarreia. — Mas enfim, eu preciso que cuide dela.

— Sim, é claro. — Berta se vira na minha direção e sorri. — Meu nome é Berta, sou a governanta do Sr. Prior.

— O que é uma governanta? — pergunto, fazendo ela me olhar surpresa.

— Eu sou contratada pra cuidar da casa e ajudar na criação das crianças.

— Mas ele já é adulto. — sussurro, olhando de canto para Erick, que ergue uma sobrancelha para mim.

Berta sorri largamente e se inclina para frente, parecendo querer me contar um segredo.

— É só na aparência.

— Você vai continuar me difamando na frente da minha empregada? — resmunga Erick, mas não parece brabo.

Berta continua sorrindo.

— E então, querida. — ela pega uma das minhas mãos. — Qual é o seu nome?

— Emily.

— É um nome muito bonito. — ela desvia a atenção para os papéis que estou segurando. — O que é isso?

— Ah. — sussurro, tentando esconder o que está escrito. — Não é nada.

— Poderia mostrar o quarto e o banheiro a ela, Berta? — pergunta Erick, mudando de assunto. — Tenho coisas urgentes pra resolver a tarde e irá demorar.

— Claro que sim, querido. — ela fala sorrindo.

Logo percebo que os dois parecem bem próximos.

Quando Berta começa a me puxar em direção ao corredor em que ela saiu, inconscientemente olho para trás, para Erick, buscando ajuda ou respostas de que ficarei bem. Ele me observa, enquanto Berta me puxa em direção a uma das quatro portas, precisamente, a que fica de frente da qual ela saiu.

O quarto é lindo. Uma grande cama de casal está no centro dela, com mais travesseiros do que posso contar. Ao lado esquerdo há um guarda-roupa e do outro uma cabeceira com abajur e uma mesa de trabalho com computador. Na parede na frente da cama, há uma enorme prateleira cheia de livros e plantas falsas para decoração. O quarto também é pintado em um tom mais escuro e os móveis são mais claros.

— Esse vai ser o seu quarto. — fala Berta, me indicando o espaço inteiro. Ainda estou encarando todo o lugar, quando ela abre uma porta, que eu não havia prestado atenção, ao lado do guarda-roupa. — E esse é o banheiro.

Me aproximo de Berta e espio o lugar.

O lugar já é mais pequeno, mas ainda assim lindo. A vista do mar fica visível graças ao vidro e, se eu não gostar, posso fechar a persiana. A banheira fica de frente para a paisagem e um chuveiro normal fica perto da porta. Uma pia com espelho e armários fica no meio dos dois, com um porta-toalhas ao lado e de frente para ele, ao lado da porta, o vaso sanitário. A decoração e as cores são as mesmas que o resto do lugar.

— Vou buscar uma toalha e roupas limpas pra você.

— Isso tudo é só meu? — pergunto, olhando ao redor.

— Sim, mas não se preocupe com a limpeza ou com qualquer outra coisa, deixarei ele limpo e agradável pra você.

— Por que?

— É o meu trabalho. — responde, confusa pela minha pergunta.

— Ah.

Então eles pagam as pessoas para limpar as casas. Se eu soubesse disso antes, já teria tentado entrar em um emprego desses.

Olho para a cama, a enorme cama de casal. Sempre me acostumei a dormir no sofá da sala, ele era velho e já estava sem estofamento, mas ainda assim era um bom lugar para descansar depois que me acostumei com ele.

Me sento na ponta da cama, sentindo o colchão afundar um pouco, e sorrio.

— Posso perguntar onde você morava, Emily? — pergunta Berta, delicadamente, me olhando com curiosidade. Quando abaixo a cabeça e aperto as folhas ainda contra o peito, ela suspira. — Eu já entendi. — ela caminha e se senta ao meu lado, pegando de novo a minha mão. — Agora você vai ficar bem. Esse prédio é o mais confortável da cidade e o mais confiável em segurança.

— Obrigado. — agradeço, olhando para ela.

A mulher sorri e passa a outra mão delicadamente pelo meu cabelo.

— O quarto é lindo, não é?

— É, sim. — olho de novo ao redor. — Eu nunca tive um.

— Nunca teve um quarto só pra você?

— E nem uma cama. — olho para trás, observando a quantidade de travesseiros.

Berta está me olhando de um jeito estranho. Ela parece voltar a si e aperta minha mão de leve, antes de se levantar.

— Vou trazer a roupa e a toalha pra que possa tomar um banho decente.

— Obrigada. — agradeço.

— Você está com fome? — pergunta e balanço a cabeça. — Assim que sair do banho, a comida vai estar pronta e esperando por você, ok?

Balanço a cabeça de novo, dessa vez sorrindo.

— Ok.

Ela também sorri e se vira para sair, fechando a porta atrás de si.

Espero ela voltar, sentada na ponta da cama sem querer deitar. Minha roupa está suja, assim como eu por ter caído no chão, e não quero sujar o edredom cinza.

Me levanto e coloco minhas anotações em cima da mesinha de trabalho, de frente para o computador e passo meus dedos pelo laptop e nos teclados. Nunca tive um desses em toda a minha vida e quase não tive chances de ver também, então não faço ideia de como essa coisa funciona. Assim como um celular.

A porta se abre e Berta entra, carregando nos braços uma toalha branca e outra peça grandona aveludada, também branca.

— Sinto muito, mas não vamos ter roupa pra você aqui. — ela fala, me entregando a toalha. — O Sr. Prior já mandou Michael buscar algumas pra você, então quando sair do banho vista isso. — ela me estende a outra coisa. — É um roupão, vai servir pelo menos até a sua roupa chegar.

— Obrigado, Berta. — digo, fazendo a mulher sorrir ao me ouvir falar seu nome pela primeira vez.

— Demore o tempo que precisar, está bem? — ela acaricia meu braço e sai outra vez.

— Ok. — sussurro, sozinha.

Olho para a toalha em uma das minhas mãos, para o roupão na outra e depois para a porta do banheiro. Caminho até lá, colocando o roupão sobre o vaso e a toalha estendida no vidro do box.

Tiro minha roupa, as coloco em um cesto ao lado da pia e entro.

Observo os dois registros de água, com um símbolo em baixo de cada um; o da esquerda vermelho e o da direita azul-escuro. Abro o da esquerda primeiro e vejo que é de água quente, depois abro o da água fria, achando uma temperatura agradável da água.

Na minha casa não existia água quente, o máximo que se podia chegar perto era quando a temperatura do dia era muito alta e a água esquentava com ela. Nos dias frios era quase impossível de se tomar banho sem que pegasse uma hipotermia. Mas aqui não. Aqui a água é perfeita, em uma temperatura confortável e com a pressão de água perfeita.

Olho para o lado, vendo um espaço feito na parede onde estão os produtos de higiene. Eu os pego e leio os rótulos. Tem xampu, condicionador, sabonete normal, sabonete corporal e para rosto, demaquilante, esfoliante corporal e máscara hidratante para o cabelo. Penso o quanto isso tudo ganha só do meu pequeno sabonetinho que eu usava para tudo.

Apesar de me sentir no paraíso embaixo dessa água quentinha, não demoro e após me lavar com sabonete saio do chuveiro. Me enxugo com a toalha macia e visto essa coisa que Berta chamou de roupão. No começo é difícil colocá-lo, porque ele é aberto na frente e só depois de um tempo que vejo a fita ao redor para amarrar.

Me olho no espelho.

O roupão branco está meio grande para mim, meus cabelos molhados vão encharcar ele daqui a pouco e meu rosto está abatido. Eu evitava me ver no espelho de casa ou em qualquer outro lugar com reflexo, pois sabia que iria odiar o que veria. Meu rosto está muito magro e estou com olheiras, parece que o Sr. Prior trouxe um zumbi para dentro do seu apartamento.

Suspiro e amarro com mais força o roupão, torcendo para que ele não mostre nada das manchas roxas.

Caminho até a porta e a abro, paralisando ao ver os dois cachorros sentados me encarando, mostrando os músculos enormes para mim, quase como uma ameaça. Um dos pitbulls parece maior que o outro, ele é todo branco e com uma mancha em círculo ao redor do olho direito. A outra menor é totalmente marrom, com as duas patas da frente manchadas de branco. Apesar de serem enormes, não fazem nada, só ficam sentados me encarando com os olhos cor de caramelo.

Preciso me mexer, preciso ir até a cozinha, mas só de pensar em me mover entro em pânico, pensando no que os cachorros podem fazer. Eles com certeza vão me atacar.

— Berta. — chamo, mas meu medo faz minha voz sair baixa, quase um sussurro. Engulo em seco e respiro fundo. — Berta!

— Emily? — ouço seus passos virem depressa até o quarto e ela para na minha frente, sorrindo ao ver o meu estado. — Está tudo bem, não vão te atacar.

— O que está acontecendo? — pergunta Erick, vindo também da sala e parando ao lado de Berta. Agora, os dois estão encarando a mim e aos cachorros. Erick cruza os braços e sorri. — Me surpreende que ainda não pularam em cima de você.

Berta bate no peito dele.

— Não assusta ela, Erick. — Berta olha ameaçadoramente para ele e depois se vira para mim com um sorriso. — Não liga pra ele, só está tentando te assustar.

— Ok. — sussurro, olhando de volta para os cachorros ainda sentados me encarando. — Pode tirar eles daqui?

Erick ri.

— Só vão sair quando souberem que você é confiável.

— E como eu faço isso?

— Só se abaixa na altura deles. — fala.

Aceno que sim com a cabeça e me agacho na frente dos pitbulls.

No momento em que apoio com um dos joelhos no chão, o cachorro maior vem na minha direção devagar, cheirando o ar e depois as minhas mãos que estão estendidas para a frente, sinto cócegas quando o focinho molhado dele roça na palma da minha mão. Então ele olha para mim e pula na minha direção. Ele lambe a minha bochecha esquerda e depois a direita, ainda pulando animado em cima de mim e abanando o rabinho.

Sorrio e faço carinho nele, sentindo seu pelo ralo e macio.

O cachorro marrom se aproxima e faz a mesma coisa, enquanto o outro permanece ao meu lado, parecendo meio intimidado. Ele se aproxima e cheira minha mão por alguns minutos a mais do que o branco, mas no final ela apoia as duas patas nas minhas pernas e esfrega a cabeça no meu rosto.

Olho para Berta e Erick, observando enquanto ela está sorrindo e ele me encarando com os olhos arregalados.

— Eu disse que eles não iam te atacar. — Berta olha para Erick, e sorri ao ver a expressão dele.

— Pandora. — chama Erick, olhando para a cachorra marrom. Ele espera, talvez vendo se ela vai até lá, mas a pitbull fica parada ao meu lado, enquanto faço carinho nela também. — Thor. — ele olha para o outro cachorro, o branco, também ao meu lado.

— Você foi trocado. — sussurra Berta, se inclinando para perto de Erick.

Ele bufa e caminha de volta para a sala, enquanto Berta ri.

— Com fome? — pergunta, ao mesmo tempo em que me levanto.

Nós caminhamos de volta até a cozinha; Berta, Thor, Pandora e eu.

Erick já está sentado em uma das banquetas e me acomodo na que está de frente para ele, observando a quantidade de comida.

Há uma panela com feijão, arroz e macarrão. Uma travessa com filés de carne e frango com cebola e salada de alface e tomate. Posso sentir minha boca salivar ainda mais ao sentir o aroma da comida e perceber o quanto estou faminta, e a quanto tempo eu não comia.

Berta se senta ao meu lado, enquanto os cachorros se acomodam no sofá.

Ainda estou observando Erick e Berta se servirem nos seus próprios pratos, quando ela se vira para mim.

— Pode pegar o que quiser, não precisa ter vergonha. — fala, e tento sorrir.

Antes que eu tenha chance de falar algo mais, Berta pega o prato na minha frente e começa a me servir. Depois o coloca de volta na minha frente, e fico boquiaberta com a quantidade de comida que ela colocou.

— Você precisar comer, está magrinha.

Ela sorri para mim, me incentivando, em seguida acaricia meu ombro e começa a comer.

Também deixo escapar um sorrisinho e pego os talheres.

— Vai querer algo especial para o jantar hoje? — pergunta Berta para Erick.

Ele está prestes a encher a boca de macarrão e feijão, quando para.

— Acho que não. — responde e me olha, observando enquanto ainda estou encarando a quantidade de comida no meu prato. — A não ser que Emily queira algo.

— Eu? — pergunto, olhando para ele também. Só agora percebo que não está mais usando terno, mas sim uma camisa social azul escura. — Não precisa, obrigado.

— Depois que terminar de almoçar, vista as roupas que estão no sofá. — fala ele. — Michael as trouxe pra você.

— Obrigado, Sr. Prior. — agradeço.

— Qual é o seu plano pra hoje? — questiona Berta.

— Preciso arrumar ela. — fala, apontando com a faca na minha direção. — Preciso fazer com que pareça alguém decente. Não posso levar ela pra trabalhar comigo com essa aparência.

Olho para mim mesma e relembro como está a minha aparência. A Empresa Prior é uma das mais ricas e famosas de todo o mundo, se alguém como eu aparecer lá posso acabar com a reputação dele em segundos. Queria me sentir mal por ouvir ele falar assim, mas não sinto.

— Vou te deixar nas mãos do Michael, ele vai te levar aos lugares. — continua Erick.

— Vai voltar para empresa? — pergunta Berta.

— Sim. — responde, e depois olha para mim. — Vou voltar pra te buscar quando tudo estiver terminado e quando chegarmos vou explicar o seu trabalho. Entendeu? — balanço a cabeça. — Agora, coma. Não vai durar muito se ficar de barriga vazia.

— Ok. — e o obedeço.

Não lembro quando comi uma refeição tão deliciosa ou até mesmo quando estivesse rodeada de pessoas que não me batessem, ou me insultassem. Gosto de Berta, gosto do seu jeito gentil, do jeito como, mesmo eu estando há poucos minutos aqui, já está cuidando mais de mim do que qualquer um. E Erick também, mesmo ele parecendo frio e distante. Sei que não deve ser fácil colocar alguém desconhecido dentro da sua casa, por isso não quero preocupá-lo mais do que devo. Assim que conseguir me acostumar com a minha nova vida, vou pedir um pouco do meu salário e achar um apartamento para mim, sem incomodar os dois.

Quando termino de comer, coloco o prato na pia e o lavo. Depois pego a roupa do sofá e vou para o quarto. Assim que vejo a calcinha e sutiã de cor preta, sinto meu rosto ficar vermelho ao pensar que Michael sabe que roupa vou estar vestindo. Talvez até Erick saiba.

Isso me faz ficar ainda mais vermelha, mas os visto mesmo assim. Logo em seguida, a calça jeans, a blusa de manga longa e o tênis. O número é duas vezes maior que o meu atual, mas ainda fica confortável.

— Emily? — ouço uma batida na porta e a voz de Erick.

Caminho até ele e a abro.

Erick me observa de cima a baixo.

— A roupa ficou boa? — pergunta, sério.

— Sim. — respondo, esperando que eu não esteja demorando para não deixá-lo com raiva.

— Então, vamos. — ele começa a caminhar e o sigo. — Estamos saindo, Berta.

Ela ainda está arrumando a cozinha e lavando a louça, mas se aproxima para dar um beijo da bochecha de Erick e me abraçar.

— Se cuidem. — Berta abre a porta da casa para nós e acena na nossa direção, enquanto entramos no elevador.

Me observo rapidamente no espelho, enquanto Erick aberta o botão do andar, vendo como ficou a roupa. A blusa é cinza e a calça preta, assim como o tênis. Acho que Erick gosta desses tipos de cores.

— Por que você não trouxe nenhuma roupa? — vejo o reflexo dele perguntar a mim.

Abaixo o olhar, pensando que isso com certeza foi um incômodo. Ele teve que pedir a outra pessoa para comprar roupas para mim, alguém que ele nem conhece direito, e gastar o próprio dinheiro comigo.

— Porque eu não tinha nenhuma. — respondo, puxando a manga da blusa para cobrir os meus dedos.

— Agora não vai mais se preocupar com isso, vou dar algumas roupas pra você poder ir trabalhar. — fala, indiferente.

Não quero que ele gaste dinheiro comigo.

— Não precisa. — interrompo, fazendo com que me encare rapidamente. Penso em dizer que vou recompensá-lo e pagar pelos gastos que teve, mas em momento algum ele me disse que me daria um salário, só disse que me daria um emprego. Olho de canto para ele, nervosa. — Sr. Prior?

— Hm? — resmunga, ainda olhando para as portas fechadas.

— Eu vou ter um salário?

Não consigo levantar a cabeça para ver a reação dele, pois a minha vergonha está quase me matando, mas tenho certeza que o ouço dar uma risadinha.

— É claro que vai. Você vai receber o mesmo que qualquer outra funcionária comum receberia. — ele suspira. — Vamos começar com 10 mil nos três primeiros meses e se você se mostrar ser mesmo útil, vai ser 10 mil por semana.

O encaro com os olhos arregalados.

Isso é mais dinheiro do que posso contar, mais do que realmente precisaria.

Meu primeiro pensamento é guardar um pouco do salário e separar a outra parte para dar para a minha mãe. Quero que ela saia daquele lugar e comece uma vida nova, assim como eu. Quero dar uma nova chance a ela, assim como Erick deu a mim.

— Obrigado, senhor. — agradeço, sorrindo. — Assim que receber meu primeiro pagamento, vou pagar pelas roupas que você teve que gastar.

— Está preocupada que eu fique pobre por causa de 150 pratas? — sinto meu rosto queimar de vergonha, enquanto ele volta a olhar para frente. — Fique com o dinheiro, você precisa mais do que eu.

— Ok. — resmungo, juntando meus dedos na frente do corpo.

Mesmo Erick estando certo sobre isso, não consigo deixar de me sentir envergonhada ao ouvir ele falar assim.

Quando as portas do elevador se abrem, caminho em direção ao carro e entro, pensando que mais uma vez, só hoje, estou indo rumo a um destino desconhecido.

Uma Nova Chance Where stories live. Discover now