Capítulo 5

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Eu estava começando a acreditar que se existia um Cara lá em cima, ele não me queria trabalhando de noite ou não me queria andando de bicicleta. Ou, talvez, fosse o próprio destino me dizendo que eu não devia continuar a levar a minha vida sob duas rodas e na mesma rotina louca que eu mantinha dos últimos quatro meses e meio. Era mais do que suficiente continuar a trabalhar apenas na cafeteria, uma vez que eu não pagava mais um aluguel. Como se eu não tivesse mais nenhuma dívida para quitar além dessa. A vida pode mesmo ser uma vagabunda e o destino te sacanear.

Assim que eu consegui me livrar do meu braço engessado – do gesso e não do braço, ok?! – a primeira coisa que eu fiz na manhã seguinte foi trabalhar de bike. Tinha doído um pouco, mas eu consegui administrar o meu peso em minhas pernas e no meu braço oposto. Mikhail tinha me separado entregas leves e poucas delas já que esse era ainda minha primeira noite retornando às atividades. Quase um mês depois, sem pedalar, minhas pernas arderam mais rápido do que eu esperava, mas era suportável ainda. 

Eu devia ter pressentido ou, ao menos, percebido que aquilo estava para acontecer. Ainda na minha primeira noite de retorno, eu tinha derrapado no asfalto aparentemente seco – o que era bastante comum agora que estava começando a nevar –. No dia seguinte, o meu pneu furou antes mesmo que eu conseguisse chegar ao café. Por sorte, o Mikhail enviou seu amigo bicicletário para me socorrer – vamos ignorar o fato de eu ter pagado pelo pneu novo –. Nas duas noites seguintes, a Celeste me pediu para cobrir uma parte do plantão dela, dizendo que me pagaria o dobro se eu fizesse seu trabalho de rascunhar o inventário do estoque. Basicamente, ela queria que eu prestasse conta das comidas, bebidas e utensílios. O que eu, obviamente não sabia fazer. Mas era o dobro do dinheiro, então eu dei meu jeito. Só espero não ter feito nada errado e me dar prejuízo extra.

Achei que tudo voltaria ao normal quando eu tive um dia de trabalho em paz na sexta-feira. Nenhum imprevisto na ida até o café, eu não estava atrasada, ninguém tinha faltado para me dar trabalho extra, nada de estender até o horário noturno, encomendas organizadas e separadas como o Mikhail sempre deixou, nenhum problema nas entregas e nem no meu retorno para casa. Mason tinha deixado uma parte da marmita do jantar dele para mim na geladeira e já tinha ido se deitar por ter uma reunião na manhã seguinte. Uma das raras, já que ele não trabalhava aos sábado. A não ser que fosse realmente necessário. Final de mês é mesmo uma merda, mas estava sendo estranhamente agradável para mim.

Eu queria muito ter conseguido uma carona com ele de manhã. O inverno era a pior época do ano para mim. Não apenas porque eu detestava o frio, mas você já imaginou como é pedalar durante o inverno? Isso ai. É horrível! Dói até a alma e isso me obrigava a abandonar a minha bicicleta por mais de um mês ou até dois dependendo do quão frio seria esse inverno, mas depois de ter ficado quase o mês inteiro andando de ônibus e sem fazer entregas – consequentemente, sem receber o dinheiro extra –, eu tive que me enfiar em mais roupas e uma balaclava sob o capacete para suportar um mínimo do frio cortante. Agora, as roupas extras, ao menos, poderiam ter me ajudado quando no sábado, já voltando para casa, eu fui atropelada.

Quando a pessoa é fodida, não tem o que ser feito. Fodida hoje, fodida sempre. Vou dizer que não foi minha culpa, embora eu não me lembre de muita coisa. Em um minuto eu estava virando à esquerda na rua em que eu morava e no minuto seguinte, eu estava estatelada em uma pequena montanha de neve do outro lado da rua. A única coisa que eu consegui pensar antes de apagar foi um "porra, de novo não!".

Minha sorte foi que meu apagão acabou antes mesmo que o motorista da ambulância pudesse sair dali comigo. Eu quase saltei da maca e o socorrista que estava comigo deve ter jurado que eu estava tendo uma crise epiléptica ou uma convulsão. Porque eu realmente me debati para sair dali. Depois que eu aprendi que algumas ambulâncias podem não me cobrar se eu não for levada até o hospital e outras podem me cobrar apenas por ter ligado para eles, eu nunca mais me permiti passar a menos de dez metros de distância de uma ambulância. Tenho certeza que só cruzar o caminho deles já tinha uma taxa imensa a ser paga.

Per te, mi amoreWhere stories live. Discover now