𝐈𝐧𝐭𝐫𝐨𝐝𝐮𝐜̧𝐚̃𝐨 (𝐏𝐭.𝟐)

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2013, após a morte de Julia Klum

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2013, após a morte de Julia Klum.

Tive a impressão de abrir os olhos várias vezes em intervalos tão distantes que pareciam intimamente interligados.

Na primeira vez, tudo era escuro e mergulhado em um silêncio sepulcral. Meu corpo estava deitado em algo sólido ao mesmo tempo em que parecia flutuar num vácuo do espaço. Pensei que daria para ouvir até o palpitar do meu coração, mas nem ele tinha coragem de bater para arruinar a quietude. Quando tentei respirar, meus pulmões não obedeceram e meu pescoço latejou uma fisgada.

Na segunda vez, fui acordada — se é que estava dormindo — pela indelicadeza de um grito ao rasgar o vácuo. Um grito por socorro, ao que parecia. Minha vista ainda estava turva e eu não via ninguém, apenas farejava o desespero impregnado nas palavras. Eu poderia ter reconhecido inúmeras das vozes, mas continuava me perguntando como não conseguia respirar sem sufocar até a morte.

Na terceira vez, havia uma luz.

Era um foco luminoso discreto, bem pequeno, que dominava todo o ambiente. Como uma lua que segue alguém a noite toda pela calçada, o ponto de luz seguia meus olhos para onde quer que eles se desviassem; era um pedido bem claro para que eu o seguisse também. Ele parecia longe, uma miragem dançando na beira do deserto, mas eu não tinha pressa. Estava com todo o tempo do mundo.

Então, confusa por ainda não ter feito aquilo antes, me levantei.

Minhas pernas se moviam normalmente, embora eu não estivesse andando. Era mais uma sensação de voar, que me permitiu alcançar o foco muito mais rápido do que eu previra.

Ele tremulava em luz bem na minha frente, brilhando em uma bola branca sem contornos. Era quase como se fosse explodir, mas estendi as mãos de qualquer maneira.

Inesperadamente, o ponto sumiu, repelindo o meu toque, apesar de eu não ter demorado a encontrá-lo novamente.

Longe de novo. No outro infinito do vácuo.

A ira me invadiu muito fácil. Era como se já estivesse pronta, na expectativa de uma única brecha para aflorar em cada nervo do meu corpo — mas não era uma raiva comum. Era algo muito maior do que eu, uma entidade. Ela literalmente me movia, ateava fogo em minhas entranhas. As labaredas dos sentimentos ruins me consumiam e incineravam todos os vestígios de quem eu um dia havia sido.

Não pude sentir mais nada dentro de mim depois de outra tentativa frustrada de apanhar a bola fujona.

A raiva era soberana, uma injeção cavalar, me obrigando a berrar para expulsá-la um pouco de mim através de cada decibel. Eu teria me assustado com a minha própria fúria.

Num último grito, eu me lancei sobre o foco luminoso e o agarrei. Sabia que o agarrara, por mais que não identificasse sua consistência em minhas mãos. Ele não mudou de posição e a raiva não foi embora, mas ficou quieta. Talvez ela quem estivesse gritando.

Esperei, estranhamente consciente de que não havia mais nada a fazer. A luz se expandiu com rajadas implacáveis, depois de um breve segundo em intermináveis milênios.

Virei o rosto e fechei os olhos para protegê-los da claridade. Nada pareceu acontecer, mas, quando abri de novo, o vácuo havia se transformado em um lugar real que eu ainda conhecia muito bem.

No quarto de Heather, a garota dormia pacificamente com a baba no travesseiro, o zumbido do ventilador de teto e a luz no centro de seu peito.

Eu recolhi as mãos, e o ponto cintilante se ofuscou para dentro do coração de Heather lentamente, como se voltasse pra casa.

Ela se remexeu na cama, cobriu-se com o lençol, e eu entendi. De repente, entendi.

E, tão de repente quanto, minha raiva se tornou perpétua. 

Pra me encontrar nas redes, é @hounselllara2 no passarinho e @hounselllara no Instagram ッ Obrigada pela leitura e até o próximo domingo!

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Mariposas de Sangue | ⏱️Where stories live. Discover now