"Gosto dessa definição: o abraço é o encontro de dois corações."
- Cazuza
Narrado por Alyce
Eu nunca achei que fosse viver como uma adolescente normal, porque os meus pais e irmãos sempre me trataram de forma tão especial que eu mal sabia o que fazer quando tinha ficava sozinha por meros segundos, e por mais que alguns achem esse tratamento um barato, o meu maior desejo sempre foi me sentir comum um pouco. Uma das coisas que mais me incomodavam era o fato de não conseguir ler muito, porque, por algum motivo maldito, eu fico confusa demais depois de ler muitas palavras. É como se as letras que formam as palavras e as palavras que formam as frases começassem a deixar de fazer sentido e se embaralharem.
"Não me acordou. Está tudo bem." - Alyce Baker, às 23h37.
"Ainda bem, então. Enfim, como você soube o meu nome?" - Owen Atlas, às 23h37.
"Por que isso importa?" - Alyce Baker, às 23h37. Não quero dizer que perguntei para o meu irmão.
"Se me responder, talvez eu fale." - Owen Atlas, às 23h38.
"Eu perguntei pro meu irmão no dia que te ajudamos." - Alyce Baker, às 23h39.
"Por quê?" - Owen Atlas, às 23h39.
"Se me responder, talvez eu fale." - Alyce Baker, às 23h39.
Eu estou sorrindo e meu estômago parece estar guardando uma festa de fogos de artifício, mas quando recebo a sua outra mensagem sinto extrema dificuldade para lê-la. Eu finalmente me lembro do sério problema que tenho com leitura.
- Droga... - murmuro, já sentindo vontade de jogar o meu celular no chão. As letras parecem sair de seus devidos lugares e eu não consigo entender nada do que a mensagem de Owen diz. Bato na minha testa e me sento na minha cama, pensando no que fazer.
Sem saber se eu ferrarei com tudo ou não, toco na imagem pequena de um telefone, ligando para Owen. Enquanto ouço o barulhinho apavorante de que ele está recebendo a minha chamada, fecho os olhos com força e tento parar de sentir vergonha de mim mesma.
-Olá... - ele atende, obviamente confuso. Eu respiro fundo, decidindo se estou aliviada, encantada pela sua voz ou envergonhada.
- Aconteceu um pequeno problema e não consigo ler as suas mensagens. - digo para o telefone.
- Tudo bem. - ele diz, e o imagino sorrindo.
- O que dizia na sua mensagem?
- Que às vezes falam coisas ruins de mim, queria saber se não encheram sua cabeça com essas merdas. - a forma como ele fala me deixa um pouco surpresa.
- Que tipo de coisas?
- Não é a sua vez, Alyce? - não entendo, mas depois de alguns segundos pensando, me lembro que ele quer uma resposta para a sua pergunta.
- Eu disse talvez. - mal consigo me imaginar dizendo que estava interessada nele e nos seus olhos. Ouço ele suspirar, então fico com medo de se sentir decepcionado pela minha resposta - Eu queria saber quem é você. - fecho os olhos com força, agradecendo por não estar aqui.
- Entendi. - não consigo acreditar que passei por cima da minha vergonha para ouvir um "entendi".
- Agora é a sua vez.
- Eu... - ele começa a falar, mas se interrompe - Eu não vou dizer.
- Por quê?
- Quero usar isso como desculpa pra te encontrar. Posso? - ele me pegou tanto de surpresa que levei mais do que simples segundos para responder. Meu coração para de bater por um tempo, pela sexta ou sétima vez desde que o vi na biblioteca.
- Pode.
- Quando? - estou pronta para dizer que quando ele quiser, mas a minha porta é aberta inesperadamente e eu tiro rapidamente o celular da minha orelha, o colocando atrás de mim. Meu irmão sorria, mas parou quando viu que eu conversava com alguém, e simplesmente arqueou uma sobrancelha enquanto cruzava os braços.
- O que foi, Alan? - eu me lembro que a minha chamada com Owen ainda está em andamento e quero encerrá-la, mas não posso deixar que o meu irmão veja isso.
- Com quem estava conversando?
- Não te devo satisfações. - desvio o olhar.
- Espero que não seja com quem eu imagino que é, Alyce. - engulo em seco, ainda sem o olhar - Espero mesmo que não seja, porque eu não deixaria um cara desses acabar com você. - estou pronta para dizer que não entendi e pedir uma explicação, mas ele se vira e bate a porta, voltando para de onde veio. Rapidamente pego o meu celular outra vez, mas vejo que Owen acaba de desligar a ligação.
"Owen?" - Alyce Baker, às 23h52.
"Ei." - Alyce Baker, às 23h59.
"Tá aí?" - Alyce Baker, às 00h07.
Depois de mais dez minutos esperando uma resposta sua, ele finalmente fica online e visualiza as minhas mensagens, mas não responde nenhuma delas. Então sai outra vez e eu passo mais alguns minutos parada olhando o celular. Ele não fica online mais nenhuma vez, até que recebo uma chamada sua. Atendo, sorrindo de orelha a orelha, depois de conferir as horas e ver que são duas e meia.
- Hey. - a sua voz está diferente, arrastada e como se tivesse com uma maçã na boca.
- Hey... Desculpa por aquilo, o meu irmão apareceu do nada aqui e... - ele me interrompe.
- Tudo bem, Alyce. - ele respira fundo - Eu desliguei porque aconteceu um imprevisto. Estou... bem, agora. Podemos conversar. - ele parece confuso e fala de forma extremamente enrolada.
- Você não estava bem?
- Eu acho que se você me visse acharia que eu não estou bem, mas eu estou bem. Os outros ficaram em situações piores.
- Que outros?
- Os caras que falaram da minha mãe. - ri levemente.
- O que aconteceu entre vocês? O que tem a sua mãe?
- Eles tentaram me bater porque não conseguiram nada com ela. Então eu acabei com eles. Eram três, mas eu estou bem. - diz com dificuldade.
- Onde você está? - pergunto, depois de pensar por vários e vários segundos se deveria ou não ajudá-lo.
- Perto da sua casa. Eu estava... indo te ver. - sorrio, algo lá no fundo da minha mente me diz que é mentira, mas ignoro.
- Eu estou indo te ajudar. - digo enquanto troco o meu short de laica por uma calça jeans.
- Eu diria que estou bem e não preciso de ajuda, mas eu quero ver você. - tosse, antes de respirar fundo. Eu calço o primeiro par de tênis que vejo e solto o meu cabelo.
- Onde você está? - sorrio.
- Eu vou ir andando até a esquina da sua rua, me espere lá. - encerra a chamada. Eu franzo o cenho, sem entender nada
- Tá bom. - digo para o vento. Saio do meu quarto da forma mais silenciosa que consigo e desço as escadas nas pontas dos pés. Destranco a porta com as minhas chaves e depois de sair para fora de casa, a tranco e guardo o meu chaveiro no bolso.
Eu ando apressadamente até onde deveria estar e não paro de conferir as horas no celular, me perguntando se ele vai demorar muito ou não. Ele finalmente dobra uma esquina e vem em minha direção lentamente. Está escuro e por isso só consigo ver os seus machucados quando está a menos de cinco metros de mim. Ando até ele e arregalo os olhos.
- Você fica linda com olheiras, Alyce. - ele diz e eu já estou vermelha.
- Como você consegue dizer que está bem? - me aproximo mais e olho para as suas mãos. Os nós de seus dedos estão inchados e sujos de sangue, na mesma situação que a sua testa e olhos. A sua camisa também está suja, e a calça levemente rasgada. Ele sorri e se senta no meio-fio, me sento ao seu lado.
Eu não sei se a minha dificuldade em ler ajudou ou não a fazer com que eu chegasse nesse momento, mas eu sinto que sim. Pela primeira vez eu não odiei esse sintoma, porque não me senti tão anormal ali com ele.
-----------------
Oioioi. Mil perdões pelo capítulo chatinho, okay?
Amo vocês que estão lendo e gostando de Asp., obrigada pelos comentários e votos!
Parabéns, Iris <3