Capítulo 02

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"Tudo o que você pensa e sofre, dentro de um abraço se dissolve."
- Martha Medeiros


Narrado por Alyce


A hiperatividade é um sintoma do meu distúrbio, e eu não sei o que sinto em relação a ele, mas eu consigo me aquietar quando estou parada diante a minha janela, vendo o céu rosa. A minha quietude é um momento que acontece só uma vez por dia, e que, felizmente, todos - não que sejam mais de quatro pessoas - ao meu redor respeitavam e me deixavam em paz.


A minha mãe, Louise, quer conversar comigo, eu sei disso porque ela se encontra encostada no batente da porta do meu quarto, me olhando. Ela não ousa me interromper, pois sabe que nada de bom surgiria disso. Na única vez que me interrompeu, em um dos meus primeiros dias como amante do céu rosa, eu me desesperei e comecei a gritar sem parar e todo o controle sobre mim sumiu.

Quando o céu se torna azul por completo, a minha mãe liga a luz e se senta na minha cama, ao meu lado. Depois de anos observando o céu, meu irmão me presenteou com um puff branco, para me sentar quando fosse fazer a minha atividade de rotina. Eu não gostava de tirar a cadeira da penteadeira do meu quarto, que serve como a mesinha do computador.

- A Srta. Hills me ligou, dizendo que você saiu da sala sem mais nem menos, pode me dizer o que aconteceu? - ela tem cabelos castanhos e olhos azuis iguaizinhos aos meus. Eu gosto de dizer que eles são o céu da tarde, e os do meu pai, que são amarelados e bonitos, o sol. O seu céu é o contrário do céu do homem da biblioteca.

Cindy me disse que eu relaciono olhos a astros e elementos da natureza também por causa do distúrbio, mas gosto de acreditar que é apenas uma característica minha ser fascinada por ordenar cores de olhos. Eu simplesmente não consigo fazer isso com os meus, porque os odeio. Eu não sei porque, já que amo os da minha mãe, mas acho que é pelo fato de que não consigo fixar meu olhar neles, quando estou parada em frente ao espelho.

O meu cabelo é preto e volumoso, o meu pai até me apelidou de Atlas, por ele ser parecido com a juba do leão-do-atlas, um leão africano que era caracterizado por ter a juba preta. Eu não gosto de como é o meu cabelo e por vezes tentei deixá-lo como o das garotas da minha rua, que são baixos e extremamente lisos, mas ele é rebelde demais para que eu consiga.

Eu não saio muito de casa, apenas às quartas-feiras quando sou praticamente obrigada a ir ao GAA - essa é a sigla do grupo de apoio que eu nunca entendi -, e por isso não tenho nenhuma marca de bronzeado na pele, muito menos marcas do sol. A minha irmã, Alyson, me disse que eu teria sucesso ao fazer cosplay de Gasparzinho - o Fantasminha Camarada. Isso me lembra a cor da pele do dono dos olhos noturnos, que é clara, mas não tanto quanto a minha.

Não estou acima do peso, por não conseguir ter mais de três refeições por dia - nunca consegui.

- Eu não gosto dela. Eu gostava da Mary. - Mary era a psicóloga que cuidava do grupo de apoio, antes de se aposentar e Srta. Hills, a impostora, assumir o seu cargo. Que tipo de pessoa diz que só gosta de ser tratada como Srta. Hills? Na verdade eu acho que ela diz isso para que todos os homens saibam que ela está solteira ¹.

- Mas você não aceitou fazer terapia com alguém que não seja a Cindy. Eu te disse que poderia ficar sem ir ao grupo de apoio caso continuasse com a terapia.

- Eu não quero contar tudo o que sinto para uma estranha. Cindy é minha amiga. - e a única.

Cindy acabou de ter bebê - que eu fui visitar e não consegui parar de associar o rosto a um joelho - e repousará por certo tempo até poder voltar a trabalhar.

Asp. - HiatusWhere stories live. Discover now