Encarando meu reflexo no espelho da sala agora, pareço uma boneca. Não aquelas bonitinhas com as quais as crianças amam brincar, e sim uma marionete. Uma marionete que tem sempre que sorrir e parecer a filha perfeita da família S/S.
Meus pais não param de falar o quanto eu estou bonita agora, mas eu só consigo pensar que eles estão falando isso da boca para fora, para que eu esteja radiante na hora de tentar conquistar o filho mais novo dos Todoroki.
É um saco a ideia de casamento arranjado. Eu nunca concordei com isso. Shoto nunca concordou com isso. Fim.
Mas nossos pais insistem nessa união, já que será benéfico financeiramente e socialmente para os dois.
Isso sempre me incomodou, mas o que me incomoda mais são os encontros que nossas famílias estão sempre marcando para nós dois.
Nós não somos íntimos, nem conversamos direito. Apenas fingimos estar interessados um no outro enquanto vamos passear longe dos nossos pais.
Funciona.
Só que a parte mais difícil é a imprensa. Como nossas famílias são conhecidas pelo mundo, precisamos posar constantemente como um casal de verdade. Que se ama de verdade.
E refletindo sobre isso agora... Eu quero tentar começar uma amizade com o Shoto. Como eu disse antes, mal nos falamos, apesar de passarmos três dias da semana juntos. Vai ser mais fácil se, pelo menos, formos amigos.
Na verdade, tenho pensado nisso há um tempo. Por isso estou tentando pensar em um assunto para puxar agora, para que a nossa volta pelo parque não pareça tão constrangedora.
— Shoto. -O chamei, sendo respondida com "Hm"- Me passa o seu número?
Shoto: Meu... número? -Assenti- Pra quê?
— Bom, eu acho que seria legal conversar com você de vez em quando para... você sabe. Desfazer um pouco essa tensão. -Apontei o dedo para nós dois.
Shoto: Se é isso que você quer, eu passo sim. -Respirou fundo- Também estava pensando nisso. Somos noivos e só sabemos o básico um do outro.
— Para falar a verdade, você sabe bem mais sobre mim do que qualquer outra pessoa.
Shoto: Ah é?! -Afirmei.
— Ser criada em berço de ouro te limita um pouco. Quase nunca tive amigos, então a primeira pessoa com quem converso para valer é você. -Balancei os ombros- Apesar de não nos falarmos muito.
Shoto: Eu digo o mesmo. -Olhou brevemente para mim- Você sabe sobre o lado podre da minha família e me conhece bem mais do que o meu pai.
— Imaginei. -Sorri- Que tal irmos comer alguma coisa? Como um verdadeiro encontro dessa vez.
Shoto: Um encontro?
— Aham. Somos noivos, mas nunca tivermos um encontro para nos conhecermos porque queremos. Sempre foi arranjado.
Shoto: Tem razão. -Colocou uma mão no queixo- E agora nós queremos saber mais um sobre o outro. -Ficou em silêncio por um tempo, segurando a minha mão repentinamente alguns segundos depois- Vem. Já aprendi à identificar quando você está com fome, e posso afirmar que você está faminta agora. Vamos lanchar.
— Você realmente me conhece mais do que qualquer um. -Nos olhamos, sorrindo um para o outro, mas desviando o olhar em seguida.
Passo 1 para amizade: Concluído.
[...]
Shoto: E então, preparada? -Perguntou estendendo a mão para me ajudar a sair do carro.
— É... Mais ou menos. Quer dizer, não. Talvez. Eu não sei! É a primeira vez que fomos convidados para fazer uma entrevista ao vivo e transmitida para o mundo todo.
Ele deu um meio sorriso, apertando a minha mão um pouco mais forte.
Se passaram dois meses desde que decidimos ficar amigos para deixar isso tudo menos estranho. E está funcionando.
Ele até começou a gostar de contato físico.
— Agora me explica... -Ele me olhou- A gente não devia estar no local da entrevista? Por que viemos até essa praça?
Shoto: Eu te conheço o suficiente para saber o quão nervosa você estava, achei que uma caminhada iria te ajudar, S/N.
— Poxa, somos noivos há seis meses e você não me chama nem por um apelido carinhoso? Que maldade. -Estreitei os olhos, esbarrando meu ombro com o dele- Brincadeirinha. Você sabe que eu só falo besteira quando estou nervosa. Tem razão, uma caminhada pode ajudar.
Começamos a conversar enquanto passávamos por uma parte feita para crianças. E me admira o quanto as nossas conversas evoluíram, além de mais naturais, realmente nos divertimos com esses encontros.
Até lembrarmos que tudo é arranjado.
Mas isso é detalhe.
— Olha, Shoto. -Me abaixei para olhar melhor o canteiro de flores- Essas são as minhas preferidas. -Estiquei o corpo para segurar uma das pétalas.
E eu juro que não sei como.
Juro.
Mas em um piscar de olhos, eu estava coberta de água, tinha uma criança chorando e um baldinho de brinquedo estava caído há poucos centímetros de onde estávamos.
— Meu Deus. -Arregalei os olhos- Você se machucou? -Olhei para o garotinho que chorava, e ele apenas negou com a cabeça- Que bom! Olha, não precisa chorar. -Tirei uma nota de dinheiro da carteira, tomando cuidado para não molhá-la- Aqui, vai comprar um algodão-doce para você.
O menino sorriu e me abraçou antes de ir correndo até o carrinho de doces no meio da praça, sorrindo de orelha a orelha.
Shoto: Você está bem? -Indagou com os lábios próximos à minha orelha, com as mãos em meus cotovelos para me ajudar a levantar.
— Ãhn... Estou. Eu acho.
Shoto: Ah, sim. -Tirou o paletó para colocá-lo sob meus ombros, ficando apenas com uma camisa social- Devo admitir que foi incrível ver isso.
Olhei melhor para o rosto dele. Impressão minha ou ele está tentando disfarçar uma risada?
Tenho certeza que está.
— Pode rir. -Suspirei- Eu deixo. -Cruzei os braços, não conseguindo evitar o riso também- Vai mesmo usar o seu paletó de marca e caríssimo para colocar em uma doida com um vestido chique?
Shoto: Uma doida não, minha noiva. -Murmurou- E é claro que eu vou, não ligo para essas coisas de preço, e não quero que fique doente. Só que... O seu vestido para a entrevista ficou arruinado. -Respirou fundo, me analisando- Tive uma ideia. -Segurou o meu pulso, me guiando de volta para o carro.
— Eu deveria ter medo? -Brinquei.
Shoto: Talvez... -Devolveu a piada, o que me surpreendeu- Brincadeirinha. Não é nada demais. -Passou os braços pelos meus ombros, ajeitando o paletó dele em mim- Pensei em irmos até a minha casa. A Fuyumi tem várias roupas de gala, e ela ama você, certeza que não se importaria se você pegasse emprestado.
— Ir até a sua casa? Tem certeza? -Cruzei as mãos, nervosa.
Shoto: Fica tranquila. Se você não quiser ficar, só troca de roupa e a gente vai embora. -Sorriu.
Que atencioso...
[...]
— Estou pronta. -Anunciei- E eu acabei de perceber que se não formos logo vamos nos atras- ...Shoto? O que foi?
Passei a mão na frente dos olhos dele. Por algum motivo ele estava meio paralisado, sei lá.
Shoto: Ãm... É. Oi. -Desviou o olhar- É só que esse vestido caiu bem em você. Azul é a sua cor. -Ele saiu andando até a porta, ainda sem me olhar- V-Vamos.
Ri e passei pela porta -Que ele estava segurando para mim-, indo até o carro.
É... o cavalheirismo não morreu.
O caminho até o prédio onde a entrevista vai acontecer foi relativamente silencioso. Eu estou nervosa, e Shoto sabe disso, ele está apenas me dando tempo para processar.
Afinal, é a nossa primeira entrevista desde que decidimos começar uma amizade. Nós sempre tínhamos que decorar respostas prontas e agir como um casal apaixonado.
Mas agora isso vai ser natural.
Comecei a ficar mais nervosa ainda quando Shoto simplesmente sumiu. Eu cheguei no set sozinha e daqui à exatos quarenta e dois segundos eu entro no estúdio para começar a responder as perguntas.
Mas o meu noivo desapareceu.
Socorro.
Entrevistadora: E aí está ela! A nossa estrela, S/N S/S. -Falou aumentando o tom de voz a medida que eu chegava mais perto dela- É um prazer receber a queridinha do Japão aqui. -Sorriu- E pelo que vejo, seu noivo está atras-
Shoto: Eu estou aqui. -Entrou correndo pelo mesmo lado que eu- Desculpem o atraso. Fui buscar isso para a S/N. -Sorriu, me entregando uma flor em seguida- É a favorita dela. -Sussurrou para a câmera, como se estivesse contando um segredo aos telespectadores- Para você, amor. -Deu um beijo na minha testa- Viu?! Eu te chamo por apelidos carinhosos, sim. -Murmurou no meu ouvido, sorrindo.
Um coro de "Oown" foi ouvido, provavelmente vindo da plateia, não sei. Estou atordoada demais intercalando o olhar entre a flor e o Shoto.
— Obrigada, amor. -Sorri, segurando a mão dele em seguida.
O que me preocupa é:
Eu não planejei falar esse "amor", como nas outras entrevistas, simplesmente saiu. Foi tão natural que até eu estou assustada.
Entrevistadora: Hoje os pombinhos parecem estar mais apaixonados do que nunca, não é?! -Disse olhando para a câmera- E vocês dois são tão fofinhos. -Se aproximou, usando uma mão para apertar a bochecha do Shoto e a outra para apertar a minha- Bom, vamos começar. Por favor, sentem-se.
Assim que nos acomodamos no pequeno sofá, a enxurrada de perguntas começou. A maioria foi direcionada à mim, já que o Shoto é mais recluso.
Embora ele quase tenha feito eu enfartar ao vivo. Porque, enquanto eu estava no meio de uma resposta, Todoroki passou o braço sorrateiramente pelas minhas costas até sua mão direita se firmar na minha cintura.
E detalhe:
Ele segurou a minha mão repentinamente e beijou os meus dedos.
Enquanto. Eu. Estava. Respondendo.
Quase morri.
E quando eu o questionei com o olhar, ele só sorriu.
Todoroki não fazia isso nem quando tínhamos que fingir.
A entrevista chegou ao fim rapidamente. Foi até mais fácil de responder, já que dessa vez nós realmente nos conhecemos, e não precisamos decorar um roteiro com as possíveis perguntas e suas respostas.
— É isso aí! Nos arrasamos. -Comemorei enquanto saíamos da emissora de mãos dadas.
Shoto: Você arrasou. Eu não fiz praticamente nada do que eu quis. -Deu de ombros.
— Nada do que você quis? -Ele arregalou os olhos e desviou o olhar. Então eu só ignorei- Enfim, foi bem melhor do que eu esperava. E nem inventa de dizer que não fez nada, amor.
Parei de andar assim que eu percebi que eu o chamei de "amor" de novo. Ele parou alguns segundos depois, olhando para mim de forma preocupada.
Shoto: O que houve? -Senti meu rosto esquentando.
— Você não percebeu? -Apertei a mão dele inconscientemente.
Shoto: Percebi o que? -Pegou a flor que ele havia me dado mais cedo, colocando-a na minha orelha.
— Ãn... Nada. -Sorri- Mas sério, foi até que divertido. -Respirei fundo- E obrigada. Pelo vestido, pela flor, pela volta no parque... Enfim, por tudo.
Me estiquei um pouco, ficando na ponta dos pés para dar um beijo na bochecha dele.
Mas assim...
Ele virou o rosto na hora, e o beijo na bochecha se transformou em um selinho.
— Você sabe que isso vai estar em todos os jornais amanhã, não sabe?! -Perguntei rindo assim que nos separamos, indicando uma mureta com a cabeça, onde vários jornalistas dessa imprensa estão muito mal escondidos.
Shoto: Eu sei. -Sorriu minimamente- Mas não me importo. -Se aproximou do meu rosto- Amor.
Arregalei os olhos, dando um tapa no peito dele em seguida.
— Sabia que você tinha percebido.
Shoto: Aham, percebi. -Colocou a mão na minha cintura, me puxando para mais perto- Você se sente meio desconfortável sabendo que vai aparecer em vários jornais amanhã?
— Nem um pouquinho. Por quê?
Shoto: Porque eu estou com muita vontade de beijar você.
Ambos sorrimos, nos aproximando mais um do outro até quebrarmos toda a distância com um beijo.
E nada comparado à um selinho, se me permite dizer.
E de repente, o único som que eu consegui escutar foram os flashes de câmeras.
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