23.

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Avisei à escola de Louisa que ela não iria quando acordamos na manhã seguinte. Apressei-me em ir embora por me sentir demasiado constrangida pela madrugada anterior. Despedi-me de Lexis com carinho e apenas agradeci Jonah repetidas vezes.

Pegamos a estrada de volta para casa, nós duas. Ao chegar em casa, esta estava imaculada. Não havia um traço de vidro ou porcelana estilhaçados pelo piso, muito menos sangue ou a visão de Collin bêbado. A única coisa que fora deixada, eram dois envelopes brancos acima da mesa de jantar de madeira.

— Meu amor, acho que isso é para você. — Estiquei minha mão onde um dos envelopes estava sobre, com "Para Louisa, com amor" escrito na letra de Collin.

— É do papai. — Ela encarou o papel, receosa. — Você pode ler primeiro? Para ver se tem alguma coisa ruim? — Murmurou. Isso fez meu coração doer tanto...

— Sim, claro. Quer que eu leia em voz alta? — Indaguei, engolindo a seco.

— Por favor.

Ela se encaminhou até a poltrona da sala onde Luci costumava se assentar e esperou que eu me sentasse primeiro para se acomodar em seu colo. Abri o envelope endereçado à menina e iniciei a leitura em voz alta com calma:

"Querida Louisa, minha filha.
Talvez, em todos esses seus breves anos de vida, eu não tenha conseguido demonstrar meu amor por você. Não fui ensinado a amar quando mais jovem, nem quando mais velho. Nem nunca. Jamais fui capaz de amar sua mãe, ou até mesmo meus pais, mas então você chegou e fiquei apavorado com a ideia de te amar. Por muito tempo, tentei não ceder aos seus olhos lindos, ao seu sorrisinho adorável e ao seu jeito único de ser, tão especial e singelo, singular. Não consegui. Durante todos esses anos, desde que você nasceu e eu te vi pela primeira vez, eu te amei imensamente sem saber como demonstrar isso. Sinto muito por não ser o pai que você merece e por te pôr em situações demasiado dolorosas a alguém tão jovem e ingênuo, filha. Em compensação pela minha existência, você tem a melhor mãe que poderia ter. Que qualquer um poderia ter. E eu reconheci isso ontem, quando tudo aconteceu tão rápido, que eu disse que coisas que não queria dizer e fiz coisas que não deviam nem passar pela minha cabeça, seja em qual instante for. Ela te protegeu e faria o que estivesse ao seu alcance para sempre fazer isso.
Hoje mais cedo, parti. Eu sinto, porém não posso ficar. Estou doente e preciso de tratamento. Irei para Gaya, onde há um centro de reabilitação que fica suficientemente longe para que nada como o que ocorreu ontem possa voltar a ocorrer. Eu vi o terror em seus olhos e não sei se um dia você irá me perdoar. Prometo que, quando eu estiver bem, voltarei. Eu sempre voltarei para te ver, contudo jamais para ficar por muito tempo. Você merece mais, Lou. Merece ficar com a sua mãe, mas não há mais como ficar com nós dois. Espero que entenda, filha. Espero mesmo, mas entenderei se não compreender.

Eu te amo, Louisa. Peço perdão.
Com amor,
seu pai, Collin."

Surpreendi-me com o conteúdo da carta tanto quanto a menininha em prantos em meu colo. Não sabia quais eram seus sentimentos naquele momento, mas não soube sondar. Deixei a folha sobre a mesa ao lado da poltrona e a abracei com força. Um abraço de mãe pode resolver um pouco as coisas, eu acho.

Nós duas permanecemos naquele embalo pelos minutos que se seguiram até ela levantar a cabeça do meu ombro encharcado por suas lágrimas e dizer:

— Ele disse que me ama. — Sorriu.

Alívio.

— Sim, querida. Ele te ama. — Beijei sua testa. — Você está bem?

— Eu espero que o papai melhore, mamãe. — Balançou a cabeça.

— Ele vai, minha menina. Eu irei ligar para ele para perguntar quando poderemos visitá-lo na reabilitação. Ok?

— Tudo bem. — Assentiu. — Podemos ficar assim mais um pouquinho?

— Podemos ficar assim para sempre? — Sorri para ela.

Os filhos crescem e essa é a maior maldição dos pais. Por mim, Louisa permaneceria para sempre daquele tamanho, sentada em meu colo, com os bracinhos finos ao redor do meu pescoço e a cabeça em meu ombro. Os longos cabelos negros escorrendo pelo meu braço. Collin tinha razão: eu faria qualquer coisa ao meu alcance para proteger minha filha. Qualquer coisa.

Depois de mais uns quinze minutos, Liam apareceu saltitante. Não fizemos muito barulho ao entrar, mas Louisa o chamou e ele desceu as escadas. O terror fora tamanho na noite anterior, que nem ao menos fui capaz de me lembrar que Liam ficaria sozinho.

Eles foram brincar no andar de cima e eu reli a carta de Louisa mais uma vez antes de pegar a minha com "Para Kaya" em caneta preta no papel do envelope. Abri e iniciei a leitura, dessa vez, a mim.

"Kaya,
Serei breve. Serei bastante breve. Eu sinto muito. Eu sinto mesmo. Eu não queria te ofender e muito menos erguer um dedo sequer para você, mas eu o fiz e sinto muito. Sinto principalmente por ter dito coisas tão tenebrosas sobre a Louisa, pois sei como isso te atinge. Talvez tenha sido esse o motivo para minha versão fora de mim ter sido tão agressivo com ambas.
Antes que pensei que irei à polícia te denunciar, saiba que não. Eu mereci o que fez comigo e devia ter feito pior, porque tudo o que me lembro da noite anterior parece um filme de terror. Não sou uma pessoa boa e quero melhorar, mas sei que não iria me aceitar de volta, principalmente porque está apaixonada por outro. Você ama o Jonah Santori e eu sei disso pela forma como olha para ele, maneira como você nunca me olhou. O meu ciúme e ego ferido não justificam o que fiz. Eu sinto tanto, Kaya... Você sempre foi a melhor mãe para a Louisa e supriu minha presença vaga para que ela não se magoasse. Sinto por ter sido o pai de merda que fui, mas espero melhorar por ela.
Assim que sair daqui, darei entrada no nosso divórcio, porém não espere. Não espere mais para ser feliz. Eu sei que, durante todos esses anos, você apenas permaneceu comigo por pensar que esse era o melhor para a nossa filha, o que não foi. Esse foi seu único erro desde que te conheci. Como supracitei, vá atrás do cara que você ama e seja feliz. Você realmente merece.
Obrigado por todos esses anos. Prometo tentar meu máximo de agora em diante para ser um pai melhor para Louisa e um ser humano melhor de se estar por perto. Ligue-me quando terminar de ler isso. Temos muito o que conversar.

Boa sorte, Kaya.
Com amor, Collin."

E foi isso. Essa foi minha história com Collin e, pelas gloriosas leis de Moira, nosso país, os divórcios saem como num piscar de olhos, principalmente quando a única coisa que Collin pediu foi para poder ver Louisa toda semana quando saísse da reabilitação e que eu a levasse para a Gaya à cada duas semanas enquanto estivesse internado. Eu só pedi que ele prometesse cumprir com a premissa de que a veria toda semana. Era isso: em poucas semanas, eu era uma mulher divorciada. Livre de novo.

Onde o oceano não nos alcança.Where stories live. Discover now