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Quando eu tinha dezesseis anos, tudo o que eu queria era sair desta cidade. Tudo o que eu queria era fugir daqui e absolutamente nada me impedia. Eu achava que, com dezoito anos, eu iria para longe, estudar jornalismo em outro país. Um país que finalmente me fizesse sentir pertencente. Mas então, inesperadamente, minha mãe morreu. Eu e Josie ficamos órfãs e, para sobrevivermos com nossa avó idosa, começamos a trabalhar para sustentar a casa.

Josie queria ser médica, então arranjou um emprego de meio período no principal hospital geral da cidade depois de alguns anos sendo a melhor aluna em um curso de enfermagem que fazia. Minha avó era pianista nos principais eventos do Instituto Bay de Ciência, o instituto de biologia marinha que estudava a Baía dos Milagres, lugar curioso para os biólogos marinhos de todo o mundo. A cidade inteira girava ao redor da existência daquela Baía. A maioria das pessoas moradoras de Baydale era composta por cientistas e suas famílias ou seus descendentes. Também os descendentes dos pescadores que construíram essa cidade, mas a pesca dos animais marinhos da cidade foi criminalizada e então a Baía dos Milagres é, até hoje, uma área preservada.

Nossa família veio da parte dos pescadores. Meu avô era um deles quando jovem, e viu o farol da Praia do Farol, do outro lado da nossa cidade, apagar e nunca mais reacender. Baydale hoje é tomada pelos cientistas e seus estudos sobre cada um dos animais, das plantas, ecossistema e tudo mais. Temos um aquário que serve como centro de reabilitação dos animais feridos ou que não podem voltar para o mar. Temos a Universidade de Baydale, uma das maiores especialistas de biologia marinha do país. Temos o Instituto Bay de Ciência, onde os estudos acontecem e também temos bailes que sempre acontecem. Esses bailes juntam muitas pessoas importantes do país inteiro para arrecadação de cada vez mais dinheiro e esse possa ser investido nos estudos. Vivemos pela Baía dos Milagres. A própria Baía é um milagre, onde sempre surgem animais que nenhum cientista sabe de onde veio ou como podem sobreviver naquele ecossistema, sendo pertencente de outro. Eu nunca entendi muito sobre biologia, mas esse é o mínimo que qualquer residente dessa cidade é obrigado a saber desde que nasce.
O meu emprego, outrora, não era nada tão legal quanto o de Josie e Luci. Eu era garçonete em um bar perto da escola. Minha mãe ganhava muito bem como advogada, então precisávamos dar duro para continuar tendo a vida que tínhamos.
Christie morreu em um acidente de carro voltando do escritório no centro da cidade. O homem estava bêbado e bateu no carro dela. Ela morreu e ele não. Nem tudo é justo como devia, nem com uma mulher como Christie, que lutava pela justiça o tempo inteiro, com unhas e dentes. Ela morreu na hora. Eu fui a que reconheceu o corpo deformado sobre aquela mesa de aço. A sala era fria, obscura, lúgubre. Meus pelos estavam arrepiados quando a mão suave da legista tocou minhas costas, acordando-me da hipnose que ver a minha mãe estirada naquela cama causou. Lembro-me vagamente, como uma memória traumática parcialmente dissipada, de como queria cobrí-la, pois ao tocar no aço, senti o tom gélido, mas ao mesmo tempo, minha mente me enviou o lembrete daquilo que eu não devia esquecer: ela estava morta. Minha mãe estava morta. Ainda assim, após confirmar o reconhecimento, peguei as duas pontas do lençol branco resguardando seu corpo abaixo dos ombros, e ocultei seu rosto. Toquei seu cabelo pela última vez, reconhecendo que seu caixão estaria fechado durante a missa, sentindo os fios atravessarem meus dedos alastrando uma sensação vazia por mim. Não era mais como tocar o cabelo da minha mãe. Eu, lamento dizer, não sei com o que aquela sensação se parecia senão com um desmesurável nada. Absolutamente nada.


Quando eu e Josie fizemos dezoito anos, enviei uma aplicação desesperançosa à Universidade Oxford, na Inglaterra. Assim que assoprei as velinhas daquele aniversário atípico, não pedi para ser aprovada, pedi que todas nós ficássemos bem. Eu sabia que Josie havia pedido para ir para uma universidade na Argentina, estudar medicina, então não joguei meu pedido acima do desejo de Josie.

Onde o oceano não nos alcança.Kde žijí příběhy. Začni objevovat