Eu estava boquiaberta. Kiros com o rosto quase tão vermelho quanto seus cabelos. Sem falar nada ele tentou acerta-lo, disparando um soco na direção do Lobo que habilmente desviou. 

Sabia que não era uma luta justa, no entanto não pensei que fosse tão humilhante quando vi Kiros errar com grande diferença todas suas tentativas, sendo que o Lobo não estava sequer usando sua velocidade sobrenatural. Eles tinha tomado conta da minha sala, enquanto eu observava a disputa dos dois perto da porta, ainda segurando o rifle de Kiros. Olhei de soslaio para a enciclopédia no chão, pega-la e sair da casa pareceu tentadoramente correto. 

Quando o Lobo enfim resolveu revidar acertou um soco no estomago de Kiros, fazendo-o cair de joelhos, então segurou seu rosto puxando seu cabelo para que o encarasse. 

- Se quer lutar por uma dama, garoto, tenha ao menos o respeito de não perder. - Disse friamente. 

Kiros se levantou, envergonhado demais para sequer dar uma reposta. 

- Encontrarei uma forma de detê-lo. - Prometeu, recuando alguns passos, como um bom perdedor. - Não descansarei até que...

Uma onda de magia preencheu o ambiente, o conhecido gosto metálico inundou minha boca. Vi os olhos do Lobo mudarem por uma fração de segundos ou talvez um truque de luz, a cor aprofundando-se num tom mais cintilante.  

 - Esqueça, tudo que viu aqui. Você estava a caminho de casa quando tropeçou e por isso seu corpo vai acordar dolorido amanhã, não acompanhou Aysha até em casa, sequer falou com ela ou recebeu um beijo dela. - Falou forçando sua compulsão contra a mente de Kiros, um truque que ele havia tentado usar em mim falhadamente quando o vi pela primeira vez em seu salão de ossos. 

Kiros assentiu, passando por mim em direção a saída, seus olhos completamente fixados em algo que eu não conseguia ver. Estendi o rifle em sua direção e ele o pegou automaticamente, indo embora em seguida. Bati a porta, travando-a por dentro. Então me encostei nela, deslizando até sentar no chão, secando qualquer lágrima que tivesse restado em meus olhos. A sensação abafada da magia do Lobo aos poucos se dissipou. 

- Quer dizer que sou seu convidado? - Falou acomodando-se novamente na minha única cadeira. Sua camisa estava ensopada com as lagrimas que eu tinha derrubado, com uma fina linha vermelha do sangue que havia escorrido quando abri seu ferimento. 

- Ainda estou decidindo isso. - Confessei, o que deveria fazer? Manda-lo embora? Acertar um tiro em seu peito? Insulta-lo até que resolvesse ir embora? O que havia com toda essa sua atitude de provocar Kiros? Humilha-lo ou falava a sério? 

Respirei fundo. Então levantei e andei até minha prateleira de trabalho, pegando um unguento de calêndulas que havia preparado meses atrás, quando me cortei forjando a falha na cerca para escapar de Sweney Pines. O Lobo permaneceu calado me observando enquanto eu bombeava água para uma tigela e juntava alguns lenços. 

Coloquei tudo sobre a mesa, depois acendi as lamparinas a óleo iluminando o restante da casa. 

- Nunca me contou que era uma herbalista. 

- Se tivesse passado menos tempo me jogando em lutas, talvez eu tivesse dito. - Falei, tentando não pensar muito. - Levante sua cabeça. - Instrui, molhando um dos lenços na água. Ele fez como pedi e eu mantive meus olhos unicamente em seu ferimento,  não queria lhe dar mais motivos para usar contra mim, mesmo que meu corpo em alguns momentos pudesse se render aos seus encantos, eu mantinha minha mente firme. Ou assim gostava de pensar. Pequeno veios cinzentos tinham se formado em sua pele, onde a lamina da adaga de prata que ele havia me dado tinha o cortado. - Você é um idiota. - Falei, limpando o sangue. - Quem dá ao inimigo a única arma que pode o ferir? Eu podia tê-lo matado, mas você sequer se mexeu. Vi como saiu da linha do tiro que Kiros disparou, podia ter me impedido de corta-lo. 

- Não quis estragar sua motivação. - Falou, com o indicio do que poderia ser um sorriso. - Encontrou sua coragem em me desafiar, queria saber até que ponto estava disposta a ir. Valorizo sua audácia Aysha, apesar dela estar constantemente associada a sua impulsividade. 

Mergulhei meus dedos no vasilhame com o unguento e cobri o ferimento, quando terminei de aplicar a pomada respirei fundo e ele segurou minha mão, puxando-me para perto de si.

- Negar seus sentimentos não farão com que eles desapareçam. - Falou de súbito. 

- Já tenho experiência nisso. - Respondi, com um sorriso amargo.

Ele levantou ainda mantendo minha mão direita em seu domínio. Depois usou sua outra mão para tocar meu rosto.

- Não pode ficar aqui. 

- Por que não? - Perguntei asperamente. 

- Temos um compromisso. - Disse, me puxando até que apenas meros centímetros estivessem nos separando, eu era mesmo uma estúpida por baixar minha guarda. Assim que abri minha boca para contesta-lo ele prosseguiu. - E antes que diga o contrario, falar isso não apagará o fato que fomos vistos juntos. Meu inimigo sabe de sua existência e não demorará até que ele mande rastreadores. Preciso que venha comigo, não quero recorrer a força Aysha, mas a usarei se necessário. - Assegurou. - Não sentirei nenhum remorso em destruir essa vila e todos que aqui moram.

Engoli a seco. O fato de que realmente já tínhamos sido atacados tinha passado completamente em branco quando decidi ir embora. Porque o Mestre Lican que mandou seu subordinado até aqui para tomar seu coração, não vai parar mesmo que saia da minha proteção. 

- Esta jogando sujo. - Suspirei, mesmo que eu não me importasse com todos em Sweney Pines não queria carregar seu fim em minha consciência. E eu sabia que ele falava sério quanto seus meios. - Quem é o seu inimigo? - Perguntei. 

- Seu nome é Drivand. O mesmo Lican que jurei destruir por tudo que foi feito ao mestre anterior e por tudo que me foi feito, como consequência disso. - Falou a contragosto. - Irei pedir gentilmente que venha comigo, senhorita Nowak. - Disse enfaticamente, me encarando sem deixar nada do que pretendia transparecer em seu rosto. 

Antes que eu conseguisse formular qualquer resposta coerente, ele me beijou. 

VermelhoWhere stories live. Discover now