I55I - Execução

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- Raymond... - Falei, fazendo do seu nome uma súplica.

Estava tão aliviada por vê-lo intacto, por saber que as últimas palavras que eu havia dito para ele não seriam realmente as últimas. Que eu finalmente estava disposta a respondê-lo como deveria ter feito antes diante da sua declaração.

O nome dele é Raymond Mondavarius e eu o amo. As palavras haviam saído sem hesitação e eu sentia que podia repeti-las quantas vezes precisasse.

Sem falar nada, ele se moveu, inclinando-se até o meu ouvido. Esperei sentir o roçar suave da sua barba por um momento até me ocorrer novamente que ele estava com o rosto limpo.

- Não intervenha. - Sussurrou, o hálito quente fazendo carícias em minha pele.

Com um movimento segurei seu braço, mesmo sabendo que o Lukoi nos observava com curiosidade. Minhas unhas se afundaram no músculo e eu esperava que ele interpretasse a necessidade da maneira correta. Molhei meus lábios, estavam secos pelo vento frio.

- Senti sua falta, não parei de pensar no que me disse naquela manhã nem por um minuto sequer. Repita, por favor...

Eu sabia que não deveria me espantar com a surpresa em seu rosto, nunca havia sido clara com meus sentimentos, por muito tempo eu havia fechado meu coração para tudo que não fosse raiva e rancor. Havia recolhido todos meus sentimentos negativos e egoístas e os escondido em uma caixinha no fundo do meu coração.

- Adorável. - Interrompeu o Lukoi, me brindando com um sorriso exagerado. - Vamos acabar logo com isso para que possam conversar em paz.

A casualidade em sua voz e a súbita aparição de Raymond tinham me feito esquecer que Elikham estava na plataforma de execução com o pescoço em jogo. Me amaldiçoei por pensar em abandoná-lo e por não ter o incluído diretamente no acordo que fiz com meu pai e Eksean.

Se o homem pálido havia me acompanhado pelas sombras até aqui, eu não fazia ideia, mas esperava que ele estivesse a postos e que me concedesse um segundo favor. Com alguma certeza eu sabia que ele não iria, há menos que eu tivesse mais alguma coisa para oferecer em troca.

- Guardas, executem o prisioneiro. - Anunciou o Lukoi, sem delongas.

Não pensei duas vezes.

Estendi meu poder ao mesmo tempo que o soldado executor tomou posição para golpear Elikham, o homem desabou no chão sem forças, sua espada caindo pesadamente no chão. A ação foi o suficiente para que todos os soldados com arcos preparassem e mirassem suas flechas e atenções para mim. Senti meu poder crescer alimentado pela tensão e principalmente pelo medo. O formigamento nascido na ponta dos meus dedos aumentou, cobrindo minhas mãos, se movendo pelo meu corpo até cobrir minha pele por inteira, como uma armadura imponente.

Pela primeira vez desde que fiquei na presença do Lukoi senti seu real poder, provocado pelo meu, desafiado a se mostrar. Uma aura gigantesca acumulou-se atrás dele e um truque de luz fez com a sombra projetada crescesse até se tornar um lobo gigante de sombras, seus olhos também mudaram reluzindo em vermelho escarlate para mim antes de voltarem ao normal.

Não vacilei diante do Rei dos Licans. Medo era minha arma, não minha fraqueza.

- Detenha sua ordem, Lukoi. Sei que quer negociar comigo, então pense bem. - Falei desafiadoramente.

Tinha me posto de pé e o encarava, sentindo o vento cortante na pele com o queixo erguido. Minha cota para lidar com tudo de forma pacifica havia sido extrapolada. Olhei para Raymond imaginando que sua calma aparente era uma máscara, mas sem encontrar nenhum vestígio que confirmasse isso.

- Ora, temos um impasse aqui, minha cara Liones. Se não posso executar o assassino dos meus guardas, que punição sugere? - Perguntou, fazendo um gesto de mão para que os guardas baixassem seus armamentos.

Eu não fazia ideia de como responder e isso me irritava profundamente. Não era a forma usual a qual os Licans buscavam resolver seus conflitos, que geralmente consistia em bater primeiro, retalhar e matar sem questionamentos depois.

- Um combate. - Respondi, dando de ombros, era a única forma que eu conhecia e a única forma de que arrogantimente estava segura que podia vencer.

- Que ideia maravilhosa. O que acha de um combate Raymond? - Perguntou, seu tom continuava solene, mas não pude deixar de notar que Raymond ficou rígido com a colocação, era o primeiro sinal de tensão que ele demonstrava.

- Como preferir, Lukoi. - Respondeu, sua voz como o restante de sua aparecia parecia diferente, contido e polido. Como eu desejava saber o que se passava em sua mente, ele estava afinal diante do seu alvo, do objeto da promessa de vingança que fizera.

- Faz muito tempo desde a última vez que assisti a um, acredito que foi quando você lutou pelo posto que imprudentemente ocupa agora. - Disse o Lukoi para Raymond.

Ele se referia a Cidade do Norte e ao combate que Raymond havia perdido para Ulrik.

- Será a representante do prisioneiro? - Perguntou para mim.

- Não. - Disse Raymond, mas eu já estava acenando com a cabeça.

- Ótimo. - O Lukoi sorriu. - Se ganhar pouparei o prisioneiro, mas se perder irei executá-lo.

- Me parece justo. - Respondi, um acordo direto, sem dualidades, ele não estava ganhando nada que já não tivesse com isso.

- Como meu representante escolho meu neto. - Falou.

Por um instante senti um misto de alivio e decepção em não ter que enfrenta-lo diretamente, então a revelação ficou clara. A risada e a curva dos lábios levemente familiar, o cabelo escuro e o tratamento privilegiado que Raymond recebera. Um detalhe tão importante, deixado de lado por Edmon e Raymond...

O poder em meu corpo se agitou alimentado por uma parcela de raiva, fechei meus punhos numa tentativa de contê-lo.

- Certa vez prometi que chutaria sua bunda, meu amor. Parece que seu avô nos deu essa oportunidade. - Falei com um sorriso fingido nos lábios, o que arrancou uma risada massiva do Lukoi.

- A energia da juventude apaixonada sem dúvidas é revigorante. - Comentou, senti o humor divertido de sua voz ir embora como gelo derretido. - Darei um jantar de boas-vindas e no final da noite vocês lutam para cumprir o acordo.

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