I15I - Reflexos

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Eu engasguei, a mão de Kohina deixou o meu pescoço.

- Ops! Erro meu, tinha me esquecido o quão frágil corpos humanos são. – Falou se levantando. Levei em pânico uma das mãos até o pescoço, com a outra lhe apontei a faca. – Enfim, parece que você venceu, sinta-se vitoriosa humana. – Ela lambeu o corte em sua mão, o curando por completo.

Eu podia sentir varias coisas nesse momento, como quatro perfurações em sequência de um lado e outra perfuração solitária de outro, onde o que deveria ser seu polegar tinha estado. Podia sentir o gosto metálico e odioso de sangue em minha boca... eu havia mordido minha língua resguardando meu orgulho em não gritar.

Doía, doía o inferno todo, meus olhos tinham começado a lacrimejar.

Vê, várias coisas e nenhuma delas beirava a vitoria.

A xinguei, ou tentei, minha voz estava estrangulada, saliva e sangue escorreram pelo canto da minha boca.

Cuspi nos pés dela, ela fez um pequeno som de surpresa dando um pulinho para trás, suas mãos tinham voltado ao normal, meu sangue coloria seus dedos. Rastejei até encontrar uma parede e firmar as costas, juntei os joelhos no peito. Um animal acuado. Meu braço com a faca continuava estendido e firme.

- Inadmissível Kohina. – Levei alguns segundos ou minutos para perceber que o Lobo tinha chegado à plataforma, se juntando a nós. Eu conseguia sentir o sangue fluir das perfurações como um pequeno riachinho chegando até meu peito.

A blusa estaria arruinada. Lamentável.

- Rayzinho... – Um tapa, não vi a mão apenas o rosto de Kohina virando para o lado, o diadema em seu cabelo caiu no chão com um gentil baque metálico. Seus olhos estavam bem abertos em surpresa, ela levou a mão para tocar a bochecha machucada, mas o Lobo a impediu, ele se moveu para frente dela ocultando minha visão.

Eles falaram algo entre si, não peguei uma palavra. Você não costuma escutar bem quando está pânico por sua vida.

Depois ele se virou, andou até mim e se agachou na minha frente.

- Deixei-me ver. – Pediu, mantive minha mão no lugar, sentia que se a movesse minha cabeça despencaria do corpo.

Ele estendeu a mão para me tocar, a empurrei para longe com o cabo da faca. Era sua culpa. Não se importava comigo, na primeira oportunidade de me colocar em uma encrenca praticamente me jogou a ela com bênçãos e louros.

- Garota teimosa. – Reclamou – Se não me permitir que veja como espera que eu a ajude?

Movi os lábios começando a dizer que não precisava da sua ajuda, mas me senti como uma idiota e parei. Vida antes de orgulho. Cerrei os lábios e tirei minha grudenta mão do pescoço, tinha muito sangue. Muito vermelho. Minha visão parou um segundo, encostei a cabeça na parede expondo o ferimento, sabia o que ele iria fazer.

- Abaixe a faca Aysha. – Pediu.

Eu não tinha percebido, ele tinha se movido para perto, minha faca estava bem firme apontada para seu peito, era algum desses movimentos involuntários que ocorrem antes que você espera. Algumas pessoas chutavam, eu pegava facas.

Fiz menção de abaixar o braço, mas meus dedos simplesmente soltaram a faca. O mundo girou e eu quase cai para frente se não fossem meus joelhos. Olhei para o Lobo bem ciente de quão patético o olhar do meu rosto deveria estar, seus olhos estavam acesos em um incandescente dourado, eles não olhavam para mim, mantinham-se focados em meu pescoço.

- Se vai fazer, faça logo. – Olhei por seu ombro para ver Aberlian em pé, atrás de Kohina que tinha uma expressão bem lacrimejosa em seu rosto. Céus. Se ela chora-se eu me obrigaria a arrancar seus olhos.

- Não sou eu que estou dizendo, é ela. – Falou me encarando com um sorrisinho, tinha conseguido traduzir com perfeição o que deveria transparecer no meu rosto. Ele começou massagear os ombros de Kohina, encaixando seu queixo na curva do pescoço dela. Seus estranhos olhos prateados aguardavam com alguma ânsia interna.

Voltei meu olhar para o Lobo, esperando. Ele pegou a minha faca do chão e cortou uma tira de tecido da minha saia, depois enrolou a tira em meu pescoço dando duas voltas com um laçinho na frente, senti o pano ensopar. Ele guardou a faca, passou um dos braços por meus joelhos, com o outro apoiou minhas costas e nos ergueu.

- Voltarei para pegar sua divida com Aysha, Kohina. Tomarei que agora a reconhece como minha noiva e como uma Dominante. Sua ofensa não será esquecida. – Falou sem olhar para ninguém em particular.

Permaneci em silencio, primeiro porque estava fraca demais para contestar e segundo porque entendi que estávamos indo embora. Eu queria ir embora, mais do que queria meu pescoço intacto e no lugar. Certo, não era bem assim. Mas você não discute a ordem das coisas com a única pessoa que esta disposta a te 'ajudar', em teoria.

- Você está encrencado com essa daí Ray, eu só estava sendo misericordiosa. – Kohina encontrou sua voz, soava malditamente como uma criança que tentava se passar por certa mesmo quando sabia que estava errada.

Então ela simplesmente tinha tido a intenção de afundar suas garras em mim de uma maneira ou outra? Bom saber. Se nos tornássemos a ver novamente eu afundaria coisas pontudas sem a mínima hesitação.

- Não se meta em meus afazeres, Ina. - O Lobo falou, velhos conhecidos.

- Não deve ameaçar a um mestre em seu território Mondavarios, ainda estamos sob o tratado de paz. – Disse Aberlian.

- Creio que por pouco tempo Aberlian. E isso não foi uma ameaça, apenas um aviso.

Um pequeno rosnado veio como resposta.

- Mantenha seu cão na coleira Kohina, antes que ele fique agressivo e acabe mostrando seus dentes.

- Controlo aos meus muito melhor do que você aos seus Raymond. – Havia uma seriedade na voz de Kohina que me fez lembrar da verdadeira situação dali, estávamos em sua casa, em menor número e felizmente sobre suas graças, mas isso era algo que podia mudar com um simples estalar de dedos.

- Mesmo um Mestre como você não pode reinar em absoluto sobre os Selvagens.- Kohina continuou. - Eles esquecem muito mais rápido do que aprendem, principalmente a seus jovens Mestres, já reconsiderou voltar a seu antigo posto? Certamente é algo mais louvável do que...

Ela deixou as palavras ecoarem no ar.

- Recuperarei o posto que me é devido Kohina, não se preocupe com isso. – Respondeu.

Agarrei ao colete do Lobo, talvez o lembrando da minha presença, não queria ser um incomodo, mas bem, aqui estava morrendo. Um pequeno exagero, mas eu não sabia quanto sangue uma pessoa precisava derramar para morrer. Eu já tinha derramado a um bocado.

- Devo partir agora, seu pequeno descontrole nos custou tempo. – O Lobo falou, se pondo a andar firmemente. Meu peso não parecia o incomodar, me senti decepcionada com isso.

- Volte para me visitar mais vezes Ray, assim não vou me precipitar tanto. – Kohina falou voltando ao seu estado garotinha irritante.

- Adeus Kohina. – Curto e grosso.

Minha despedida não foi melhor, com minhas últimas energias consegui levantar a meu braço e a um petulante dedo do meio. Quem disse que eu não poderia ser uma dama? 

VermelhoWhere stories live. Discover now