Capítulo 3

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Sorri e agradeci. Não tinha muita certeza se realmente deveria agradecer, mas enfim. Ficamos nos olhando por mais alguns segundos enquanto ambas sorriam, cada uma com seu motivo, meu pai dormia tranquilamente e a fogueira não parava quieta. A floresta estava especialmente silenciosa naquela noite. Parecia querer que eu e ela tivéssemos aquela conversa, naquele momento, da maneira mais sossegada e certeira possível. Fechei os olhos por um momento e senti o vento batendo levemente no meu rosto e escutei algumas folhas se mexendo e se esbarrando lá em cima nas árvores. Respirei fundo e voltei a prestar atenção em Cora, porque sabia que aquela era uma conversa decisiva e extremamente importante não apenas para mim, mas para minha mãe, para meu pai, para muita gente. Eu só não tinha certeza de uma coisa, mas logo chegaria nessa questão com ela.

- Você está certa. – ela começou. – Sua mãe fez coisas no passado que vocês consideram horríveis e isso a impede de manter seu pai, seu verdadeiro amor, por perto dela por muito tempo. É como se ela não tivesse direito a ser feliz já que não permitiu que muita gente fosse feliz. Porem, você também acertou quando disse que foi um evento específico. Existe algo, algum caso singular, no qual ela fez alguma coisa que foi responsável por essa proibição de felicidade no amor. Não são todas as situações juntas, tudo o que ela fez a todos, todas as mortes, todos os corações arrancados, todos os corações partidos, todas as infelicidades que ela criou. Foi alguma coisa única, especial, exclusiva. E eu não sei o que é, mas achei que com você me ajudando a procurar, descobriríamos muito mais rápido.

- O que você ganha com isso? – cheguei à questão.

- Quero... Quero ver sua mãe feliz. – ela respondeu, gaguejando e abrindo um enorme sorriso, mas provavelmente esperando por essa pergunta.

- Mentira. – eu rebati, sorrindo calmamente. – Nem preciso da Emma com seus super poderes para saber se as pessoas estão falando a verdade para ter certeza de que você está mentindo. Eu só consigo enxergar uma saída para você nessa situação toda: me conta a verdade. E daí sim, eu decido se te ajudo ou não.

- Você não quer ver sua mãe feliz? Não quer que seu pai sobreviva? Não quer ver os dois juntos e sua família completa e feliz durante muito mais tem...

- Me.. conte... a... verdade. – eu continuava sorrindo calmamente. As mentiras dela quase não me abalavam, para ser muito sincera. Sem contar o fato de que eu nunca arredaria o pé dali para ajudar justamente a minha avó Cora sem saber quais eram as reais intenções dela em relação àquilo tudo.

Ela ficou parada me encarando com um semblante sério. Após alguns segundos voltou a sorrir também. Eu não faço ideia se era a situação ou se era meu foco ou se era o horário da noite ou se era reflexo da noite ou da floresta, enfim, não tenho certeza do que era, mas os olhos dela pareciam muito mais escuros do que o normal naquela noite, pareciam... dois pingos de tinta preta brilhando diretamente para mim. Acho que eu deveria ficar assustada, mas além de eu perceber que a intenção dela não era me causar esse medo, eu também não sentia de qualquer forma. Pelo contrário, acho que me sentia confortável, em casa, tranquila. E por mais estranho que parecesse, me sentia simplesmente na companhia da minha avó.

Meu pai fez um movimento durante o sono e suspirou, virando-se de lado. Cora assustou-se levemente e olhou rapidamente para ele. Continuei com os olhos fixados nela, sorrindo. Ela se voltou para mim e, olhando por um momento para seu próprio colo, sussurrou que não esperava essa rápida reação minha e achava que poderíamos conversar em outro momento sobre seus motivos que, mais para frente, ela falaria sobre eles. Mas quando subiu o olhar para meu rosto novamente, ela sabia que sua única saída era mesmo me contar a verdade.

- Se... – começou ela um tanto contrariada. – Se consertarmos o que sua mãe fez... seu pai vai viver. O que quer dizer...

- Que vamos praticamente "desbalancear" o mundo. Nem sei se essa palavra realmente existe. – dei risada. – Mas quer dizer que os protagonistas do "bem" e do "mal" não estarão em equilíbrio, porque vamos deixar vivo um homem bom enquanto não temos ninguém do outro lado para deixar vivo e equilibrar as forças naturais do mundo. O que quer dizer... que você quer ser essa pessoa. Você quer ser trazida de volta a vida, balanceando novamente o mundo, equilibrando as forças do "bem" e do "mal".

Blanck 2 - A transformação do malWhere stories live. Discover now