Capítulo 5 - Completamente Envergonhada

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7 de janeiro de 2012


Para Quinn,

Eu estou há horas observando esta folha em branco, sem ter a mínima noção de como deveria iniciar esta carta. Estou completamente envergonhada pelo que escrevi na anterior. Juro que isso não acontece com frequência, e espero que não vá arruinar a relação que estamos construindo. Eu realmente deveria ter olhado para o copo antes de beber. Meu Deus. É uma coisa boa que você não possa ver meu rosto agora, porque eu acho que nunca fiquei tão vermelha em toda a minha vida. Essa certamente é uma lição para ficar longe do álcool. Não que eu tivesse alguma inclinação para bebidas; nem pensar!, elas prejudicam as cordas vocais, e jamais faria alguma coisa que pudesse colocar meu futuro em risco. Portanto, peço minhas sinceras desculpas pelo meu comportamento. Foi completamente inadequado, e não vai se repetir.

Sei que disse algumas coisas um tanto quanto... Bem, pessoais demais. Ou pessoais além da conta, já que desde nossa primeira comunicação, tenho revelado muito sobre mim mesma. Minha história de vida, minha personalidade, e, agora, minha sexualidade. Espero que isso não a afaste de mim. Não acredito que vá — você não me parece esse tipo de pessoa; além do que, você disse que admirava a estrutura da minha família, o que me leva a acreditar que você é uma mulher de mente aberta. É só que... Não sei... Ainda fico um pouco na dúvida, porque até hoje ninguém jamais aceitou isso sobre mim. A não ser meus pais, é claro. E seria um tanto hipócrita deles se não aceitassem, você sabe, sendo gays e tudo.

Oh. Meu. Deus. As piadas. Elas foram péssimas, eu sei. Se você não quiser parar de se corresponder comigo por eu ser lésbica, provavelmente vai querer distância por causa do meu senso de humor estranho. Nem acredito que fiz piada com o nome de sua amiga. Espero que ela não tenha lido; e, se tiver, espero que não esteja com raiva de mim. Não foi intencional. Prometo. Normalmente, eu não faria uma coisa dessas. Eu sei como é ter as pessoas zombando de você, portanto, nunca faria isso a ninguém, não de propósito.

Também sinto muito por ter despejado todo o meu drama escolar sobre você — como se o familiar não fosse o bastante. Sei que pode parecer muito, e realmente é, mas acontece que já me acostumei, sabe? Não é algo que começou agora. É algo que vem ocorrendo desde que me mudei de volta para Lima. As pessoas sempre me trataram assim. Nunca na frente dos meus pais, óbvio, mas quando eles não estão por perto, as coisas mudam de figura. Até porque, se você visse Leroy, também não se arriscaria a dizer uma coisa sobre mim na frente dele. O cara é quase do tamanho de um armário. Ele pode não ser meu pai biológico, mas me vê como uma filha — a única que tem —, e moveria céu e terra para me defender. Eu o amo por isso. Por ser esse cara protetor, que só quer o meu bem. Eu acho que tirei a sorte grande, sabe? Quero dizer, tudo em minha vida pode ser uma verdadeira confusão, mas não isso. Eu tenho, sem dúvida, os dois melhores pais do mundo. Mamãe também gostava dele. Não conte a ninguém, só que, apesar de ter o tamanho e a força de um gigante, por dentro, ele é completamente mole. Adora musicais, como eu, e sempre assiste comigo quando eles passam na televisão. O seu favorito é Mamma Mia. Ele conhece todas as músicas e todas as falas do filme. Não posso culpá-lo. Eu também conheço as de Funny Girl (o meu musical favorito, seguido por West Side Story).

De forma que, você vê?, não é tão ruim. E como eu disse, esse é meu último ano do ensino médio. Só mais alguns meses, e tudo isso vai chegar ao fim. Poucos meses, na verdade. Caramba. Acho que nunca percebi o quanto o fim está próximo. Quero dizer, tenho esperado por esse momento desde que pisei nessa cidade pela primeira vez — o dia em que poderei, enfim, ir embora —, mas nunca parei muito para pensar no que aconteceria depois. E se eu não conseguir uma vaga em NYADA? (Academia de Artes Dramáticas de NY). Eu tenho outras opções, claro, mas nenhuma delas se compara a melhor escola de Artes Dramáticas do país. Eles só aceitam vinte alunos por ano. Sem brincadeira. E há tanta pessoas talentosas por aí... Será que vai ser o suficiente? Será que tenho praticado o bastante? Não sei se vou suportar uma rejeição. Não sei se vou suportar a ideia de ficar presa em Lima para sempre. Seria como arrancar parte de mim. Essa parte importante que me faz ser quem sou. A que me torna diferente. Sem isso, eu seria apenas mais outro desses perdedores de Lima que não conseguem fazer nada de suas vidas. Eu não quero ser essa pessoa, Quinn. Eu não posso ser essa pessoa. Mas e se, no final, for o que me sobrar?

Cartas Para Quinn (Faberry)Where stories live. Discover now