Capítulo 30: Perseverança

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Sam brinca no chão do quarto com um boneco de ação do Superman. O homem é um herói. Ajuda a polícia a pegar bandidos, auxilia os bombeiros a resgatar pessoas presas em prédios pegando fogo, salva a vida de pais e mães, permitindo-lhes voltar inteiros para suas famílias, para os seus filhos.


Quinn o odeia. Ela odeia esse alienígena repleto de poderes, que tem seu nome estampado na capa de diversas revistas em quadrinhos, porque ele não é real. Ele não é real, e exatamente por isso, quando as pessoas precisaram dele, o Homem de Aço não estava lá. Ele não estava lá para impedir o avião de bater na primeira Torre. Ele não estava lá para impedir os prédios de desabarem em cima das pessoas — pessoas comuns, sem poderes, com amigos e famílias que os esperavam em casa ao final do dia —, assim como não estava lá para ajudar os bombeiros, policiais e voluntários que fizeram o possível, tudo o que podiam, e ainda assim não foi o suficiente.


Mesmo uma semana depois, Judy e Russel Fabray ainda não retornaram para casa. Quinn sabe que eles não vão voltar, claro. Ela soube no momento em que viu o olhar nos rostos dos tios àquele dia. Soube no momento em que foi dormir, e sua mãe não estava lá para desejar boa noite. Soube na manhã seguinte, quando o pai não estava lendo o jornal à mesa do café, esperando para bagunçar o cabelo do filho, e rir do mau humor da filha, que sempre fazia cara feia quando tinha que acordar cedo. Sim, racionalmente, a garotinha sabe que eles não vão voltar. Por dentro, porém, ela não quer perder a esperanças.


Entretanto, a cada noite que passa, ela deixa de acreditar. Os pesadelos se tornam mais reais, mais significantes, e agora ela não teme mais os monstros imaginários. Ela não olha debaixo da cama ou dentro do armário (como o irmão caçula ainda faz). Ela não sente mais medo do escuro. Ela não faz nenhuma dessas coisas, porque o 11 de setembro ensinou a Quinn uma grande lição. Ela aprendeu que os piores monstros não são os de seus pesadelos, ou os que existem no escuro. Não, os verdadeiros monstros, aqueles que deixam um rastro maior de destruição, andam entre as pessoas nas ruas. Eles olham para estranhos e abrem sorrisos educados. Eles vão para seus trabalhos todas as manhãs, retornam para suas casas todas as noites, e quando ninguém está vendo, quando ninguém está prestando atenção, eles cometem o pior dos crimes: eles deixam de se importar.


Eles não se importam com quem vão machucar. Eles não se importam quem deixará de dizer "bom dia" na manhã seguinte. Eles não se importam com crianças que perdem suas infâncias, seu chão, sua inocência. Eles não se importam com os corações que estão partindo, ou com as marcas que acabam deixando.


Os piores monstros são aqueles contra os quais ninguém tem armas para lutar, porque eles parecem humanos, agem como humanos, mas no fundo, não são. No fundo, eles nunca foram.


Sam é novo demais para compreender isso, mas Quinn não é. Ela entende. Ela entende que sua vida nunca mais vai ser a mesma. Entende que agora Sam é tudo o que lhe resta. Entende que ela precisa encontrar um jeito de fazer com que ele sinta que está em segurança, mesmo que não seja verdade, porque ela o ama.


Ela o ama demais para permitir que ele também descubra que os monstros são reais. Enquanto ele brinca com seu boneco de ação, como se tudo estivesse bem, ela apenas o observa. Observa o garotinho loiro, ainda inocente, que não compreende completamente o buraco que agora existe em sua vida. O garotinho que ainda tem esperanças que os pais voltem para casa, e que quando tem um pesadelo, acorda chamando por eles, esperando que um dos dois apareça para lhe confortar.

Cartas Para Quinn (Faberry)Where stories live. Discover now