4 de Outubro - Vinte anos depois

93 6 2
                                    

Naquela tarde a Trafalgar Square estava muito movimentada. Mais do que quando eu a frequentava. As coisas realmente haviam mudado. Ou teria sido eu? O céu se encontrava da mesma cor cinza de sempre. Os passarinhos alegres cantavam. O som deles para mim afogava todo o resto. Aquele era o único som que eu queria ouvir. Não importava mais as conversas com as pessoas naquela praça.

     Anos inteiros passaram na minha memória, como pegadas deixadas na areia, quando a maré estava prestes a cobrir a praia. Sentada na beira da fonte, como sempre, perguntava-me se alguém me observava como antes. Eu ainda fazia parte daquela praça? Com certeza não. Não me sentia mais parte daquilo tudo. Passei os olhos pelas pessoas, por Nelson em sua coluna, pelos quatro leões na base, onde pessoas tiravam fotos. Ainda não havia nada prendendo minha atenção. Até a National Gallery não me parecia tão grande. Mesmo com a multidão, tinha a impressão de um lugar vazio. Sentia-me triste por não ver mais mistério ali. Havia me apaixonado por um estranho naquele local e nunca mais pretendia repetir o feito. O coração ficava apertado ao saber que não o veria passar correndo por aquela praça. Todavia, não me sentia totalmente amargurada. Nessa mesma situação sabia que ele também tentaria salvar o seu próprio povo. Arthur havia apenas morrido para mim, mas deixado tantas coisas para recordar. Fazia esforço para não me lembrar delas.

    Fiquei observando durante horas as águas inquietas da fonte, enquanto via o reflexo das nuvens. Um pássaro cortou o céu de forma selvagem. Senti a mente desviar-se para o passado.

     Aquele iria ser um dia especial.

     Nesses longos vinte anos só havia voltado à Terra em três comemorações do Dia das Bruxas. Voltar não fora fácil. Ainda mais logo após minha separação de Arthur. Arthur... o grande amado.

     Amor. Seria ele ainda o grande amor da minha vida? Só sei que me lembro do gosto salgado das lágrimas na última vez em que nos vimos. Mesmo contrariada segui o conselho de minha mãe e fui até a comemoração do Dia das Bruxas. Nossas relações diplomáticas não andavam bem, precisava fazer o máximo de alianças possíveis, mas sabia que Arthur estaria naquela festa.

    Tentei evitá-lo durante todo o tempo, mas me parecia impossível. Para onde eu ia, onde me virava, ele estava lá. Observando-me com olhos tristes, segurando sempre uma garrafa de bebida alcoólica. Perguntava-me se Susan já havia interferido em sua vida. Afinal, já haviam se passado quatro anos. Lembro-me da nossa última conversa:

"– Mel! – gritou Arthur em minha direção, enquanto ia embora da festa. – Por que ainda foge de mim? Eu te amo, droga! Por que tudo tem de ser assim?

– Quero acreditar que isto seja verdade, Arthur. Na verdade, sei que é. Eu também sinto isso, também me questiono essas coisas. Eu não gosto de ficar afastada, sinto falta de seu beijo. Antes de nos conhecermos, eu estava completamente perdida como pessoa, mas, mesmo assim, você viu em mim algo especial, me levando para a direção certa. Cumprimos nossa missão juntos, Arthur. Agora preciso que cumpra sua promessa. Vai cumpri-la, não vai?

– Eu fiz uma promessa, Mel. No curto período de tempo que passamos juntos, vivemos situações que muitas pessoas nem conseguem imaginar. Não seria mais fácil se ficássemos juntos?

– Nunca se esqueça de quanto te amo, mas você não entende. Tenho que ir, Arthur. Cumpra o prometido."

       Aquele gosto salgado me perseguiu durante anos. Parei de viajar por entre as dimensões. Não podia mais vir para a Terra. Toda vez um grande pedaço de minha alma era roubada. O mesmo acontecia com a de Arthur. Nossa conexão sempre foi muito forte, nos ver era algo difícil. Contudo hoje havia sentido a vontade louca de voltar até Trafalgar Square. Por que depois de tantos anos? Aproveitando a oportunidade quis visitar meus amigos italianos. Mantinha contato com eles através de cartas mandadas por Guillian, meu primo. Na última vez os havia visitado antes de ir ao baile, mas depois da conversa com Arthur resolvi não me arriscar. Nesse dia, apenas queria ver o sorriso calmo de Vincento, a alegria de Olinda e sentir o chá gostoso em minha boca. Chá que sempre aqueceu meu corpo. Como sentia falta deles. No fundo, sentia falta da minha agitada Londres. Aquilo doía, mesmo hoje sendo outra pessoa. Mesmo sendo rainha por tanto tempo e lidando com tantas coisas grandes. Será que nunca iria parar de doer? Pode ser que não. Quer saber? Era bom. Assim eu nunca esqueceria meu antigo lar. Nem os antigos amores.

A FadaWhere stories live. Discover now