24 de Outubro - parte 2

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Sabe quando você dorme e sente o cérebro acordar, mas o corpo não? Percebe a atmosfera ao redor, mas não consegue levantar? Era o que eu sentia. Além disso,a dor foi registrada pelo corpo de uma forma meio ausente, como uma memória. Sentia ter participado de uma luta, sem ser uma das lutadoras. Apareci no ringue e levei um golpe feroz de alguma modalidade estranha.

        Parei de me preocupar com o acontecido. Queria saber onde me encontrava. Parecia ser um local tranquilo, muito relaxante pelo espírito de paz.Havia um forte aroma de incenso. Reconheci ser de calêndula. Notei uma atmosfera avermelhada, com um toque semelhante ao oriental. Não me encontrava deitada em uma cama. Estava em um confortável tatame,confirmando minha teoria japonesa. Minha cabeça ficou apoiada em um travesseiro de pena de ganso, meu corpo coberto por uma grossa manta macia.

         Acabei me lembrando de minhas roupas molhadas...

     – Ah... Droga! – reclamei.

       Notei não estar mais com elas. Na verdade, não tinha nada entre meu corpo e a coberta. Para piorar, uma parte dele doía com intensidade.

       Reconheci qual... Gelei. Minhas asas.

       E agora?

      Uma pessoa aproximou-se de mim. Por um reflexo paralisei de medo. Elas e sentou ao meu lado. Antes que pudesse sair do lugar, ouvi uma voz de homem pedir para eu relaxar. Algo bem difícil. Não sabia onde eu estava nem quem falava comigo. Como ele queria que eu relaxasse? Virei o rosto. Levei um susto.

   – Calma, sei sobre vocês – disse o dono da voz. – Sou da antiga tradição, só não acreditava nesta parte. Sabia que nas lendas vocês são descritas como menorzinhas?

     A dor aumentava conforme a lucidez. Pelos deuses. Aquele ao meu lado era o jovem desesperado da Trafalgar Square. Fiquei a manhã inteira procurando-o,e agora ele se encontrava a meio metro de mim.

     Senti-me tonta com a revelação. O mundo devia ser bem pequeno mesmo, como dizem. Com tantas pessoas no universo para me encontrar naquela floresta,era logo ele que aparecia. Ainda confirmou ser da antiga tradição. Será que não acreditava na minha raça como dizia? Iria descobrir mais.

    Se eu falasse mais a meu respeito, talvez ele pudesse se abrir comigo. Então consegui pronunciar algumas palavras com a boca seca, ainda travada do choque:


   – Pelo que eu sei, em nossa dimensão temos a estatura normal de um humano. Apenas ficamos menorzinhas quando viajamos para outras dimensões. Isso acontece para não sermos vistas. Mas a família real, por ter de representar as fadas entre os humanos, consegue permanecer com o tamanho natural na Terra.

     O esforço de falar me provocou um ataque de tosse, e estremeci, dobrando-me pela cintura. Tentei esboçar um fraco sorriso, mas a dor não permitiu, então saiu uma expressão estranha. Ele pegou uma tigela que continha água morna misturada com mais algumas substâncias. Com uma esponja começou a limpar com cuidado os machucados pelo meu corpo.


     – Então é da família real? – perguntou o rapaz.


     – Sim. Sou Princesa das Fadas – respondi.

     – Interessante. Bem, princesa... A batida não foi muito forte. Sobre isso mil desculpas. Ainda não acredito que te atropelei. Mas você parece ser mais frágil que um humano. Suas asas estão muito machucadas.

       Minhas asas coloridas eram a parte mais sensível do meu corpo. Parecia com uma tela tecida com cuidado. Nervos passavam por entre os fios, como se fossem fibra ótica. Ela movia para frente e para trás. Ele permanecia concentrado limpando os machucados. Mesmo tendo me atropelado, eu não conseguia sentir raiva do rapaz. 

A FadaWhere stories live. Discover now