23 de Outubro - parte 3

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 Saí da floresta sentindo-me perdida por não ter as respostas que procurava. Por volta das oito horas da noite, caminhei até o pub para conversar com Vincento. Precisava explicar a real situação, demostrando a ele que não adiantava buscar a floresta. Tinha que buscar alguém. Uma pessoa para me ajudar a achar a verdade.

   Ao contrário da brisa gelada do dia, a noite quente me fazia transpirar. O local estava lotado como nos dias de jogos decisivos do Chelsea, time famoso da Inglaterra. Avistei Vincento conversando com alguns clientes estrangeiros. Parecia estar tendo dificuldades para se entender com eles. Olinda estava atarefada no balcão, então não quis interromper e por isso resolvi esperar.

     Logo uma mesa na calçada esvaziou e me sentei. Pensava no caminho escolhido por minha mãe. Ela havia cumprido sua meta ao me contar sobre meu destino. Previ, na época, que poderia ficar sem ela no futuro. Mas não conseguia entender como uma mãe conseguia deixar uma filha sozinha, depois de jogar uma bomba como aquela. Sempre fui solitária. Nunca amei. Tinha poucos amigos, quase nenhum familiar e com a pessoa mais próxima, minha mãe, eu estava zangada pelo seu desapego. Por estar sozinha, precisava lutar pelos meus objetivos. Tentar achar algum sentido em toda essa história de destino e missão. Este homem, dono do olhar misterioso, poderia me oferecer a ajuda necessária.

     Hoje havia me lembrado várias vezes da minha mãe. Percebi que a maioria das lembranças vinha acompanhada pelo rancor. Mas a amava. Isso nunca mudaria. Sentia-me abandonada, porém não negava o amor. Enquanto permanecia sentada naquela mesa, esperando as poucas pessoas que gostavam de mim terem tempo para conversar, percebi que até os bons espíritos estavam distantes. Esperava que eles atendessem as minhas preces, afinal qualquer coisa pedida com fé, eles supostamente ajudavam a realizar. Mas no meu caso, pareciam não querer mais fazer isso. Hoje havia sido uma prova clara de que até eles me abandonaram.

    Não podia ser também uma completa ingrata. Verdade que haviam me auxiliado, pois me ajudaram a obter a visão. Mas que droga! As únicas pessoas responsáveis por nos dar esperança esquecem de as dar completas. Diziam que esses espíritos escreviam certo por linhas tortas. Se fosse assim, minha história de vida deveria ter sido escrita em linhas tortas, curvadas, parecendo dirigirem-se a lugar nenhum.

     Mais de uma lágrima foi derramada. Elas haviam se tornado uma característica quase permanente em meu rosto nos últimos tempos.Eu chorava em silêncio. Isso demonstrava a imensa dor contida naquele pingo d'água.Cada gota cristalina, em vez de aliviar a dor no peito, machucava a alma como um espinho. Eu respirava com dificuldade. Sentia-me sufocada com tanta dor.

    Ao me ver, Olinda veio ao meu encontro. A princípio não viu que eu chorava, pois eu estava sentada em uma mesa de costas para o balcão.

     – Querida! Vincento está preocupado contigo! – disse a mulher antes de perceber minhas lágrimas. – Agora entendo. O que aconteceu? Por que está triste?

      Contendo as lágrimas que rolavam pela minha face, levantei o queixo. Olhei para o céu e inspirei profundamente, ouvindo o eco distante das conversas animadas entre as pessoas do bar.

     – Choro por amor. Este nunca é motivo de tristeza, mas sei que é ruim chorar – disse tentando disfarçar o rosto vermelho dos clientes curiosos que bisbilhotavam.

     – Está apaixonada? – Olinda perguntou.

      Dei um leve sorriso. Quem diria. Eu nunca havia experimentado estar apaixonada.

      – Não! Há várias formas de o amor se enquadrar no mundo. Choro porque tenho medo de perder o que amo. O que dá no mesmo de ter medo de amar.

A FadaWhere stories live. Discover now