31 de Outubro - parte 1

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        O caldeirão negro borbulhava tanto que quase transbordou. Sentia ser um perigo deixar o fogo tão alto. Não sabia se ele borbulhava apenas os ingredientes ou também a tensão que corria pelo meu corpo. As fortes luzes cintilantes do palácio tinham sido apagadas. Agora a penumbra, iluminada apenas por velas aromáticas feitas de cera e extratos naturais, reinava. Fiquei aliviada pelo fato de não terem mergulhado o salão em escuridão total. Mesmo com certa claridade,meu corpo já tremia de medo pelo desconhecido, imagine se o salão estivesse em completo breu. Entraria em pânico.

       Todos os convidados permaneciam em silêncio, aguardando as próximas instruções do ministro. Ele iria comandar a magia de Ano-Novo. Eu queria que começasse logo.

– Preciso que respirem lentamente, fechando os olhos enquanto fazem isso– disse o senhor Glasvack mudando a voz.

      Agora estava tão envolvente, que parecia um professor de Yoga comandando uma turma de alunos. Todos os presentes no salão seguiam as instruções. Demorei a fechar os olhos por ter medo do que estava por vir. Como tudo era muito novo, não conseguia me concentrar. Insegura, tentava sentir a presença de Arthur ao meu lado. Mas a vibração que se instalava no salão era muito mais forte. Sendo a primeira vez que praticava magia em grupo, tive que me controlar, tentando fazer parte da harmonia.

– Respirem fundo – pronunciava o homem separando as palavras. – Sintam-se seguros. Relaxados. Quando eu contar até três quero que prendam a respiração. Para sentir em seus pulmões a magia de Ano-Novo. Um. Dois. Três.

     Não existia mais som. Era só silêncio. Nem o menor ruído. Não conseguia ouvir o vento. Como isso acontecia? Havia apenas a pausada voz nos guiando pelo novo caminho. Um caminho de paz e prosperidade. Eu pensava em como queria fazer parte disso. Como precisava de paz em meu coração sempre aflito. Será que aquela era a oportunidade para isso? Esperava que sim.

     Tentava me acostumar com a falta de luz e a presença das pessoas, só assim me conectaria com a energia delas a minha volta. Mas algo me impedia de fazer isso. Seria nervosismo? Não sei. Não parecia ser só isso. Talvez fosse essa falta de som. Esse grande vácuo na minha mente. Queria tossir, mas tinha medo de emitir algum som. Esse grande vácuo na minha mente. Queria tossir, mas tinha medo de emitir algum som. Isso testaria a magia, mas me faltava coragem. Tinha que me concentrar para conseguir entrar no mesmo estado deles.

- Vamos desprender nossas mentes. Solte a respiração. Que a luz branca, aluz divina apareça em seus olhos, entrando em sua alma. Agora com delicadeza abra os olhos. Vejam a luz branca que nos envolve.

       Ao abrir os olhos, vi a sombra do ministro se mexer. O homem deu duas palmas fortes, fazendo meu coração disparar de susto. Para meu alívio, pétalas de rosas brancas como neve caíram do teto, pousando em nossas cabeças. Diversas delas. Se me dissessem que era chuva, de início não notaria diferença, pois era um espetáculo o que elas faziam. A sensação das pétalas tocando meu rosto relaxado era o mesmo que gotas d'água.

– Vamos pedir que a luz branca nos proteja. Curando nosso mental e espiritual...

      As pessoas começaram a se movimentar no salão até então em silêncio. Todos mudavam de lugar. Logo senti a mão quente de Arthur pegar na minha direita. Nanael, como se fosse uma pluma, pegou na minha esquerda. Estávamos formando o círculo mágico. A ligação eterna. Já tinha ouvido falar de momentos como esse, mas mesmo assim, ainda não conseguia me conectar com eles. Aquilo me atormentava. E se não conseguisse realizar o ritual?

– Ao estarmos interligados, nossas forças se unem. Por isso, repitam as seguintes palavras: Aceito a luz branca. Aceito que sou feito de magia.

     O efeito das nossas palavras em voz alta foi explosivo. Como se fogos de artifício tivessem sido estourados dentro do salão. A energia do ambiente, após aceitarmos as frases de Glasvack, foi maior que a de qualquer bomba. Havia força nas palavras. Fé em seus significados. Sentia isso. A determinação de todos para que o próximo ano fosse abençoado. Naquela hora consegui me conectar. Senti minha alma captando a energia. Eu fazia parte daquela corrente. A corrente elétrica que atravessava nossos corpos, pelo elo de nossas mãos, energizando cada célula de nosso corpo. Cada pequena gota de sangue. Ninguém conseguiria quebrar esse elo, mesmo se tentasse. Naquela noite, tudo o que eu não sabia parecia ter vindo me assombrar.

A FadaWhere stories live. Discover now