29 de Outubro - parte 3

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Saímos cheios de sacolas da loja, Arthur fez questão de me dar o vestido de presente, mas em nenhum momento o viu. Agora eu que queria fazer uma surpresa.

   Peguei um táxi para ir para casa, pois Arthur precisava dar uma olhada em seus funcionários no trabalho. Ele tinha uma gerente muito competente, mas nunca ficava tranquilo se não comandasse os negócios da família de perto. Pelo menos os negócios mais "humanos".

  Ao ficar sozinha na casa, resolvi escrever uma carta para ele. Não tinha motivos para isso, mas sentia que precisava. Escrever me acalmava. As palavras pareciam um remédio forte para qualquer dor na alma. Só havia dois lugares na casa com papel: o escritório da mãe de Arthur ou o dele. Como me familiarizei com o de Veronika, decidi ir até lá. Cumpri todas as etapas do encantamento e entrei no aposento mal-iluminado. Agora não existia mais a luz fantasmagórica do holograma da mulher. Acendi as velas que estavam na mesa em um castiçal prateado. Longas velas brancas. Podia acender a luz, mas não me parecia tão divertido. Encontrei pena e pergaminho na primeira gaveta da escrivaninha. Inspirada, comecei a escrever tudo que vinha à minha mente. Lembranças de todos os momentos que já tínhamos passado juntos. Desde o momento na floresta em que vi apenas seu olhar até nossa ida a Camden Town. Declarei todo o meu amor por ele e confessei que não conseguia mais viver sem estar ao seu lado.

  Sabia que quando encontrasse a carta ficaria muito feliz. Coloquei-a na cabeceira da cama de Fairyland. Por instinto fui até minha bolsa que estava no quarto e peguei o desenho feito pelo menininho na praça. Senti uma pontada no coração ao me afastar do desenho, que foi feito com tanto carinho, mas sabia que para tudo se tem uma razão. Precisava, por algum motivo, deixar o desenho com a carta. Em breve iria entregá-los. 

   Fui à SALA – ESTADOS UNIDOS. Queria ligar para minha amiga Olinda, pois fazia muito tempo que não nos falávamos. Talvez ela estivesse preocupada. Ouvi três toques no telefone até a italiana atender esbaforida. Fiquei com medo de ter ligado em uma hora imprópria.

– Pub La Itália, Olinda Mancini falando! – disse a mulher do outro lado da linha.

– Por que está esbaforida? – perguntei, sabendo que ela reconheceria minha voz.

– Mel! Quanto tempo sem dar notícias! Estamos preocupados. Entendo que agora só exista o príncipe encantado, mas não custa falar oi.

   Ri com seu comentário. Contei o que havia acontecido nos últimos dias e como foram intensos. Ela pediu para eu não ligar para suas besteiras, pois estava apenas com saudades. O mesmo acontecia com Vincento. Mas mesmo animada com minha ligação, percebi que Olinda não prestava muita atenção. Várias vezes me pedia para repetir o que falava. Até que ouvi o barulho de pratos se quebrando. Algo não estava certo. Antes de ela falar, já percebi o que acontecia.

– Ah! Vincento decidiu cozinhar outra vez! Será que ele não aprende?

– Não! Ele não me ouve. Esse velho porcalhão acha que minha cozinha é brincadeira. Espere só um minuto, querida – Olinda saiu do telefone, mas isso não abafou sua voz. – Vincento! Meu chão limpinho está coberto de molho. Essa é sua sentença de morte, companheiro. Vou entrar em greve. Ah, vou! Estou tentando falar com a Mel e não consigo.

   Ao fundo consegui ouvir a voz animada do simpático senhor.

– Mel? Querida, a Mel está no telefone?

– Sim, bagunceiro! Falo sério! Se minha cozinha não estiver em ordem, hoje a casa vai cair!

Vincento não parecia ligar para as ameaças da mulher, pois eu podia escutar as risadas dele. Com a maior naturalidade ele disse:

– Olá, doçura!

– Vincento, será que não aprende? – perguntei rindo ao mesmo tempo.

– Vocês sabem que minha comida é sublime.

   Concordei. A comida do italiano sempre foi muito boa. O problema era a situação do chão após o preparo. Sempre ficava uma bagunça, parecendo um campo de guerra destruído pelos inimigos.

   Conversamos por pouco tempo, porque a ira de Olinda era bem maior que o bom humor de Vincento. Provavelmente ele ficaria o dia inteiro tirando o molho de tomate das paredes e do chão da cozinha tão branquinha do restaurante. Mas fiquei feliz de poder conversar um pouco com eles.

   Agora era hora de ver como seria minha noite e parei para apreciar o céu. Num dia qualquer, um pôr do sol como aquele teria sido lindo. Mas nada era mais lindo que o sentimento que eu tinha por Arthur. Ficar sem ele era uma droga, mesmo que apenas por algumas horas. O fim do dia reluziu por entre as árvores do jardim. Eu podia ouvir a rajada de vento produzida por uma frente fria vinda do oceano.

  Queria agradar Arthur. Talvez fazer algo diferente. Até para aproveitar o conselho de Veronika e viver intensamente minha vida. Só não sabia o quê. Tudo parecia bobo demais.

  Resolvi preparar um jantar especial. Arrumei a mesa com uma decoração elegante, envolvendo pratos de porcelana e talheres de ouro. Coloquei um peru para assar com todos os acompanhamentos.

  Minha mãe sempre dizia: uma mulher que cozinha faz um homem feliz. Poderia soar machista, mas era verdade. Uma boa comida feita com carinho e boas energias nutria o amor de um casal.

  Mexi o molho de ervas finas. O cheirinho dele se misturou com o do peru, deixando a cozinha com um ar convidativo. O aroma trazia várias recordações de minha infância. Sentia falta do meu pai, que nunca mais veria, e da minha mãe longe de mim. Lembrei-me de um Natal em que minha mãe preparava a ceia. Meu pai me colocou de cavalinho nos ombros e pediu silêncio. Nós dois entramos na cozinha e a ouvimos cantarolando uma antiga oração. Aproximamos para assustá-la, mas havia notado nossa presença e foi ela quem nos assustou. Nós três nos divertimos a ceia inteira. Aquele foi um dia maravilhoso.

  A sala de jantar no fim ficou perfeita e minha felicidade só aumentou. Acendi duas longas velas pretas sobre a mesa, também um incenso. O salão de música estava próximo, com isso encantei os instrumentos para tocarem uma canção romântica durante o jantar. Estendi as mãos sobre a mesa e agradeci pela comida, pedindo para os deuses abençoarem nossos dias.

  Quando terminei, Arthur chegou com uma expressão cansada em casa. Logo ao ver a preparação ela mudou. Ele sorria da forma que eu gostava.

  Tivemos uma ótima refeição e fui levada como uma noiva em núpcias para o quarto, onde tivemos outra noite de amor. Mais uma noite em que era sua mulher.

A FadaWhere stories live. Discover now