28 de Outubro - parte 1

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O sol ergueu-se brilhante no céu com poucas nuvens. Tive de proteger os olhos recém-abertos. Cada vez que o vento gelado do outono roçava meu rosto, sentia o cítrico perfume das flores preenchendo as narinas. Sentia os raios solares em contato com minha pele, me deixando aquecida. O cobertor da noite anterior se encontrava jogado no chão, perto do balanço branco onde adormecemos. Ao meu lado, Arthur ainda dormia em sono profundo, pois nem se mexia. Ao observá-lo me senti tão feliz, tão livre e calma. Um sentimento estranho comparado ao inferno vivido nos últimos dias. Ainda tentaria entender o que tinha acontecido.

       O tempo passava. Lento, muito lentamente. Sentia-me em uma montanha-russa. Conseguia ter amor, raiva, pena, orgulho e tristeza, tudo ao mesmo tempo. Tudo pela mesma pessoa.

      Lembrava-me de como o achei charmoso com a taça de vinho na noite passada. Do quanto fiquei aliviada quando ofereceu o brinde à loucura, também da forma como finalmente dormimos abraçados. Agarradinhos. Com minha cabeça apoiada no peitoral definido. Ele não fez nada que pudesse me aborrecer, deixando-me triste ou perturbada. Tivemos a chance de conversar. Choramos de rir. Fomos confidentes, amigos e amantes. O Arthur da luta era passageiro. Ele me tratava de uma forma completamente diferente. Sendo todas as vezes doce comigo. Havia sido o único homem a declarar que me amava. Tirando Patrick, o menininho da praça. Mas ele não contava. Ou contava? Não sei. Pelo menos achava isso.

      Arthur se voltou para mim a fim de dizer alguma coisa sobre o quanto a noite estava agradável, boa, um alívio aos últimos acontecimentos... Mas virou com uma expressão triste nos olhos. Que expressão era aquela?

     Ele esperou chegar o fim da noite para realizar a transformação. Mais uma de suas transformações. Eu me lembrava do medo sentido repentinamente, como se meu coração tivesse sido arrancado com força do peito, enquanto lutava para imaginar o que eu havia feito de errado.

       – Você se divertiu essa noite, Mel?

      – Sim – respondi –, foi uma noite agradável. Talvez um pouco longa. – Afinal, tínhamos lutado até algumas horas atrás. Sentia dores como de uma guerreira após a luta. Confusa. Pensando na mistura de sentimentos existentes em meu coração por ele.

      – Você gostou do vinho? – perguntou.

     Aquiesci. Tinha gostado muito do vinho. Do gosto do álcool misturado com o doce das uvas e açúcar fermentado. Vinho? Será que eu fiz alguma careta ao tomar o vinho? Às vezes era desligada nesses assuntos. Sempre fui muito avoada em relação à etiqueta. Consegui evitar por pouco um arrepio de susto quando ele esticou o braço em minha direção e começou a acariciar meus cabelos.

      – Não sei se com você está acontecendo isso, mas estou ficando preocupado – disse Arthur. Sua voz tinha um tom de desânimo.

     – Preocupado? – indaguei. Tinham tantas coisas com quem ele, ou eu, poderia se preocupar.

     – Com seu destino. Você tem uma missão na Terra. Quando cumpri-la terá de ir embora. Você teria coragem de me deixar?

    Ele parecia perdido ao falar daquela maneira. Não havia motivos para ficar triste ou receoso. Não havia nada com o que se preocupar. Eu tinha uma missão, porém mesmo com tudo aquilo acontecendo, o amava. Muito. Nunca o deixaria. Acharíamos uma solução juntos. Precisava mostrar para ele que nada iria nos separar. Já ele não parecia ter certeza do nosso amor.

    – Descobri sentimentos que acreditava não habitar mais em mim – disse olhando em seus olhos. – Descobri ser capaz de amar. O que está acontecendo com a gente é muito mais forte. Eu nunca te deixarei.

    – Você viu a forma como te tratei, Mel. Ainda não estou curado do trauma de perder meus pais. Tenho medo de te perder por isso.

    Vi a forma como ainda me olhava triste. Os olhos enchendo de lágrimas repentinas que eu não conseguia compreender, parecendo um copo sendo preenchido com água. Água de um rio algumas vezes calmo, outras violento.

      – Arthur, você me foi enviado para juntos descobrirmos o que preciso fazer para ir até Fairyland. Estamos crescendo juntos. Não sou mais a mesma.

      – Eu também não sou. Quero viver ao seu lado – disse. – Não quero te perder.

    Tive esperança. O sentimento expandiu-se em minha alma como um balão, até a alegria ser quase tudo o que eu sentia. Eu me sentia bem por causa dele. Estava sorrindo por causa dele. Minha alma vibrava. Ele me amava. Queria ficar comigo. De vítima passei a me sentir heroína. Tinha conquistado o amor daquele homem e a imagem dele com o vinho nas mãos desapareceu.

    Aproximei-me da beirada da sacada. Arthur acordou, se juntando a mim. Ficamos olhando para o jardim que ele tão caprichosamente cuidava. Eu ainda me sentia como uma mulher prestes a ser pedida em casamento. Esperançosa. Ao mesmo tempo com medo.

    Era hora, para mim, de enfrentar a realidade. Tempo de ser adulta e responsável. Nunca fui boa nisso. Contudo, se eu parasse de procurar as respostas sobre meu destino, não iria deixar minha vida seguir em frente. Vida que queria compartilhar com Arthur.

     – Reparei uma coisa. Você gosta de flores – comentou o rapaz de olhos esverdeados, observando a roseira.

     – Fairyland é uma dimensão muito florida. Meu pai sempre fez questão de ter flores em casa, provavelmente para lembrá-lo de sua terra.

    Arthur esboçou um sorriso jovem e despreocupado. Pelo menos seu humor voltava ao normal. Iria aproveitar então o dia para procurar um caminho a seguir, porque não aguentava mais essa pressão de "ter uma missão".

    Enchia a paciência. Os humanos não tinham esse tipo de problema. Por que eu deveria ter? Só por que sou uma fada? Talvez por ser a princesa delas?

    Enfim, aquilo me enchia.

    E muito.

A FadaTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon