31 de Outubro - parte 3

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Ele me encarava. Parecia não saber o que estava acontecendo. Assim como não havia reparado no salão. Arthur apenas olhava para mim. Meu silêncio o incomodava, pois ficava me encarando com o olhar triste, provavelmente achando que eu ainda estava com ciúmes de Susan. Sim! Eu me corroía de ciúmes dela, mas agora tudo era muito, mas muito maior do que ela. Meu destino não era com Arthur. Além disso, aos poucos, eu entendia qual era o sentido de nosso encontro e a explicação da conversa de Veronika com meu pai. Só não sabia como iria contar para ele.

         Quando decidi falar alguma coisa, porque não aguentava ter tudo aquilo engasgado em minha garganta, aconteceu um fenômeno muito estranho. Uma súbita ventania exatamente no lugar onde estávamos. Aquilo não podia ser coincidência. Para ser mais precisa, a ventania ocorria em volta do meu corpo.O susto foi grande. Não esperava por isso. Meu pai não havia dito nada de ventos esquisitos. A última coisa que vi foi Arthur gritando meu nome, enquanto o vento acinzentado cobria meu corpo e finalmente o rosto.

        Passou-se um bom tempo. Na verdade, não tinha noção de tempo. Mas sei que o vendaval acabou se dissipando. Quando parou senti algo errado. Parecia estar muito mais... leve. Leve? Por que será? Era como se todo o peso que carregava tivesse sumido. Evaporado. Tanto o peso da alma quanto o peso físico, pois meu belo vestido não estava mais em meu corpo. O chapéu também tinha desaparecido. De todos os meus itens, o único que ainda sentia preso ao corpo era o cordão gélido com o pentagrama e a fada.

        Deveria ter uma explicação para isso. Tinha passado pela minha transformação final. Agora era uma fada completa. Havia cumprido minha missão. O que não aliviava meu coração, já que não sabia o que dizer para Arthur. Ou será que só quando eu contasse teria realmente cumprido?

        Bem... Estava para descobrir.

        A verdade me aguardava.

       Precisava tentar explicar a Arthur, mas com tudo que estava acontecendo era difícil. Pela cara de desespero dele, eu deveria estar muito diferente. Com certeza ele queria que eu me visse. Confesso que também estava curiosa. Mas tinha medo de não gostar da minha aparência.

Deme supercilio nubem.

     O feitiço tinha sido dito por Arthur. Seu desespero devia ser grande. Agora havia um espelho dourado de dois metros apoiado na árvore ao nosso lado. Tive medo de olhá-lo, mas tinha de enfrentar meus demônios. O que poderia ter me acontecido de tão ruim? Como o menininho da praça havia dito alguns dias atrás,todas as fadas eram lindas. Não precisava temer.

     Criei coragem e olhei no espelho.

     O vestido vermelho bufante tinha sido substituído por um vestido prata colado ao meu corpo, com apenas o rasgo em minhas costas, onde minhas asas continuavam a bater. Elas também não eram as mesmas. O colorido juvenil havia se transformado em uma mistura de cores suaves. Assustei-me ao ver a diferença, mas gostei do resultado. Meu cabelo não estava mais preso na bela trança. Estava solto e muito mais comprido que o normal. Tão comprido que o sentia bater em meu quadril. Nunca tive meus cabelos tão grandes assim. Conseguia ver nele duas pontas finas saindo de cada lateral da minha cabeça. Ai,meu Deus. Deviam ser minhas orelhas. Sempre esquecia que as orelhas de fadas eram diferentes. Foi isso que assustou Arthur? Meus olhos castanhos herdados de meu pai, agora eram violetas como os da minha avó. Ficava muito diferente com eles. O mais interessante, para mim, era o objeto que flutuava perto de mim.Havia recebido minha varinha de condão.

     Reunindo coragem disse:

– Cumpri minha missão.

     Com os olhos vermelhos, prestes a chorar, e os punhos fechados com força, Arthur me indagou. Ele não tinha entendido nada que havia acontecido naquela noite.

– Minha missão era te conhecer, para plantar meu amor em você. Arthur,algo que aprendemos nesses últimos dias é que as fadas estão esquecidas no passado. Quase fomos extintos quando os humanos pararam de acreditar em nós por causa dos bruxos – parei de falar por um momento para medir minhas palavras. – A minha missão era me apaixonar nesta dimensão. Apaixonar-me por um bruxo que pudesse levar minha história e meu povo adiante. Esse era o nosso destino. Infelizmente, não podemos ficar juntos.

     As grossas lágrimas de Arthur denunciavam que ele não iria se conformar com aquelas palavras. Conseguia ainda ver as imagens dele bêbado sendo consolado por Susan. Eu também não estava me sentindo bem. Não sabia como conseguia falar daquela maneira.

– Eu te amo, Mel! Nós nos amamos. É claro que nosso destino é ficarmos juntos.

– Arthur, você sabe que eu não posso. Tenho que governar Fairyland. Você tem uma vida aqui. Nossos futuros são diferentes. Eu vi o que vai acontecer com você, sei que no começo vai doer, mas irá se recuperar. Vi casamento, também filhos em seu futuro. Até minutos atrás eu não suportaria ouvir que outras mulheres iriam aparecer em sua vida. Agora entendo que mesmo se deitando com todas elas eu vou sempre ser a escolhida. Somos ligados. Eu nunca vou te esquecer.

– Eu não quero outra mulher, Mel!

– Eu também não quero outro homem, mas você precisa ter outra mulher.Preciso que se apaixone e gere uma nova vida. Passe para sua família a história de meu povo. Por favor, Arthur! Ajude-me a salvar essa gente.

     Eu não aguentava mais ser firme. As lágrimas venciam. Nós dois chorávamos.

– Você sabe o quanto eu te amo? – perguntou Arthur.

    Concordei com a cabeça. Eu sabia o quanto ele me amava. Era por isso que ele tinha que ficar.

– Promete que nunca vai me esquecer? – perguntei. 

– Promete, Arthur? Promete que NUNCA irá me esquecer?

    Vi seus olhos. Em outro tempo eles sorriam e convidavam os meus a sorrir com eles. Nesse momento os via tão impenetráveis como uma rocha polida. Eles e aproximou e agarrou o meu rosto entre as mãos. O rosto que estava tão diferente. Seu hálito cheirava a champanhe e tinha as mãos quentes, elas me pareceram queimar o rosto. Era o corpo dele lutando para que eu não fosse embora. Acovardei-me e senti desejo de retroceder, mas ele me obrigava aficar imóvel enquanto me encarava com olhos que pareciam ser capazes de leros mais profundos segredos de minha alma. Isso se eu ainda tivesse algum segredo dele.

    Ele me abraçava com força. O último abraço apertado. A última vez que sentiria seu perfume gostoso, também o calor quente de seu hálito no meu pescoço frio. Pegou-me pelos quadris, levantando-me do chão e quase me esmagou com um abraço apertado, enquanto a sua boca procurava ansiosamente pela minha. Beijou-me como se dependesse desse beijo para sobreviver. Não sabia se o que doía mais era saber que não iria ficar com quem amava ou saber que aquele era o nosso último beijo.

    Quando nos afastamos senti que Arthur tremia. O sofrimento em seus olhos era claro, por isso tentava não encará-los. Sabia que os meus deviam estar da mesma forma. Tinha que partir para a floresta, onde Whitzy e Mithy me esperavam.

    Precisava deixá-lo, mesmo no fundo não querendo.

– Carolina! – eu disse de supetão quando estava quase indo embora.

– Carolina?

– É um belo nome! – respondi.

   Dei um beijo rápido, comecei a me afastar, não aguentava mais a dor da separação. Aquele era o momento em que eu dizia adeus para o meu grande amor. O amor que iria salvar toda uma geração. Todas as fadas de todo o mundo. Tudo porque ele acreditava em nossa raça. Ele iria nos tirar do anonimato.

  Mesmo sofrendo, tinha que dizer adeus.

   Adeus para meu príncipe encantado.

    Com o coração em pedaços, dei um impulso sem olhar para trás e saí voando pelos céus de Londres com apenas um destino. Minha casa...Fairyland.

A FadaWhere stories live. Discover now