26 de Outubro - parte 3

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     Sentei-me no tronco da árvore, de onde ele não havia se mexido. Até o momento eu esbravejava de um lado para o outro; precisava me tranquilizar. Quem sabe conversar com calma.

      – O que você quis dizer com isso? – indaguei, e nem um pouco amistosa.

      O rapaz sorriu.

      – Ela costumava ficar brava comigo o tempo todo. Na maior parte das vezes quando eu não lhe dava atenção. Aí ficava horas tagarelando até eu não aguentar.

       Pronto! Agora ele me comparava com a mãe lhe dando bronca. Isso não podia ser um bom sinal. O rapaz por quem eu começava a ter sentimentos me comparava com a sogra, que eu nem sabia direito quem era.

      – Depois de um tempo tentando entender por que ela gostava de gritar tanto,entendi que aquilo me deixava feliz – disse Arthur.

      Fiquei confusa com o comentário.

     – Você ficava feliz com sua mãe brigando contigo?

     – Sim. Costumava provocá-la apenas para ver a cena. Sentia ser aquele nosso momento de conexão, quando eu percebia que minha mãe se importava comigo. Sinto falta dela. Também dos gritos.

     Arthur abaixou a cabeça, e não quis pressioná-lo mais com aquela história.Um dia talvez ele se abrisse comigo, se chegasse o momento. Tinha que aceitar isso. Resolvi animá-lo, espantando o clima de enterro. Estávamos em uma floresta em que os animais dançavam aos nossos pés procurando alimentos. Em um lugar mágico onde até o ar era mais puro. Não precisávamos ficar tristes,muito menos brigar.

     – Arthur... se você pudesse fazer algo impossível, o que faria? – perguntei.

      Ele parou encarando os pássaros. Já percebi que significava o momento de reflexão dele. Arthur começou a me encarar. Soltando uma risada, comentou:

      – Tenho vontade de fazer uma coisa, mas chega a dar vergonha de dizer.

      – Sei que gritei com você há alguns minutos, mas no final das contas sou sua amiga. Não precisa ter vergonha.

      Arthur me confessou entre dentes, falando baixinho:

      – Tenho vontade de voar.

       Sorri ao ouvir o desejo. Ele afirmava saber que se tratava de uma coisa infantil, mas a sensação de liberdade que poderia sentir ao voar sempre foi algo que sonhava experimentar.

      – E se eu pudesse realizar esse sonho? – perguntei feito uma pessoa que falava sério.

      – Sei que pode voar, Mel, mas fazer os outros voarem não é mais difícil?

      Apenas sorri para ele. Mal sabia o rapaz que aquele dia seria inesquecível.

      Peguei sua mão, correndo pela floresta adentro. Chegamos a uma clareira de difícil acesso, onde o ar era tão denso que parecia possível pegá-lo com as mãos. Verifiquei se alguém passava por perto. Para nossa sorte a floresta não tinha visitantes.

       – Essa vai ser a melhor experiência da sua vida! – exclamei.

      Ele riu, talvez por achar engraçada a minha confiança, talvez por não levá la a sério. Apertava as mãos com nervosismo. Deveria estar ansioso. Peguei suas mãos, quase esmagando os seus dedos. Queria mostrar com a intensidade doa perto que estava ao seu lado.

      – Preciso que se mantenha concentrado em minhas instruções.

      Ele me olhava sério, mas em seguida desatava a dar risadas. Vi que tentava conter o riso, porém, nenhum de nós conseguia parar de rir.

      – Antes de fazer meu ritual, tenho que nos esconder dos humanos para não causarmos confusão. Vou nos tornar invisíveis. Tudo bem?

       Agora que Arthur ria ainda mais.

       – Além de virar o Super-Homem, vou ser o Homem Invisível?

       Apenas sorri, e pronunciei:

      – Illegitimi non carborundum.

      O feitiço fora dito. Nossos corpos foram perdendo a cor. Aos poucos o tom da pele, cabelo, roupas, perdia foco. Ficamos transparentes. Um ato mágico muito bonito de ver. Nos enxergávamos um ao outro, porém sabíamos que não seria possível os outros nos enxergarem.

      Abri as asas e elas lentamente dançaram. As cores brilhantes podiam cegar alguém com o reflexo do sol. Minha transformação estava completa.

     Pedi a Arthur que fechasse os olhos e esperei para ver se realmente o faria. Confirmando, apertei suas mãos, dando a instrução de que ele não as soltasse. Dei um pequeno salto tentando me estabilizar no ar, para conseguir flutuar fora da terra firme.

     – Arthur, preciso saber de uma coisa... – alertei. – Você confia em mim?

    Uma voz demonstrando confiança disse:

    – Com certeza!

    Sentindo-me realizada por ouvir sua confiança, puxei-o para cima, fazendo-o dar um pulo. Nossos pés deixaram a terra. Queria aumentar a velocidade, mas Arthur precisava se acostumar com a inversão de gravidade. Fomos subindo e chegamos a quase cinquenta metros de distância do solo, quando o mandei abrir os olhos.

    – Esse é o mundo visto de cima, Arthur!

    O rosto iluminou-se. Podia ver o sorriso de orelha a orelha. Ouvia interjeições a cada vez que subíamos mais um metro. Soltei uma de suas mãos,fazendo-o olhar desesperado para mim. Tranquilizei-o com outro sorriso.

   Continuamos a voar pela tarde, tentando compensar anos que ele não sabia que isso seria possível. Tudo no mundo parecia mais bonito.

   – Agora essa é a cena mais bonita da minha vida – ele comentou chorando.

   Pelo sorriso ainda estampado, aquelas lágrimas significavam algo a mais. Arthur tentava agradecer, mas as palavras não saíam. Nada mais precisava ser dito.

   – O prazer é meu! – respondi ao elogio não feito.

   Em alta velocidade passávamos por nuvens, voando pelo céu. Conforme ele pedia, aumentava o ritmo. Fazíamos brincadeiras bobas, parecendo duas crianças, como Peter Pan e Wendy. Meu corpo se contorcia, realizando piruetas pelo ar. Ele acompanhava os movimentos com certa graça. Nunca voar havia sido tão divertido. Toda mágoa que guardava de minha infância evaporava.

   O pôr do sol anunciou a entrada do anoitecer. Ficamos sentindo a brisa gelada da noite. O céu pintado de laranja e rosa dava contraste ao frio. Naquele horizonte fiz um agradecimento. Agradeci por ter encontrado aquele homem. O homem.

   Se ele parecia certo para mim? Pouco importava. Era ele quem estava ao meu lado.

   Quem eu queria que estivesse na minha vida.

A FadaWhere stories live. Discover now