003 - Solidão

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Quatro dias se haviam passado desde a sua chegada a Paris, porém, para Charlotte, mais parecia que já se havia passado um mês. A rapariga dos cabelos curtos não conseguia descartar o sentimento de solidão que tinha dentro de si, algo pelo qual ela não esperava. Pelo menos não tão cedo.

Os seus passeios longos pelos lindíssimos quarteirões de Paris satisfaziam-na e, inicialmente, fora interessante ver as suas amigas cheias de inveja das suas maravilhosas fotos na cidade das luzes. Todavia, acabou por se aperceber de que se estava a tornar repetitiva e deu por si simplesmente a guardar as fotos no seu telemóvel, sem as chegar a enviar. Sentia-se feliz momentaneamente, mas, assim que chegava a casa, havia um sentimento pesado, inabalável que a fazia querer teletransportar-se para o seu lar, em Manchester. Estes pensamentos faziam-na sentir-se uma criança. Já devia ter maturidade para aguentar uma vida sozinha. Mas, a verdade é que ela sentia que todas as facilidades se tinham acabado, algo que só então se apercebera que nunca havia valorizado verdadeiramente. A comida essencial em casa, pois faltava sempre alguma coisa depois de vir das compras, as refeições preparadas, a roupa lavada e passada a ferro, já arrumada no seu armário... Tudo se havia acabado e dava agora por si a fazer tempo só para a máquina da roupa terminar.

Estes últimos dias haviam sido um acumular de ansiedade para Charlotte. De noite, não conseguia pregar olho com os inúmeros pensamentos. A maior parte deles eram sobre expectativas do trabalho no atelier, mas progressivamente essas expectativas se tornaram em pensamentos negativos, uma vez que ainda não lhe haviam dito nada. Sentia-se sozinha, aborrecida. Enquanto a água quente percorria o seu corpo nu, as suas lágrimas salgadas camuflavam-se na corrente doce que saía do chuveiro. Porém, a sua respiração irregular denunciava a sua tristeza e desconsolo.

Ela sentia-se sufocada, claustrofóbica mesmo estando num mundo tão diferente e com tanto por descobrir. Era como se nada fizesse sentido. Ela procurara Paris por uma questão de começar do zero, de poder ser ela mesma sem alguma ideia pré-definida, mas dera por si a desejar a sua vida antiga e, ao mesmo tempo, a repreender-se a si mesma por estar a ser tão fraca ao primeiro obstáculo. A única pessoa com quem ela às vezes falava era Thomás e, mesmo assim, era raro vê-lo durante muito tempo, pois, após as refeições, ele também requeria a sua privacidade e, ou ia para o seu quarto, ou saía de casa. Talvez o que estivesse a faltar fosse uma televisão...

Charlotte vestiu a roupa mais confortável que tinha no armário e foi para o seu lugar favorita da casa; a varanda. Desta vez, sentou-se no chão e colocou os fones nos ouvidos, abrindo a sua playlist criada para estes momentos específicos, em que se sentia mais em baixo. Ela tinha uma pequena obsessão por controlar tudo à sua volta e as suas playlists refletiam isso mesmo, uma vez que tinha milhares para cada situação. Chet Baker começou a tocar e o seu coração aqueceu.

E ali permaneceu imóvel, simplesmente tentando acalmar os seus pensamentos tão escuros e atribulados. Um toque no seu ombro sobressaltou o seu corpo e os seus olhos arregalaram-se quando viu Thomás atrás de si, com uma expressão confusa. A rapariga forçou um sorriso, mas rapidamente desviou o seu olhar, não conseguindo fingir por muito tempo.

- Está tudo bem, Charlotte? – inquiriu ele, uma vez que ela tirara os fones dos ouvidos. A música estava realmente alta pois era possível ouvir-se dos fones.

- Hm, hm...

Thomás sentou-se a seu lado, também no chão, esticando as suas pernas até à guarda da varanda. Charlotte observou a sua atitude em silêncio, tentando não quebrar à sua frente. Ela não queria companhia naquele momento, ironicamente.

- Não pareces mesmo nada bem... - disse olhando-a nos olhos. Charlotte nunca havia reparado até aquele momento no quão claros e azuis os seus olhos eram e, por algum motivo, essa sua observação deixou-a mais calma. Respirou fundo. Ele insistiu. – A sério que está tudo bem?

O Desassossego da AlmaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora