019 - Chuva

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Charlotte manteve-se naquela posição durante alguns minutos. As suas pernas tremiam devido à ansiedade que ela estava a sentir naquele momento e as suas mãos, suadas e inquietas, passavam pelas suas pernas numa tentativa inútil de se acalmar. Sentada nas escadas do quarto piso, sentiu a vergonha preenchê-la quando ouviu agitação por parte de alguns moradores do prédio, que pareciam estar a subir as escadas. Apesar de ela não conhecer quase ninguém, não queria, contudo, ser vista naquele estado, soluçosa e chorona. Decidiu, por isso, ganhar forças para se levantar e continuar a subir as escadas até ao último andar do edifício, onde, para sua surpresa, encontrou uma porta com um sinal a identificar "Acesso à Cobertura. Puxe".

E ali se se manteve, encostada à parede, sentindo a brisa fria da estação embater contra o seu corpo, porém abrigada da chuva pela zona coberta das escadas. Os seus olhos observavam as infindas gotas de chuva embaterem no pavimento de gravilha, sendo estranhamente acalmada pelo som que a mesma fazia ao cair. A paisagem para a cidade das luzes não era muito percetível daquele lugar pois, ainda que se encontrasse no alto, o muro de segurança existente a toda a volta não permitia que o seu olhar visse muito além da skyline da cidade. Contudo, os seus pensamentos eram tão densos e ensurdecedores que nem lhe permitiam estar ali em paz.


Charlotte não sabia ao certo quanto tempo ali estivera. Ela sabia apenas com certeza que havia sido bastante tempo uma vez que o céu, apesar de nublado, apresentava agora um tom de rosa, anunciando a todos os habitantes o final daquele dia. Ela nem conseguia pensar em ir para casa, encarar Thomás depois de toda a situação que causara. Apenas queria permanecer ali, ou ir para casa de alguém, mas, quando ia mandar mensagem a Louis apercebera-se que nem o telemóvel tinha consigo. Que vergonha..., pensou ela enquanto expelia um longo suspiro.

A porta atrás de si abriu-se calmamente, emitindo um chiar devido ao seu pouco uso, algo que sobressaltou de imediato o seu corpo. O seu olhar virou de repente, tentando perceber se estava segura ali, mas quando viu Thomás apenas se apressou em limpar o seu rosto, inchado e molhado, sempre evitando o seu olhar.

- Finalmente te encontro! Ainda bem que estás aqui. – Proferiu Thomás, um pouco ofegante, ainda que genuinamente mais sossegado agora que a tinha à sua frente.

Charlotte assentiu com a cabeça, sem forças para conseguir falar, e analisou apenas pelo canto do olho o movimento do seu colega de casa. Thomás fechara a porta com cuidado, certificando-se primeiro se dava para abrir por fora e, após garantir isso, posicionou-se ao lado da rapariga dos cabelos curtos, também ele aproveitando o resguardo da chuva.

- Ela já se foi embora? – dissera, por fim, Charlotte num tom de voz quase inaudível.

Porém, fora como se ela tivesse deixado cair um peso ridiculamente pesado sobre os seus próprios pés. Ela sabia que aquele assunto a magoava, no entanto havia sido a primeira coisa que ela tinha dito. És tão ridícula, Charlotte...

Thomas assentiu com a cabeça, respondendo afirmativamente à sua questão. Charlotte começava a sentir-se sufocada. Porque é que ele estava ali? Porque é que ele a tinha procurado? Sentia que tinha chamado demasiado a atenção e que estava a ser um fardo na sua vida.

- Queres falar comigo?

Charlotte negou com a cabeça. Ela realmente não queria e, mesmo que quisesse, ela não tinha energia para aguentar.

- Está tudo bem em não quereres falar, Char. Apenas te quero assegurar de que eu estou aqui caso precises.

As palavras de Thomás aqueceram o seu pobre coração devido à sua compreensão demonstrada, mas ainda assim Charlotte queria-se afastar. Ela não queria toda aquela atenção pois fora algo que ao longo da sua vida ela não estava habituada. Desde muito nova que ela sentia o peso do mundo real e sempre solucionara os seus problemas sozinha, ainda que nem sempre da melhor forma, pois ela sabia perfeitamente da quantidade de sentimentos que tinha acumulados dentro de si. No entanto, ela sempre se vira obrigada a lidar com as consequências das suas ações, sem nunca ter ninguém a seu lado e toda aquela proximidade a incomodavam. A escassez de uma resposta deixou Thomás reticente, não sabendo bem do que devia fazer agora, perante tal postura insólita.

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⏰ Última atualização: Oct 08, 2021 ⏰

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