012- Sufoco

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Charlotte ajeita o seu blazer preto ao sentar-se na cadeira de madeira, com a devida atenção para não o amarrotar. Ao lado, Thomás, parecia estar bastante ansioso, batendo o pé freneticamente enquanto olhava em frente ainda que sem prestar grande atenção ao que o rodeava. Quando lhe pedira para o acompanhar a tribunal, Charlotte achara estar com algum erro na tradução ou, então, que ele não estaria a falar a sério, mas ali estava ela, naquela sala assustadora, ciente de que havia apenas uma parede a separá-los de inúmeros jornalistas.

No lugar à frente de Thomás estava o que ela entendera ser o seu irmão mais velho. Fisicamente ele não se parecia muito com Thomás, sendo que a única coisa que possivelmente denunciaria essa relação seria o nariz e o formato do rosto. Thomás tinha uma certa postura, um deslumbramento diferente e uns lábios que, apesar de não serem muito robustos, tinham um formato bastante bonito, para Charlotte. Desde logo que ela se apercebera de um certo atrito entre ambos, uma vez que quase nem se haviam cumprimentado. Ela nunca havia ouvido falar de Maurice, pelo menos além do que lera nas notícias. Também com os pais, a reação não fora de todo o que ela esperara ver. É certo que ele reagira mal quando soubera de tudo o que estava a acontecer, mas agora que ali estava, junto deles, parecia muito distante, quase como se não se tratasse de família direta.

Charlotte era perita em complicações familiares. Ela também era perita em falsificar emoções e disfarçar constrangimentos, conseguindo ver partes de si em Thomás e em tudo aquilo que ele parecia estar a sentir. O seu pé ainda batia freneticamente e as suas mãos iam demasiadas vezes ao seu cabelo, como se não soubesse como agir naquele local. A mão de Charlotte pousa-se delicadamente sobre a perna magra de Thomás e, com as suas unhas faz pequenas festinhas como tentativa de o acalmar. A mão quente dele pousa-se em cima da dela, e Charlotte não consegue evitar, mas sorrir, quase como se fosse uma confirmação de que ele necessitava daquele contacto. Numa outra situação ela não estaria a tomar aquelas atitudes, mas, naquele dia especial, ela iria abrir uma exceção.

Na noite passada Charlotte passara a noite até adormecer a ler as informações que a media transmitia sobre o caso. Ela evitava ao máximo falar deste assunto com Thomás, sempre temendo por uma má reação. Thomás era o único que não estava relacionado com a empresa, sendo que os pais seriam os principais acusados, devido aos seus altos cargos. Claro que, caso fossem considerados culpados, não iria ser permitido ao irmão continuar a trabalhar lá, por questões obvias, o que iria trazer um grande corte no orçamento daquela família. Fora a outra família associada também à empresa que chamara a procuração, quando perceberam que estava a haver um branqueamento do capital.

- Estás bem?

Thomás assentiu com a cabeça e apertou ligeiramente a mão de Charlotte. Ela sabia que ele não estaria a ser completamente sincero.

Quando o julgamento começou, a cabeça de Charlotte não se conseguia concentrar em nada do que estava a ser dito. Charlotte, por vezes, olhava para Thomás, compreendendo que ele era tal e qual como ela. Existia em si uma força semelhança em sair do padrão normal e estipulado, algo que a agradava. Ele, tal como ela, fazia-se notar e afirmava-se, lutando por aquilo que estava intrínseco a ele mesmo, as artes, e afastando-se, por isso, do tão desejado destino traçado pelos seus pais de continuar no ramo da gestão. Ele era tal como ela. Dois indivíduos a remar contra a maré.

Charlotte, apesar da falta de atenção e de não compreender nada de justiça, acabara por perceber que a situação ficara na mesma, esperando a apuração de mais evidencias. Ela sabia que enquanto não fosse colocado um ponto final nisto, Thomás não iria ter descanso.


-


Um suspiro saiu por entre os seus lábios assim que acabara de trocar a sua roupa formal pela sua roupa confortável de andar em casa, já de há três dias: uma simples t-shirt e uns calções desportivos. Thomás estava agora a regressar para a sala, depois de fumar o seu cigarro, e a britânica não conseguira evitar, mas demonstrar a preocupação que estava a sentir.

O Desassossego da AlmaWhere stories live. Discover now