014 - Contacto

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As mãos de Thomás ajeitavam os botões da manga da sua camisa preta, enquanto este esperava que a rapariga dos cabelos curtos começasse a falar, mas esta apenas se dirigia, em silencio, até à kitchenette. O ambiente tenso era sentido por ambos que, apenas tentavam disfarçar da melhor forma possível. Quando o francês repara que ela estava a pegar numa garrafa de vinho que não uma sua sentiu algo estranho em si, quase como se ela tivesse quebrado uma tradição entre eles.

Charlotte procurava pelo saca-rolhas na gaveta, enquanto tentava ver uma forma de explicar tudo aquilo que estava a sentir. Ela queria ser sincera, queria explicar tudo, mas, ao mesmo tempo, ela queria protegê-lo pois sabia que o quanto ela receava afastá-lo. Este observa-a, atentando cada movimento, na forma como o seu cabelo lhe tapava a cara ao baixar-se, a forma como as suas mãos forçavam a rolha da garrafa para sair, a forma como o seu olhar tão vazio e repleto de algo ao mesmo tempo encaravam o nada.

- Estiveste a pintar? – Foram as primeiras palavras que Charlotte proferia, num tom calmo, ainda numa busca incessante por uma justificação adequada para toda a situação do dia anterior, uma que ela lhe pudesse contar. O líquido da garrafa ia caindo no copo de vidro, sendo esse o único barulho entre ambos.

- Não conseguia adormecer. Sentia-me um pouco sufocado, então acabei por me levantar e tentar libertar aquilo que estava a sentir. – O rapaz disse, encolhendo os ombros.

Charlotte assentiu com a cabeça e caminhou em direção das suas cinco telas, majestosamente encostadas na parede da sala. Ela relembrou a noite que pintara com ele, naquela mesma sala, quase como se conseguisse sentir aquela felicidade, a forma como ele a incluíra, a forma como ele tratara dela no final.

A sua pintura era abstrata, era confusa, quase como se retratava o que ela estava a sentir dentro de si. Era algo verdadeiramente inexplicável e bastante intenso. Em comparação com a arte pendurada entre os dois quartos, feita pelos dois, aquela tinha tons mais escuros, um toque mais sóbrio e frio. Charlotte bebeu um pouco do seu vinho e olhou sobre o seu ombro para Thomás. Ele tinha os seus olhos marcados pela sua má noite de sono e o seu cabelo estava um pouco despenteado, algo que ela até achou piada. Ela queria compreendê-lo ainda que, lá no fundo, ela soubesse o que o despertara e, por isso, sentia um certo peso dentro de si.

- E o que estavas a sentir?

Ele ainda abrira a boca para falar, mas nenhuma palavra saíra por entre os seus lábios. Em vez disso, e ainda hesitante, ele aproximou-se dela, com receio que ela voltasse a reagir mal. Charlotte conseguira sentir a sua proximidade, permanecendo no seu sítio, com o seu olhar colocado sobre as telas. O olhar de Thomás recai sobre ela, apesar de não ser grande diferença, era ligeiramente mais baixa e sente a pele da rapariga arrepiar-se quando as suas mãos agarram delicadamente os seus braços nus. Charlotte fechou o seu olhar, sentindo as suas mãos quentes na sua pele gélida, desprovida do seu toque.

O corpo da britânica virou de frente para Thomás que, ainda que, permitindo o seu movimento, não retirara as mãos dos seus braços. Ela olhava para cima, colocando o seu foco no olhar dele, tentando decifrá-lo.

- Podemos falar do que aconteceu ontem, Char? – ele inquiriu com uma voz doce, quase como que um sussurro carinhoso.

- Eu não sei... - ela expressou, da forma mais honesta que podia. Ele não conseguira deixar de notar no brilho melancólico dos seus olhos, compreendendo uma certa dor existente dentro de si. Ele compreendera que ela estava a dizer a verdade, que ela realmente não sabia o que desencadeara tal atitude e, para a reconfortar, procurou a sinceridade e o que tanto acabara por ocupar a sua mente naquela noite, quebrando, por isso, o silencio que se havia metido entre ambos.

- Se eu me excedi com as brincadeiras, eu peço mesmo desculpa, Char.

A palavra "brincadeiras" acabara por afetar a britânica de uma forma que nem ela própria esperava, uma vez que era ela mesma a causadora de dar vida a essas brincadeiras, na sua cabeça. Ela sabia que esta proximidade entre ambos não estava a resultar da forma como ela imaginava, porém, tinha ponto assente que não se iria afastar.

O Desassossego da AlmaTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang