001 - Música e Vinho Tinto

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Após acabar de arrumar a roupa e de fazer a cama, Charlotte sentia-se tão cansada e suada de tanto se agachar e levantar que perdera toda a vontade de ainda ir passear pelos arredores. Tudo o que Charlotte queria naquele momento era sentar-se perto da janela, com um copo de vinho tinto e um cigarro. Mas nem o vinho tinha.

A britânica só rejuvenesceu quando a água quente entrou em contacto com o seu corpo. Os seus olhos fecharam-se com a pressão da mesma e o seu cabelo curto e ondulado, rapidamente se alisou e se conformou na sua cara. Baixinho, murmurava a última música que tinha ouvido de Edith Piaf, La Foule, ainda que sem pronunciar a letra pois ela sabia de que não iria sair correto.

Charlotte enrola a sua toalha à volta do corpo e, cuidadosamente abre a porta, já antecipando a diferença de temperatura que ia sentir. Os seus cabelos molhados já começavam a ganhar o seu habitual volume e forma, porém ainda pingavam algumas gotas de água, tanto para a toalha como para o chão de azulejo. A sua pele arrepia-se com o abrir da porta e o seu corpo estremece com o susto uma voz grave, inesperada, vinda de trás.

- Bem-vinda.

O seu olhar arregalou-se e, como primeira reação, olhou para si mesma, para se assegurar de que estava bem tapada. Um pequeno sorriso transpareceu no seu rosto, ainda que meio nervoso pois não era assim que ela tencionava a aparecer em frente da pessoa com quem ia dividir a casa.

- Pois, olá! – disse finalmente, meia reticente, quando se virou para o rapaz. – Desculpa, esta não é a melhor forma de me apresentar, mas é que estive a arrumar tudo e precisava mesmo de um banho! – Explicou-se ela, em inglês, pois não tinha conseguido processar aquela informação a tempo de a traduzir.

- Britanique... - expões com um sorriso curioso no seu rosto. - Não te preocupes com isso.

- Vamos só começar de novo. Eu vou vestir algo e-

- Como quiseres. Eu gosto de apresentações atípicas.

Charlotte não tinha a certeza se ela naquela figura seria uma razão para ser relembrada, mas não era como se ela pudesse fazer alguma coisa quanto a isso. O momento já tinha acontecido.

- Certo, então até já.

Antes de virar costas analisou o rapaz com quem iria dividir o apartamento. Os seus cabelos escuros tocavam no seu rosto e, de braços cruzados, encostado confortavelmente no balcão da cozinha, não retirara o sorriso do rosto. Parecia divertido com o acontecimento, algo que de certa forma a incomodou. Não por ele, mas por ela, pois ela pensou que numa situação contrária também ela acharia cómica a situação de, do nada, ver um desconhecido a sair da sua casa de banho só em toalha. Enfim.

Para não perder tempo, Charlotte retirou o primeiro vestido que os seus olhos avistaram no armário. Passou novamente a toalha pelos seus curtos e escuros cabelos, antes de se olhar ao espelho. Queria transmitir uma boa imagem, estar apresentável pois pelo menos durante um ano tinha de permanecer naquela casa e o ambiente tinha de ser bom para a coexistência. Gentilmente, abre a porta do seu quarto e dirige-se para a divisão comum onde pode observar o seu companheiro de casa a ler pacificamente o jornal. Porém, mal a sua presença é sentida, os seus olhos logo se colocam nela.

- Bem, no meio daquela trapalhada toda eu nem me apresentei, desculpa. Sou a Charlotte. Allen.

- Thomás, Moreau.

O silêncio instalou-se na sala, deixando a Charlotte sem saber muito bem o que fazer ou para onde se dirigir. Ela queria fumar ou, então, admirar a vista do seu apartamento do terceiro andar. Porém, sentia-se imobilizada, devido à falta de à vontade que ainda sentia naquela casa e perante aquele estranho. Felizmente ele interrompeu o silêncio.

O Desassossego da AlmaWhere stories live. Discover now