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Calendra despertou com o canto dos pássaros

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Calendra despertou com o canto dos pássaros.

Durante um momento, seu sono foi embalado suavemente pelo chilrear daquelas pequenas criaturas, fazendo com que um sorriso surgisse em seus lábios. A melodia alegre vibrava no ar e enchia o recinto de paz. Calendra sentia-se leve como uma pluma, os pensamentos soltos, sem parar em nada específico, enquanto o corpo se espreguiçava languidamente na quentura dos lençóis. A energia vibrava como uma chama por sua pele, o bastante para fazer com que não quisesse abrir os olhos, apesar de saber perfeitamente que deveria acordar e começar um novo dia.

Quando enfim conseguiu despertar, percebeu que o lugar à cabeceira da cama estava vazio, restando somente algumas penas negras deslizando com a brisa. Ela abriu um sorriso ao notá-las ali, roçando-as com os dedos pouco antes de as soltar para que fossem embora pela janela. Certamente seu amigo saíra mais cedo naquela manhã, como todos os dias costumava fazer, deixando-a sozinha no quarto. Calendra, ao contrário, permanecera entremeada a sonhos maravilhosos, não se lembrando do que ocorrera no dia anterior, certa de que, quando acordasse, aquelas memórias teriam sumido.

Apenas naquele instante ela percebia quanta ingenuidade tivera. Não seria apenas uma noite capaz de fazê-la se esquecer do horror de presenciar a morte de centenas de pessoas, muito menos a estranheza de se encontrar com a única delas que sobrevivera na visão. A mera percepção daquele fato a fez sentir uma profunda insatisfação por si mesma.

Ela não queria ser o tipo de pessoa que se acovardava ao menor sinal de perigo; não queria dar voz à confusão e à fragilidade, recorrendo aos braços do irmão para se recuperar dos temores. Somente se deu conta do quanto devia ter se parecido com uma menininha quando recapitulou os momentos da visão. Não devia ter se deixado levar tanto pelas emoções, se permitido impressionar e se entregado ao medo. Aprendera desde cedo que o dever de uma vidente era passar o conhecimento, ser um meio pelo qual mensagens eram levadas e trazidas, jamais se permitindo envolver pelo futuro.

Calendra, descuidada como era, fizera literalmente o contrário do que lhe ensinaram. Não apenas transitara livremente por aquele mundo sombrio como interagira com o menino Halim e alterara o rumo do destino. Era algo e tanto ele não a ter reconhecido de imediato quando a vira, se é que não tivesse de fato. Não a surpreenderia que, caso ocorresse realmente aquele evento no futuro, ele a esperasse aparecer por lá.

Uma onda de raiva, vergonha e frustração lavou o seu espírito irrequieto, deixando-a sem saber o que fazer. Ela detestava aquilo, e como detestava. Ser a mensageira do caos e do sofrimento das outras pessoas sempre fora algo que lhe tomara grandes momentos de agonia, por refletir sobre que aspectos revelar ou não revelar. A maioria dos habitantes de Vaugalath era cética e não acreditava nela, mesmo que os eventos posteriores confirmassem a veracidade de sua declaração. Preferiam acreditar que ela era a causadora de todos os males a admitir que Calendra queria unicamente os proteger. Isso fizera com que passasse a ignorar cada vez mais os seus surtos premonitórios, pensando que, talvez, pudesse remediar os danos caso fingisse a todos que nada havia acontecido. Enquanto admirava o teto de seu quarto, ela pensou que se agisse da mesma forma com Halim e sua família, provavelmente aquela ameaça desapareceria e nunca lhes causaria temor; afinal, ignoravam o seu futuro da mesma forma que todas as pessoas normais.

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