Nadaha

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28.

Voltamos normalmente para o apartamento, e passeamos pelas ruas, atraindo poucos olhares, mas nada que fosse constrangedor demais. Me senti muito bem em sair, ver as pessoas e pelo menos por um curto período de tempo me divertir como se uma boa parte da minha vida tivesse sido mentira, ou um sonho ruim.

Ainda não me sinto livre, me sinto confortável, como nunca.

Paramos na calçada e ele mexia bastante no celular, parecia intrigado em algum assunto e pareceu não se importar em continuar sem prestar muita atenção no caminho, chegamos na porta da garagem e ele se dirigiu para dar um telefonema, permaneci aguardando na pequena sala quando o senhor Faris surgiu pousado na janela, sempre calmo em cada gesto, rodeado de plantas e nunca era de conversar muito.

- Gostou do passeio- Me perguntou ajeitando um rádio de pilhas ao seu lado.

- Foi bem agradável.

- Eu estava conversando, sabe sobre seu acidente, inti se lembra de algo, rostos, nomes? Já passou da hora de continuar com a investigação- A dias entendi que inti se referia a mim, e que o senhor Faris estava mesmo dedicado a solucionar meu acidente.

Engoli seco e apertei as mãos piscando muito, não conseguia controlar minhas reações ao mentir, eu me lembrava do corte do terno, do penteado, da voz, do olhar, eu saberia dizer até o que Flyn estaria comendo naquela noite.

- Eu não me lembro de muita coisa- Soltei como um tiro.

- Sabe senhorita Alves, meu filho me pede isso todos os dias, ele se importa mesmo- Olhou para os lados e deu um leve sorriso- Não diminui a culpa dele, mas ele só quer ter certeza de que o que quer que tenha acontecido não vai machuca-la novamente, ele não aguentaria se sentir responsável por mais alguma coisa.

Não pude evitar colocar as mão no rosto contendo minha vergonha por estar mentindo descaradamente.

- Eu entendo o medo...mas ana ainda enxergo o receio- Sorriu gentil- Está tudo bem okay?

- Esse rádio nunca vai pegar- Khalid surgiu e o pai maneou a cabeça- Inta ma btadd chuf jiddani?

- La, inta bruh jiddanii- Eu nunca entendia uma palavra- A vovó está de mau humor e nada como o neto pacífico para acalmar a fera.

Eu achava que a senhora Amira estava sempre de mau humor, mas em um dia peculiar estar descrita assim deveria realmente ser sério, não passaria na porta do segundo andar. Notava uma movimentação no apartamento nos últimos dias.

- Sempre quando o tio Amir está para vir ela fica assim.

- E sua mãe nervosa como sempre- Reviraram os olhos mutuamente.

- ATENÇÃO- Gritou uma voz do térreo, pude ver Joe colocar a cabeça para fora da janela e Tarek entrar assustado, olhamos para cima e com um jarro debaixo dos braços ela parecia animada, se isso era o mau humor dela então Amira Faris é bem do contra- Amir está vindo para passar o final de semana conosco, eu quero os vidros limpos, que Farid regue as plantas e Tarek me compre o melhor chá.

- E vamos esperar o tio Amir- Khalid sorriu com muito humor para mim e não pude conter uma risada bem humorada.

...

- É a terceira fornada que está queimada- O jantar foi agitado, estávamos todos sentados na sala de Nancy vendo o espetáculo dos biscoitos dela e da sogra, era uma cena linda.

-Jiddani? Pode me dar, eu como- Tarek comia todos os queimados, sendo o único degustador da iguaria. Após o jantar o senhor Faris insistia para que nós tomássemos um café, era para ser um momento de paz- Aliás mocinho da folga, seu khalti tá em parafuso.

- Não consigo nem pensar nisso- Se largou no sofá e Joe me deu um cutucão- Aliás Hassan deveria estar concentrado no seu casamento.

- Eu estou sadiq, concentrado em pagar- Mordeu um biscoito sem ânimo, a noiva estava achando que a enrolação de Tarek era suspeita, mas ele realmente estava trabalhando mais que o normal nos últimos dias, não me julguem, eu tive bastante tempo pra observar.

- Podia pagar depois, não sei, parcelar?- Joe soltou pegando um biscoito das mãos dele.

- Ah não, Hali já me emprestou uma grana para começar- Fizeram um toque estranho- Vão ver, é tudo extremamente pomposo, o meu será o mais lindo que essa casa já viu.

- Quis dizer que a minha casa já viu- Khalid interferiu- Vão morar lá.

- Esqueci que você vai casar com sua Nadaha- Levou uma almofadada e gargalhou.

- Hummmmmmm quem é?- Joe soltou e eu e Mi a olhamos repreensivas, não temos nada com isso.

- Não é uma pessoa real- Respondeu breve e Joe parecia interessada em saber mais, ah não.

- É webnamoro?

- Não- Tarek riu e o senhor Farid parecia rir muito também- Quando ele era um habib mjãozinho, ktir asir, ele tinha medo de uma lenda, da Nadaha, ela pega homens e leva pro Nilo de noite, e eu já vi ele indo no meio da noite quando tio Amir era dono da casa no rio para nadar com ela.

- Isso é verdade, inta ma btheb Nadaha- O senhor Farid pareceu brincar e ele permanecia sério.

- A jiddani me contou uma vez e eu ficava esperando ela passar no rio, era só um menino.

- Mas comprou a casa e dorme lá as vezes, eu não sei não- Ele revirou os olhos.

- Eu odiava o boto cor de rosa- Todos olharam involuntariamente para Joe, cada uma.



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