Nilo

Fustan

~Vestido~

25.

Escovava os dentes com força na frente do espelho, meus cabelos levemente amarrados e já estava com uma aparência um pouquinho melhor, usava uma blusa listrada e me encarava no espelho do grande banheiro da casa em que estou hospedada.

- Bom dia- Mirela soltou andando vários papeis nas mãos- Estou procurando passagens, para o mais breve possível, mas tá mais complicado do que eu imaginei- Ergueu os olhos e deu uma risada nervosa.

Andava sempre sorridente, qual fosse a situação e parecia mais tranquila, era nosso terceiro dia, encamada, deitada e inerte nas cobertas, mas passei a me colocar em uma situação diferente, meu corpo se recupera e eu preciso continuar, por mais tentadoras que as cobertas sejam. Me sentia protegida, nenhuma ligação, visita, nada inesperado, aquela casa me emanava a paz, só não me dava paz a falta da verdade e tinha que corrigir parte disso, e isso subtendia a senhora Amira e Khalid, em parte eu também estraguei isso.

Apoiada aos ombros de minhas amigas eu desci para o café em família, não participei nos últimos dias, mas ouvi dizer que é bem animado. A senhora Faris vestia uma longa bata exagerada com muitas pedras e estava atrelada ao seu tablet enquanto o senhor Farid observava a mesa, Tarek olhava com certa aversão as fotos mostradas pela moça ao seu lado, que conhecia por Aishah, sua noiva, juntamente com um homem que julgo ser seu pai.

Amira estava na extremidade da mesa quieta e do outro lado estava Khalid, do mesmo jeito observando o celular.

- Olhem quem parece bem melhor- Tarek soltou e sorri cordial.

- Que bom que melhorou!- Nancy juntou as mãos em um gesto nervoso.

- Então, o que pretende fazer hoje com tanta boa disposição?- Senhor Farid perguntou e respirei fundo.

- Pode me ajudar a ajeitar meu vestido de casamento- Falou Amira com pouco humor- Estou apertando ele para a festa de 20 anos de casamento do meu Amir, para Sorayah.

- Alguém tem um filho e uma nora favorita- Nancy sugeriu e Farid quase implorou que ela não tivesse tocado no assunto.

- Meu Amir é tudo que você não deixou Farid ser, Sorayah, uma mulher muçulmana, bem criada...

- Imm- Interrompeu Farid em alto e bom som, aquelas duas definitivamente não são boas amigas- Podemos ter uma manhã agradável?

- Não podemos ter uma manhã agradável, meu chuveiro quebrou, Tarek não trouxe o jornal e essa mulher não pratica o dom do silêncio- Me senti desconcertada de ver o quanto ela é realmente implicante, a senhora de preto nunca parecia satisfeita com algo que não fosse seu outro filho e sua outra nora, me cerrou os olhos e desviei rapidamente me concentrando em comer.

De todos os problemas que listou eu não acreditava realmente em nenhum deles, eu sentia que a raiva da senhora Faris se dava a briga com seu neto, estava tão nervosa que só conseguia atacar a pessoa mais apática para ela, Nancy. Tarek olhava um catálogo de flores com os olhos fixos em Joe do outro lado da mesa, sua noiva, uma moça verdadeiramente linda apenas tentava chamar sua atenção, falhava sempre.

Mirela estava focada em um vídeo divertido no celular e eu apenas observava a sintonia entre as pessoas naquela mesa, mas por um instante, como se todo o meu corpo estivesse estranho, observei Khalid brincar com a comida, com uma expressão pensativa no rosto, bem sério e distraído, me direcionou o olhar e sorriu leve, acenando com a cabeça. Um homem tão rompante para discutir, mas tão silencioso para as coisas mais simples como bom dia.

Não tive tanto tempo para explorar a casa, nem conhecer todas essas pessoas, mas talvez estar aqui seja diretamente para isso, ver algo que nunca vi antes.

Depois do agitado café todos saíram seja para o museu, seja para outras tarefas, me designei a subir todo um lance de escadas, com muita ajuda e força, tudo para chegar ao último apartamento do prédio. A porta estava aberta, era escuro e com um tom bem diferente dos demais, bem mais quente, aparentemente pelo menos.

Sentada em uma cadeira perto da janela a senhora Amira segurava um longo vestido em suas mãos, transpassando toda a linha por ele, me olhou na porta e voltou a costurar como se não estivesse lá, e me acostumei a ideia de que ela é assim. Me aproximei me abaixando levemente para encarar seus olhos escuros.

- Posso ajudar se quiser, minha mãe trabalha com bordados e costuras- Acenou positivamente e agarrei a parte que voluntariamente me deu- Como foi seu casamento?- Perguntei, ela apenas me observou e voltou a se concentrar na costura.

- Ele me deu dois filhos, isso quer dizer que foi um bom casamento- Fez sinal positivo com a cabeça.

- Ele era um homem bom?- Não quero ser invasiva, mas apenas um homem tão bom deixaria a esposa em tanto luto, por tanto tempo.

- Mohamed era honrado, forte...

- Deve se sentir orgulhosa, seus filhos devem se parecer com ele- Dei um sorriso e ela passou as mãos pelo vestido.

- Meus filhos não se parecem com ele- Parecia levemente amargurada.

Concordei com a cabeça, estranhando a familiaridade que senti com a fala dela, queria perguntar mais, saber mais, porém era alguém difícil e com certos sentimentos a gente não mexe. Acompanhei seus pontos pela barra do vestido sentindo minha visão tremer a cada palmo, as vezes ela ia e voltava, talvez por causa do impacto.

- Senhora Amira?- Me atrevi e chamei sua atenção- Acha que Khalid fez mal em falar?

- Sim, ele é inocente, não enxerga o que eu enxergo- Me direcionou um olhar rígido- Eu sei o que eu digo, e eu não disse nada sobre você não ter falado tudo que sabe sobre seu acidente, mas eu sei.

Permaneci pasma e ela voltou a costuma, comecei a me indagar como, ou o que ela sabia.

- Atrapalho?- Khalid perguntou parado na porta.

- Sim- Respondeu Amira ainda ressentida.

- Thália precisa tomar um ar, suas amigas concordaram de que eu leve você para um passeio na pista de corrida- Não sabia que eu estava em guarda compartilhada- Esteja pronta amanhã pela manhã.