Chai

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~Chá~

23.

Ainda estávamos sentadas na sala discutindo sobre os últimos acontecimentos, arquitetando os próximos passos de uma manobra, me senti acuada de estar presa bem no centro de Cairo com possibilidades inviáveis de voltar para o Brasil ou Inglaterra. Estava apoiada ao braço da cadeira sem uma cognição enquanto o sol iluminava meu rosto, Joe falava sentada no sofá e acompanhada de Mi discutiam freneticamente sobre coisas que se tratando de Flyn nunca teria a chance de dar certo e sobre o quão rápida foi minha passagem pelo hospital, era evidente que ainda deveria estar internada.

Ouvimos a maçaneta girar e com naturalidade Khalid entrou nos observando, elas cessaram a conflitante conversa no mesmo minuto e ele nos observou contendo as bochechas gerando um bico de desconfiança, a especialista em enrolação deu uma risada gentil e ele se concentrou no que estava fazendo ali.

- Minha mãe vai servir o almoço, sei que estão ja3an, desculpe, com fome- As duas levantaram prontas para descer, eu apenas me recolhi na cadeira, não queria ser cordial, não queria almoçar, quero me deitar, me desconectar das últimas horas.

- Meninas podem descer, se puderem por favor me trazer um prato, não quero descer- Passei os olhos pelo senhor Faris e ele piscou em um movimento involuntário- Diz pra sua mãe que sinto muito, mas foram horas complicadas.

- A gente come aqui com você.

- Não quero fazer essa desfeita com o senhor e a senhora Faris- Acenaram positivamente, elas nem sempre me escutam assim.

Fiquei sozinha por alguns minutos, me olhei no visor do celular, completamente abatida, meu rosto tão machucado. Poirot se ajeitou nas minhas pernas e se espreguiçou deitando sobre elas, toquei suas amistosas orelhas e ele se aconchegou. Após alguns minutos sozinha estava pronta para ir deitar em qualquer um dos quartos, mas meu sórdido plano foi intenrrompido por  Khalid que  entrou com dois pratos enormes e colocou em sua mesa, pegou talheres e me ajeitou.

- Vai comer aqui?

- Eu não sou muito bom com refeições em família- Me olhou de relance e voltou se sentando, dobrou as mangas e balançou um pouco a cabeça sussurrando algumas coisas que não conseguia entender, não estava falando comigo.

- Por que me acolheu aqui?- Ele pareceu pensar um pouco, coloquei o rosto sobre uma das mão reclamando um pouco da dor que ainda sentia no braço.

- Porque eu tenho deveres com meus atos, se eu causei isso fazendo uma investigação é meu dever!- Colocou uma colher de comida na boca e desviou seu olhar.

- é uma forma muito bonita de se agir- Sorri e ele me observou.

- Não quer dizer que eu não vou jogar você pela escada se me irritar- Brincou.

- Não quer dizer que não vou quebrar o gesso na sua cabeça, se me jogar da escada.

Deu uma pequena gargalhada e continuou comendo, comecei a comer também e entre os intervalos ele ainda permanecia me observando, maneei a cabeça e o observei comer, e apesar de toda a distração do seu rosto só pensava no que poderia causar a ele, não queria pensar na possibilidade do que Flyn está sentindo, e não posso permitir que ele machuque Khalid.

- Sabe quanto tempo vou ter que ficar?

- Talvez mais umas semanas ou mais- Concordei com a cabeça.

- Senhor Faris?- Soltou um hum e me olhou- Muito obrigada!- Me embarguei um pouco pra falar e achei que iria ter um ataque de choro, a forma como Flyn me machucou, como me tortura, como se aproveita de mim me fazia sentir que jamais alguém seria tão empático comigo, mesmo por um dever moral ou religioso, ele está me acolhendo.

- De nada senhorita Alves- Parou um instante de comer e me destinou um olhar suave, denso e profundo.

Intrigada após a refeição parti para bisbilhotar limitadamente seus quartos, o primeiro era com toda certeza seu, bem decorado e amplo, nem um pouco bagunçado e com troféus por todo lado, um enorme quadro estava bem ao lado da sua parede, identificava o senhor Farid, Khalid e dois homens mais velhos com roupas muçulmanas típicas.

Bem no fundo da foto também direcionado a câmera estava alguém que reconhecia bem, Íman, ele sorria, uma cena bem rara. Estavam todos dispostos e em harmonia.

Khalid, Mohamed, Farid, Amir e Iman , ano de 2002.

- É um retrato muito bonito- Me assustei com Khalid e me afastei- Meu tio, judd, pai e... Meu primo, Íman.

- Eu sabia pouco do contexto familiar.

- Meu bisavô teve o judd Mohamed e 3ammi Ahmed, o tio Ahmed é pai do seu professor Íman, ele e meu pai foram muito amigos, por muito tempo- Observou a foto- Quando voltei pro Egito há 17 anos atrás tiramos essa foto.

- Não morava aqui?

- Não, quando eu tinha quatro anos minha mãe decidiu deixar Cairo, fomos para a América, voltamos quando já tinha 12 anos.

Ele saiu parecendo não se importar em ver uma estranha bisbilhotando seu quarto, e provavelmente aquela foto significava alguma coisa muito especial. Perto das 5 eu ainda me encontrava sentada para a varanda enquanto as meninas estavam no quarto dos fundos se recuperando da péssima noite.

A porta foi aberta e a senhora Amira me observou de soslaio e veio em minha direção, me impressionava sua discrição, mas ao mesmo tempo me apavorava o medo de dizer alguma besteira, parecia retacada, correta e não queria minha presença em sua casa.

- Meu neto está aqui?- Falou em inglês e me assustei com a perfeição da pronuncia.

- Não está senhora, ele deve estar lá embaixo.

Acenou positivamente com seu lenço preto e olhos bem marcados, observou meu rosto por alguns instantes e maneou a cabeça.

- Toma chá?

NiloOnde as histórias ganham vida. Descobre agora